A Grécia decide neste domingo (17/06) nas urnas, sob forte pressão da União Europeia, que resposta dará aos últimos cinco anos de forte recessão e à estratosférica taxa de 22,6% de desemprego que atinge o país. A Syriza, coalizão de esquerda que rechaça a cartilha de austeridade da troika, formada por UE, Banco Central Europeu e FMI, tem pela primeira vez força suficiente para derrubar a aliança Pasok-ND (Nova Democracia), que controla o Parlamento Helênico há quase 40 anos.
O voto na Grécia é obrigatório. Cerca de 10 milhões de eleitores gregos terão de eleger 300 parlamentares, cuja maioria absoluta, ou 151 cadeiras, terá função primordial de decidir o futuro do país em relação à zona do euro. A última pesquisa, realizada em 31 de maio, apontou empate técnico entre a Syriza, do líder de esquerda Alexis Tsipras, e a ND, do xenófobo pró-austeridade Antonis Samaras. O Pasok aparece em terceiro lugar.
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A porcentagem de indecisos é de 9% e o resultado final está indefinido. As campanhas, acirradas e com episódios de agressão explícita entre candidatos, foi abastecida por líderes e representantes da troika, que trataram a votação como um referendo. Estaria em jogo, segundo eles, a permanência ou não da Grécia na zona do euro.
O país tem a 15ª maior economia do bloco, com um PIB na casa dos 300 bilhões de euros que está afundado em uma dívida de 460 bi. O Pasok e a Nova Democracia são os acusados de não só colocar a Grécia nessa situação, construindo a dívida com corrupção, nepotismo e descontrole, como de complicar ainda mais sua recuperação aderindo sem travas à cartilha da troika.
Mais de 500 mil gregos, em greve geral, foram às ruas de Atenas no dia 5 de maio 2010, data-símbolo no país para a indignação com as condições impostas para o resgate da economia. UE, Banco Central Europeu e FMI repassaram ao Estado grego 150 bilhões de euros desde que o governo garantisse aumento de impostos e cortes em todos os setores – incluindo aposentadorias – de pelo menos 15 bi.
Desde então, a economia grega não mostrou qualquer sinal de recuperação. O PIB do primeiro quadrimestre deste ano despencou 6,2% na comparação com o mesmo período de 2011. Mesmo assim, a troika condiciona um novo pacote de ajuda ao país, com a cifra de 173 bilhões de euros, ao resultado das urnas – mais especificamente, a uma derrota da coalizão de esquerda, a Syriza.
Narrativas de uma crise
Tsipras, líder da Syriza, quer renegociar com a inflexível troika as condições de austeridade do pacote e implantar na Grécia um plano de recuperação da economia. “No domingo (hoje), a Grécia vai mudar. Vai deixar para trás o medo e a insegurança e aqueles que tentaram envenenar o povo grego com medo e insegurança, o Sr. Samaras e Sr. Venizelos (líderes da Nova Democracia e Pasok, respectivamente)”, disse o dirigente em seu último comício.
Seu principal adversário e líder da direita, Samaras afirma que o voto grego irá escolher, em definitivo, se o país permanece na zona do euro ou retorna ao dracma. “Vamos sair dessa crise. Não vamos deixar o euro. Não vamos deixar que nos tirem da Europa”, disse em comício na praça Sintagma, centro de Atenas. “A primeira escolha que as pessoas precisam fazer é: euro ou dracma.”
As visões opostas sobre o futuro do país têm como pano de fundo a história recente da política grega. Em entrevista ao jornal francês Le Monde, o analista político Georges Sefertzis trata Tsipras, da Syriza, como “a única novidade” no país.
Segundo ele, a Grécia foi dominada por grupos familiares e “paternalistas” após o fim da ditadura, em 1974. Em seguida, surgiu uma falsa dicotomia de esquerda e direita de Pasok e Nova Democracia. “Aos poucos as diferenças ideológicas dos dois grupos deixaram de existir”, disse.
Samaras, da Nova Democracia, é de família tradicional de políticos. Sua linhagem carrega nos genes laços com os militares, afirma o Le Monde.
Os laços reforçam a patente falta de renovação nos quadros da política grega. “É a desvalorização completa, moral e ideológica que impede que gente série participe e renove da vida política grega. Os que se aventuram são marginalizados pelos grupos dominantes”, explicou o especialista.
Para analistas, o momento de extremos da Grécia torna a vitória da esquerda necessária também para prevenir uma ascensão sintomática da extrema-direita xenófoba. Os soluços nacionalistas, que chegaram a agressões físicas ao vivo na TV grega, são vistos como o resultado mais pernicioso da crise econômica que o país atravessa.
Depressão, suicídios e austeridade
A população grega, principal vítima da crise econômica, deu sinais de que o gravíssimo impasse político do país resulta em mortes que vão além dos lamentáveis e violentos confrontos entre manifestantes e polícia. Desde o início do ano foram relatados dezenas de episódios de depressão e suicídio, explicitamente ligados à crise e à perda de identidade grega.
O crescimento no número de casos foi impressionante, especialmente porque a Grécia tinha uma das menores taxas de suicídio da Europa. Em abril, ocorreu a emblemática autoimolação de Apóstolos Polyzonis, um empresário de 55 anos com 10 euros no bolso. Ele ateou fogo a si mesmo em frente a um banco em Tessalônica.
Ao mesmo tempo, a presidente do FMI, Christine Lagarde, ordenou em entrevista ao jornal britânico The Guardian que mesmo em meio à total falta de credibilidade de seus quadros políticos, os gregos paguem seus impostos. Houve um eco de indignação por todo o espectro político do globo. Jornais ao redor do mundo aproveitaram a deixa para expor que Lagarde não paga impostos sobre seu salário de quase 500 mil dólares anuais.
Mesmo entre casos de suicídios e autoimolação, acompanhados da ridicularização de Lagarde, líderes das principais economias da zona do euro continuam defendendo a cartilha da austeridade para a Grécia como única saída para a manutenção do país no bloco, que igualmente vive uma crise sem precedentes.
O recém-eleito presidente francês, François Hollande, do Partido Socialista, tem discursado contra a austeridade em seu solo, mas inverte a lógica quando aplicada à Grécia. “Eu preciso avisá-los, porque sou amigo da Grécia, de que se o país passar a impressão de querer distância dos comprometimentos e abandonar qualquer chance de resgate, haverá países na zona do euro que vão preferir acabar com a presença dos gregos no bloco”, afirmou.
“Se a Espanha (com bancos quebrados) pode ter financiamento sem condições, por que a Grécia não pode ficar na zona do euro sem um memorando desastroso?”, questiona Tsipras, líder da Syriza. Pela primeira vez, sua pergunta tem boas chances de ser respondida. Só depende da força das urnas.