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O sociólogo Michel Simon, professor honorário da Universidade de Lille 1, estuda desde 1962 as relações entre a classe operária e a política. Nesta entrevista ao Opera Mundi, ele explica que em quase cinquenta anos o operariado francês passou de um alto percentual de eleitores do Partido Comunista para uma preferência marcada pela extrema-direita. Uma tendência que, segundo ele, poderá sofrer mudanças nessas eleições, com a notável progressão do candidato da esquerda radical, Jean-Luc Mélenchon.
Segundo o especialista, a frustração com o governo Sarkozy fez boa parte dos eleitores das camadas mais populares simplesmente ignorarem o jogo eleitoral, caindo nos braços do discurso antipolítico da extrema-direita representada por Marine Le Pen, da Frente Nacional.
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Quais são as características do voto operário?
O grupo operário continua a ser importante, eles são seis milhões de pessoas e cerca de 23% da população ativa. Esse grupo nunca foi homogêneo do ponto de vista político. Em 1962, se 43% dos operários inscritos nas listas eleitorais votavam na esquerda, dos quais 28% no Partido Comunista, em compensação 31% votavam na direita. De acordo com os dados de que dispomos, o Partido Comunista nunca teve a maioria absoluta dos votos dos operários.
Como o voto operário evoluiu na França nas últimas décadas?
As pesquisas que realizei com Guy Michelat desde 1962 permitem distinguir três grandes etapas. Entre 1978 e 1985, o Partido Comunista perde grande parte de seus eleitores para o Partido Socialista. Nas eleições presidenciais de 1988, após dois anos de governo Chirac, o alinhamento à esquerda dos operários é o mais elevado que já tivemos. A segunda ruptura foi nas eleições legislativas de 1993. Desta vez é o voto de esquerda que desaba, devido à redução do voto socialista e ao aumento da abstenção. Desde então, o voto de esquerda dos operários tende a ser cada vez mais parecido com os dos outros assalariados. Um outro aspecto das eleições de 1993 é a ascensão da Frente Nacional na classe operária, em detrimento da direita tradicional. A terceira etapa é a eleição presidencial de 2007, na qual a participação é muito alta. A direita progride em todas as categorias sociais, inclusive entre os operários. Se as reticências dos operários em votar na direita não desapareceram, elas diminuíram consideravelmente. Em conclusão, o voto operário se deslocou para a direita do espectro político. Não que os operários tenham se tornado a força decisiva sobre a qual se apóia Nicolas Sarkozy, mas porque tendo partido de um alto percentual de votos à esquerda, eles hoje votam às vezes menos à esquerda que os executivos e as profissões intelectuais superiores, as profissões intermediárias e os empregados.
Qual é o contexto no qual Marine Le Pen alcançou tanto sucesso junto ao eleitorado operário?
Em nosso estudo de junho de 2010, constatamos um aumento espetacular do sentimento de viver pior do que antes e de um antiliberalismo com conotações anticapitalistas. Também registramos uma rejeição veemente em relação aos políticos e ao próprio sistema político. Esse conjunto de atitudes afeta todas as categorias sociais, inclusive os executivos e as profissões intelectuais superiores. Mas ele é mais comum nas categorias populares e no grupo dos operários. Foi nesse contexto que a Frente Nacional conseguiu captar uma parte do amargor, da revolta e do sentimento de abandono. É interessante notar que a Frente Nacional prospera essencialmente na França operária, nas regiões Leste e Nordeste do país, as mais atingidas pelas transferências de indústrias e o desemprego.
O que seduz os operários no discurso da Frente Nacional?
Historicamente, Jean-Marie Le Pen focalizou seu discurso de forma essencial na xenofobia e no racismo, e até mesmo no negacionismo. Ao mesmo tempo, ele relacionava todas as dificuldades – desemprego, insegurança etc – à “invasão” da França pelos estrangeiros, com isso exonerando a reduzida oligarquia que controla a economia e se apropria de uma parte crescente dos frutos. Reconhecemos aí uma síntese ideológica que já se mostrou eficaz em outros tempos, no momento da conquista do poder por Mussolini e sobretudo por Hitler. Marine Le Pen tentou incorporar mais os temas do poder aquisitivo e da injustiça social.
Pode-se dizer que os atuais simpatizantes da Frente Nacional têm pontos em comum com a esquerda, representada por Jean-Luc Mélenchon ?
Dizer que os eleitores de Le Pen, incluindo os operários, são anticapitalistas é uma pura lenda. Eles são apenas um pouco menos favoráveis ao liberalismo econômico que os eleitores da direita clássica, e não são menos hostis aos movimentos sociais que questionam a ordem estabelecida. Nisso eles estão no extremo oposto dos simpatizantes da Frente de Esquerda. Os dois grupos compartilham certas preocupações sociais e a rejeição do atual sistema político. Mas no que diz respeito às causas e às soluções, a oposição é total. Quando se classificam os grupos de simpatizantes ou eleitores em ordem crescente de xenofobia e autoritarismo, no nível mais baixo estão os simpatizantes da Frente de Esquerda, seguidos de perto pelos do PS e, no nível mais elevado, os simpatizantes de Sarkozy e, de maneira ainda mais maciça, da Frente Nacional. Sem uma grande hostilidade aos imigrantes, a simpatia pela Frente Nacional é marginal ou nula.
O que há de novo nesta campanha eleitoral?
Entre os operários, havíamos constatado uma tendência a se colocar fora do jogo político e se abster de votar e, quando votavam, a escolher sobretudo Marine Le Pen. Certos observadores haviam concluído que existe uma vocação das classes populares de ir para os extremos, e sobretudo a extrema-direita. Atualmente, a irrupção da Frente de Esquerda e de seu candidato constitui uma das principais novidades desta campanha. No início, Jean-Luc Mélenchon estava muito melhor colocado nas categorias superiores e sobretudo intermediárias que entre os operários. Mas é nesta última categoria que ele parece estar registrando seus progressos mais nítidos, disputando o terreno da Frente Nacional, que no entanto conserva uma forte preferência entre eles. Há certa inversão de tendência que faz pensar que entramos em uma nova fase desde 2008. Será preciso esperar o dia 22 de abril para avaliar a pertinência dessa hipótese e medir o tamanho das evoluções. Mas, de qualquer maneira, nunca retornaremos à situação dos anos 1960.
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