O presidente russo, Vladimir Putin, anunciou na terça-feira (21/02) a suspensão da participação da Rússia no tratado de desarmamento nuclear New Start, o último pacto remanescente de controle de armas firmado entre Washington e Moscou.
O acordo limita o número de armas nucleares que cada um dos países pode manter e prevê a realização de inspeções regulares por ambas as partes.
O que é o New Start
O New Start (sigla em inglês para Strategic Arms Reductions Treaty – Tratado para Redução de Armas Estratégicas) foi firmado em 2010, durante o governo do ex-presidente norte-americano Barak Obama, e entrou em vigor em 5 de fevereiro de 2011, determinando que os dois países tinham sete anos para cumprir os limites centrais do acordo, ou seja, até fevereiro de 2018.
A partir dessa data e enquanto o tratado permanecer em vigor, tanto Rússia quanto EUA são obrigados a respeitar os limites de armas estabelecidos.
As metas foram cumpridas e, no começo da gestão do presidente norte-americano, Joe Biden, em 2021, ambos os países concordaram em estender o tratado até 4 de fevereiro de 2026.
O que ele determina
Moscou e Washington se comprometem no pacto a reduzir – e depois manter – a no máximo 1.550 o número de ogivas nucleares e a 800 o de sistemas de lançamento – como mísseis intercontinentais, mísseis instalados em submarinos e aviões bombardeiros.
Para garantir o cumprimento do acordo, o texto permite que cada parte realize até 20 inspeções por ano no país cossignatário. Além disso, os dois países se comprometem a informar um ao outro o status de seus armamentos.
Na troca de dados de 1º de setembro de 2020, a Rússia declarou ter 1.447 ogivas estratégicas implantadas, de acordo com os EUA.
Desde o New Start foi assinado, equipes de Rússia e EUA conduziram 328 inspeções no local de seus estoques. Além disso, as duas nações forneceram trocas de dados e 25.311 notificações sobre o status de seus programas, de acordo com o Departamento de Estado norte-mericano. Em 1º de março está prevista uma nova troca de dados.
Por que a Rússia sustou participação?
Em março de 2020, as inspeções de instalações militares foram interrompidas por ambas as partes devido à covid-19. A comissão EUA-Rússia que supervisiona a implementação do tratado se reuniu pela última vez em outubro de 2021.
Em agosto de 2022, a Rússia anunciou que “temporariamente” os Estados Unidos não poderiam mais fiscalizar os arsenais nucleares russos. No entanto, o Ministério do Exterior russo prometeu se ater aos termos do acordo New Start.
Na ocasião, a pasta argumentou que a situação naquele momento conferiria aos norte-americanos “vantagens unilaterais”, já que a Rússia estaria “privada de seu direito a inspeções em território dos EUA”, uma vez que, devido às sanções ocidentais impostas a Moscou em decorrência da guerra na Ucrânia, seus inspetores teriam grandes dificuldades para ingressar nos EUA.
Na época, a pasta também justificou que nos EUA seus funcionários correriam perigo de saúde, devido à uma nova alta de infecções pelo coronavírus.
As discussões deveriam ter sido retomadas no Egito no final de novembro de 2022, mas, segundo os EUA, a Rússia as cancelou abruptamente sem oferecer um motivo específico.
Saul Loeb/Pool via REUTERS
Acordo foi prolongado no começo de 2021 para mais cinco anos
Agora, ao anunciar a suspensão, Putin ressaltou que a Rússia não está se retirando do tratado, mas que a companhia russa de energia nuclear Rosatom precisa garantir que o país esteja pronto para testar uma arma nuclear, se necessário.
“É claro que não seremos os primeiros a fazê-lo. Mas se os Estados Unidos testarem, nos também o faremos”, disse Putin.
Suspensão x saída
Analistas afirmam que o anúncio da Rússia sobre a suspensão da participação significa que será mais difícil verificar o cumprimento do acordado. No entanto, suspender é diferente de deixar o pacto.
“A suspensão do tratado não é o mesmo que se retirar dele, acredito que não haverá um incremento por parte da Rússia além dos limites do pacto. Mas haverá muito menos oportunidades para verificar isso”, acredita Andrey Baklitskiy, do Instituto das Nações Unidas para Pesquisa em Desarmamento.
Segundo especialistas, a Rússia tem o maior estoque de ogivas nucleares do mundo, com cerca de 6 mil. Juntos, Moscou e EUA têm aproximadamente 90% das ogivas existentes – o suficiente para destruir o planeta várias vezes.
Horas depois do discurso de Putin, o Ministério das Relações Exteriores russo disse que Moscou seguirá respeitando os limites de armas nucleares e continuará trocando informações sobre lançamentos de teste de mísseis balísticos.
Último acordo em vigor
O New Start é a última de uma série de iniciativas de desarmamento entre as duas principais potências atômicas mundiais. Nos anos 1990 houve dois tratados do gênero: o Start-I se encerrou em 2009, o Start-II nunca entrou em vigor, e o resultado foi o atual acordo.
Já na década de 1970, os EUA e a União Soviética fecharam pactos de desarmamento nuclear, entre eles o Tratado sobre Mísseis Antibalísticos (ABM), de 1972, do qual Washington se retirou unilateralmente em 2002. Em 2019, sob a gestão do ex-presidente Donald Trump, o mesmo aconteceu com o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF).
No ano seguinte, Trump anunciou a saída do Tratado de Céus Abertos, que permitia voos de esclarecimento como medida para estabelecimento de confiança mútua.
Desta forma, o New Start é o último remanescente dessa linha de acordos bilaterais de desarmamento nuclear entre as duas potências.
Qual o futuro do New Start?
O ministro russo do Exterior, Serguei Lavrov, queixou-se em 2022 de que Washington não propôs novas negociações para a continuidade do acordo após 2026. Biden, por outro lado, afirmou que seu governo estaria pronto a negociações sobre um acordo subsequente.
No entanto, a guerra russa contra a Ucrânia mudou o cenário e, agora os EUA acreditam que a China também deveria participar de um eventual pacto pós-New Start.
O arsenal atômico chinês é muito menor do que o dos Estados Unidos e da Rússia. Em seu relatório anual de 2022, o instituto de pesquisas para a paz Sipri, de Estocolmo, estimou em 350 o total de ogivas da China.
Contudo, o país ganha terreno rapidamente e – em meio às apreensões ocidentais de que Pequim invada Taiwan – Biden está muito interessado em envolver a potência asiática nas negociações de desarmamento.
A China rejeita a proposta, do mesmo modo que Moscou. No passado, os russos argumentaram que, nesse caso, também teriam que ser incluídos no acordo países como França e Reino Unido, que totalizam quase 500 ogivas.