Pela primeira vez, o México tem entre as principais forças políticas em disputa pela Presidência representadas por mulheres: Cláudia Sheinbaum, do partido governista Movimento de Regeneração Nacional (Morena), e Xóchitl Gálvez, candidata da coalizão Força e Coração.
Faltam menos de uma semana para a próxima eleição presidencial no país e, segundo as pesquisas, o atual presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO, como é conhecido) deve eleger sua sucessora com cerca de 53% dos votos pela coalizão Continuar Fazendo História.
De acordo com a doutora em ciências sociais Cristina Cavalcante, especialista em progressismo latino-americano, parte do êxito do governo AMLO foram justamente as políticas de maior distribuição de renda e garantia de bem-estar social prometidos em campanha, em 2018 – o que incluiu, também, a redução de instituições e de orçamento para determinadas áreas. “Há muitas críticas com relação a isso porque é um processo típico do neoliberalismo”, comentou Cavalcante a Opera Mundi.
“A estratégia do AMLO foi: ‘cheguei em um Estado falido, onde o dinheiro público escorre por muitas vias e a corrupção é um mal que nunca foi combatido ou minimamente controlado; então, o que eu tenho que fazer é reduzir para ter mais controle sobre esse recurso e mandar para outras áreas'”, disse.
A quarta transformação de AMLO
As obras e os programas sociais foram uma marca do governo AMLO, além de uma busca por aproximar a política da população através das conferências matinais que o presidente concede diariamente. Em uma análise com a história recente do progressismo na região, Cavalcante faz um comparativo com o caso do Brasil: “o PT [Partido dos Trabalhadores] tinha um projeto político econômico de nação muito bem pensado dentro das suas contradições e dos seus objetivos, mas não construiu isso político-ideologicamente. O AMLO conseguiu fazer isso. O movimento obradorista não necessariamente é morenista – e isso é um ponto interessante, porque a gente tem uma base social que tem muitas críticas ao partido, mas que é muito fiel ao Obrador”, destacou a especialista.
Portanto, como ressalta a socióloga, mais do que a reeleição do Morena, a candidatura de Sheinbaum representa a construção do segundo piso da quarta transformação.
A quarta transformação é como o próprio presidente costuma referir-se ao legado que busca deixar com seu mandato, em relação a outros três marcos históricos no país: a guerra da independência; a reforma promovida pelo presidente Benito Juárez que separava Igreja e Estado; e, finalmente, a Revolução Mexicana, contra a ditadura de Porfirio Díaz.
Na semana passada, Sheinbaum esteve presente em um ato de campanha na praça de Benito Juárez, na Cidade do México. A candidata ficou no palco ao lado das candidatas do Morena pelo governo da capital, Clara Brugada, e pela prefeitura de Benito Juárez, Leticia Varela.
Enquanto isso, as lágrimas de Clotilde Rodríguez, aposentada e professora de enfermagem aos 70 anos, foram espontâneas ao relatar a felicidade de seus alunos em receber as bolsas de estudo outorgadas pelo governo AMLO.
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Candidata governista, Claudia Sheinbaum lidera pesquisas de intenção de votos no México
“Dá muito gosto ver que os jovens recebendo as bolsas, até compram seus celulares. Juntam seu dinheirinho. Alguns se tornaram empreendedores”, afirmou Rodríguez. A Opera Mundi contou que, em contraste, em 2018, notava uma apatia nos jovens com relação à política, algo que parece ter sido, em parte, superado. “Sou avó de jovens de mais de 20 anos e já estão com seus títulos de eleitor para votar. Nas universidades fazem reuniões, diálogos. Fizeram um simulacro e as nossas candidatas ganharam”, comentou.
No México, a votação não é obrigatória.
Para ela, a transformação está no dia a dia dos cidadãos mexicanos. “O que o AMLO fez em seis anos e ainda não pôde mudar a situação do país, dos jovens, a questão da insegurança. Se entram nossas candidatas, teremos outro pouquinho de melhora”.
O legado do Morena
Sergio Gómez é um eleitor mexicano que historicamente tem afinidade com o direitista Partido Revolucionário Institucional (PRI). Reconhece, no entanto, que o governo Morena trouxe certa estabilidade para o México – ainda que não guarde suas críticas ao governo de AMLO. “O país tem uma séria crise econômica porque se gastou muito dinheiro em obras faraônicas. E a única que deveria realmente ter feito é o trem interoceânico, que conecta o Pacífico com o Golfo [do México]”, opinou, referindo-se à reativação do corredor ferroviário, desativado definitivamente com a abertura do Canal de Panamá, em 1914. A previsão de entrega da obra completa é julho deste ano.
“O presidente preferiu fazer o aeroporto e o Trem Maia, que nem está terminado. E tudo isso vai custando dinheiro”, afirmou.
Antropólogo social e consultor do Instituto Nacional Eleitoral, Joel Trujillo Pérez destacou que as políticas sociais impulsadas por AMLO são parte do que, posteriormente, provocaram a mudança capaz de consolidar o movimento político no país.
“A terceira opção [o Morena] ascende como outsider, como aconteceu com Donald Trump nos Estados Unidos a partir de uma decepção com os partidos tradicionais. Essa opção tinha um discurso clareamento mais próximo à população, mais próximo inclusive físico, além dos programas sociais, ligados diretamente às necessidades das pessoas. Junto a isso, AMLO utiliza uma linguagem menos técnica em relação às das grandes esferas polícias, o que ele soube identificar muito bem. Ele chega com uma tentativa de estado de bem-estar que as pessoas imediatamente apoiaram diante da existência desses dois partidos prévios [PRI e PAN]”, pontuou o antropólogo a Opera Mundi.
A candidata da direita
Gálvez desponta em segundo lugar como preferida pelo eleitorado mexicano com cerca de 31% das intenções de voto. Sem filiação partidária, Xóchitl é candidata pela oposição que reúne três partidos em uma até então inimaginável coalizão Força e Coração entre os tradicionais de direita Partido Revolucionário Institucional (PRI) e Partido Ação Nacional (PAN) – que costumam ser mimetizados na sigla PRIAN – e o Partido da Revolução Democrática (PRD), tradicionalmente de esquerda.
Entre as principais propostas de Xóchitl estão o tema segurança e as políticas para as mulheres. Zero tolerância à violência contra meninas e mulheres e um cartão com três mil pesos (R$ 925) mensais para mulheres em situação de vulnerabilidade estão entre as principais políticas voltadas da plataforma eleitoral de Força e Coração.
“Morena vai embora, ficam os programas sociais” é um dos lemas da coalizão opositora, com foco nos programas sociais que, ao contrário, seriam ampliados.
A base da discussão política, vista nos três debates presidenciais televisionados, parte de alguns direitos conquistados para a população mexicana que se reflete em falas com as de Clotilde Rodríguez, no ato de Benito Juárez: o sexênio do governo Morena, ainda que imerso em contradições – como a alteração de dados oficiais sobre os homicídios, por exemplo, e a postura em relação à covid-19 do governo durante a pandemia –, outorgou alguns benefícios aos quais a população mexicana pôde reconhecer em contraste à sua histórica ausência.