Por causa de uma lei, diversos casais palestinos em que um dos cônjuges tem cidadania israelense vivem separados ou dependem de permissão militar para se reunir por “motivos de segurança”. Aprovada de forma “temporária” em 2003, em plena onda de atentados suicidas durante a Segunda Intifada, a Lei de Cidadania e Entrada em Israel foi prorrogada indefinidamente e desde então é objeto de um interminável debate na Suprema Corte.
O texto estipula que nenhum habitante dos territórios palestinos ocupados pode optar pela reunificação familiar em Israel. Dado que a percentagem de uniões entre árabes e judeus é ínfima, a lei proíbe quase totalmente os casamentos entre um palestino com cidadania israelense (1,5 milhão de pessoas, um quinto da população do país) e outro de Gaza ou da Cisjordânia.
Jim Hollander/Efe (24/03/2010)
Palestinos passam em frente a mural que representa o Muro das Lamentações, em Jerusalém
Uma emenda de 2005 permitiu que homens maiores de 35 anos e mulheres de mais de 25 obtivessem permissões limitadas de residência e dois anos mais tarde, ampliadas aos cidadãos do Irã, Iraque, Síria e Líbano.
Sem números oficiais, Orna Cohen, advogada da Adalah, uma das ONGs que batalham pela via jurídica pela revogação da lei, calcula que cerca de 20 mil famílias são afetadas pela medida. “Algumas não podem passar do status de residência temporária ao de cidadania, enquanto outras se veem forçadas a viver separadas ou às escondidas, de forma ilegal, com as consequências que isso tem para os filhos. Há quem optou diretamente por ir viver em território palestino ou na Europa”, explica.
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Hatel Hayat, original de Cesarea (Israel), é um dos que podem compartilhar o dia a dia em Israel com sua esposa Yasmín, de Nablus (Cisjordânia), mas com dificuldades. “Minha mulher tem uma permissão temporária que deve renovar em Nablus a cada seis meses e no qual fica especificado que ela não pode trabalhar, estudar nem dirigir um carro”, explica.
“Castigo coletivo”
As famílias e grupos contrários à lei dizem que é uma medida “racista” porque nega direitos universais a todo um grupo de pessoas e é “desnecessária” do ponto de vista da segurança porque os serviços de inteligência israelenses já analisaram caso por caso o histórico dos que pedem a reunificação.
“É um castigo coletivo com base em um punhado de casos”, ressalta Melanie Takefman, da Associação de Direitos Civis de Israel (ACRI), que junto com Adalah, o Centro Hamoked de Defesa do Indivíduo e a deputada esquerdista Zahava Gal-On, formam a ponta de lança contra a iniciativa.
Na última audiência do processo judicial, realizada no mês passado, a fiscal Yoji Gnesin argumentou que a lei salva a vida de israelenses porque os grupos armados palestinos tratam de infiltrar terroristas por meio da reunificação familiar, o que torna os controles prévios insuficientes. Sem apresentar nomes ou detalhes, a fiscal disse durante a audiência que 632 palestinos que obtiveram autorização preliminar para a reunificação desde 2005 estavam “vinculados a atividades terroristas”.
“O passado não nos diz nada sobre o futuro. O fato de que uma pessoa tenha entrado em Israel (…) não significa que não suponha um perigo futuro para a segurança do país”, defendia o Estado em 2003 ao justificar sua aprovação.
“O que significa 'vinculação a atividades terroristas'? O Estado não explica. Além disso, os dados se contradizem com outros apresentados antes. O problema é que a lei considera toda uma etnia um perigo, não indivíduos concretos, o que supõe uma gravíssima violação do direito à igualdade, motivada na realidade por questões demográficas”, critica Cohen.
Apartheid
Amos Schocken, editor do jornal progressista Haaretz, não mede palavras. “É melhor não esconder a verdade: a existência da Lei de Cidadania em nosso corpo legal transforma Israel em um Estado de apartheid”.
As quatro organizações da direita israelense apresentadas como acusação particular (Shurat Hadin, Fence for Life, Im Tirtzu e Novo Movimento Sionista) defendem abertamente que o objetivo do texto não é a segurança a curto prazo, mas ganhar a “guerra demográfica”, ou seja, impedir a todo custo que Israel perca sua maioria judaica para garantir assim sua existência futura.
“É uma questão de vida ou morte. Se perdemos a maioria judaica, os muçulmanos matarão todos nós porque não toleram as outras religiões”, afirma o presidente da Fence for Life, Ilan Tsion, que considera “normal” que Israel “discrimine judeus e árabes” ao haver sido criado como um Estado judeu.
Por enquanto o Supremo segue analisando o caso e não há data para uma nova audiência.
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