O crescimento do crime organizado na América Latina é a principal razão para o aumento dos casos de violência contra jornalistas, afirmou o relator especial das Nações Unidas sobre liberdade de expressão, Frank La Rue.
“Há uma crise no mundo e um incremento de violência muito sério contra a imprensa. Há países que não estão em conflito armado, que são inclusive democráticos, onde há crises de violência”, comentou o relator.
Frank La Rue esteve no Brasil nesta semana para participar de encontros durante a Conferência Global de Jornalismo Investigativo, que terminou na terça-feira (15/10), no Rio de Janeiro.
Fabíola Ortiz/Opera Mundi
La Rue disse que grupos de jornalistas precisam demonstrar interesse para a implementação de plano de segurança da ONU
Ele conversou com a imprensa durante o Colóquio sobre medidas nacionais e internacionais para a proteção de profissionais de comunicação realizado na PUC-RJ e promovido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a UNESCO, o Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
Riscos
O jornalismo é tido como uma das profissões mais arriscadas no mundo. Apenas 10% dos crimes cometidos contra os profissionais de imprensa são, de fato, investigados e concluídos. Nos últimos dez anos, foram registrados 600 casos de violência.
“Fazer jornalismo, neste momento, volta a ser uma profissão de muita periculosidade no mundo”, indicou La Rue.
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Enquanto há países que vivem conflitos armados, como Síria, Afeganistão e até mesmo a Líbia, o que mais preocupa o relator das Nações Unidas são os casos em países supostamente democráticos. Estes têm registrado ondas de abusos contra a imprensa.
“Há países democráticos onde há crises de violência, como no norte do México, pelo narcotráfico, na cidade Juarez. Ou ainda na região da Chechênia, na Rússia; ou Honduras, depois do golpe de estado e ainda nas Filipinas. Países que não estão em conflito armado mas que têm lugares violentos. Aí é onde está o maior problema, porque não se esperava que houvesse este nível de violência”, admitiu.
Plano de segurança
A solução, na opinião de La Rue, está na criação de mecanismos nacionais tripartites de proteção aos jornalistas, que reúnam organismos de Estados, representantes da imprensa e da sociedade civil.
Até o momento, apenas quatro países da América Latina deram demonstrações que pretendem implantar em seus países o “Plano de Ação da ONU para a Segurança de Jornalistas e a Questão da Impunidade”.
Além do Brasil, Honduras, Colômbia e México já manifestaram o interesse de implementar políticas nacionais para a proteção dos profissionais. A Guatemala está ainda em processo de avaliação. “O convite é feito a todos os países, sem exclusão. A ideia é ver quais países aceitam criar seu mecanismo, mas é preciso haver grupos de jornalistas interessados”, comentou Frank La Rue.
No mundo, apenas Nepal, Iraque, Paquistão e Sudão do Sul já sinalizaram que pretendem implantar o plano que começou a ser elaborado em 2010, a pedido do IPDC (Conselho Intergovernamental do Programa Internacional para o Desenvolvimento da Comunicação). A partir de então, sob liderança da UNESCO, a ONU promoveu reuniões e consultas com a participação de Estados-Membros, organizações não governamentais, entidades de classe e representantes da sociedade civil.
Em setembro de 2011, foram formuladas ações orientadas para garantir a segurança dos jornalistas e lidar com a questão da impunidade. O documento foi aprovado pelo Quadro de Coordenação para Chefes Executivos da ONU em abril de 2012. Já em novembro do ano passado, uma reunião da ONU que reuniu mais de 40 ONGs, em Viena, apontou cem áreas de trabalho das Nações Unidas e grupos da sociedade civil para garantir a segurança dos jornalistas.
O plano de segurança da ONU inclui medidas legais como eliminar a ameaça de prisão de um jornalista por exercer a profissão, erradicar a impunidade e investigar os casos de violência, além de treinar agentes de segurança, polícia e juízes sobre como tratar a imprensa, e ainda respeitar a confidencialidade das fontes.
“Pouco se investigam os casos de violência contra a imprensa. Esta é uma profissão perigosa e é vista como se fosse inevitável. Assume-se que é natural a violência contra o jornalista. Privacidade e liberdade de expressão e de imprensa vão juntar. Sem isso, é impossível fazer um jornalismo livre. E isso está sendo duramente violentado”, afirmou o relator durante o Colóquio.
Frank La Rue destacou ainda a necessidade de se promover maior cooperação entre os países na segurança da imprensa.
“Estamos compartilhando experiências e boas práticas de proteção. A Colômbia teve uma experiência que funcionou. Começou na década de 90 com os defensores de direitos humanos e depois foi ampliado para jornalistas e líderes sociais”, comentou.
Segundo o plano da ONU, um jornalista é morto por semana no mundo “simplesmente” por fazer seu trabalho. “Os ataques vão desde invasão de computadores até assassinatos, passando por assédio, intimidações, sequestros e detenções ilegais. Muitas vezes, suas famílias também são postas em risco”, informou o site do plano.