Quase duas semanas após a onda de atentados em Paris que fizeram 17 vítimas – além dos acusados pelos atentados à Charlie Hebdo, mortos pela policia – o governo francês está prestes a revisar toda a política nacional de segurança, com a implantação de medidas “excepcionais” na luta contra o terrorismo. É o que adiantou o primeiro ministro francês Manuel Valls, num discurso, muito aplaudido, inclusive pelos deputados da oposição, na Assembleia Nacional, na quarta-feira passada (14/01).
Além da mobilização de 15 mil soldados nas chamadas “regiões sensíveis”, as futuras medidas de segurança darão ênfase especial à internet e às redes sociais. Será criado um arquivo nacional de condenados por terrorismo e grupos de combate, e ampliado um programa piloto nas prisões onde serão agrupados os detentos considerados como “radicais”. As reticências contra algumas medidas cogitadas antes, mas não implementadas porque eram vistas como ataques às liberdades pessoais, acabaram. Por exemplo, o polêmico registro de dados de passageiros de companhias aéreas, “PNR” (passenger name record, em inglês), travado na burocracia do trâmite parlamentar europeu, passará a funcionar na França a partir de setembro. “Se tivermos que restringir a liberdade individual de alguns, seremos obrigados a fazê-lo”, resumiu o presidente do grupo parlamentar da União por um Movimento Popular (UMP), Christian Jacob, principal partido da oposição.
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Claude Tarlet, presidente da USP: setor quer participar da “batalha contra terrorismo”
Os atentados aparecem também para as empresas do setor da segurança como uma oportunidade importante para sensibilizar a população aos riscos e a necessidade da prevenção. “Os franceses são, por natureza, resistentes a todas as formas de autoridade e de restrição”, explica Claude Tarlet, presidente da USP (a união das empresas privadas de segurança), em entrevista a Opera Mundi. Isso faz do público francês um mercado mais difícil para conquistar. Ele ressalta, porém, que sentiu uma diferença durante as gigantescas mobilizações que tomaram conta do país durante o final de semana que seguiu os atentados, com milhões de pessoas manifestando. “Elas começaram a expressar gratidão e emoção para aqueles que colocam as em risco suas vidas diariamente para garantir a segurança, eu mesmo vi várias pessoas agradecendo os policiais que estavam na manifestação”, conta.
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O setor da segurança privada movimenta € 6 bilhões por ano, empregando 170 mil pessoas, um terço a mais do que a policia nacional. Os números não param de crescer, uma vez que o setor privado está, pouco a pouco, tomando o lugar da segurança pública. Estádios, salas de concerto, e até prédios oficiais passaram a ser vigiados por seguranças privados, no lugar dos bombeiros e policiais de antes.
“Não queremos aproveitar dos atentados, mas acho que é mesmo o momento de fazer evoluir nossa política de prevenção em relação ao terrorismo, e queremos participar desta batalha”, diz Tarlet. Ele conta que o setor recebeu muitas chamadas de clientes preocupados pela segurança de seus funcionários. “Os atentados criaram um movimento de angústia sem precedente”, ressalta. As empresas tiveram que desenvolver todo um trabalho para “ouvir e tranquilizar” os clientes.
“Mas, em alguns casos mais expostos, como escolas, shoppings, aeroportos, estações de trem, tivemos que reforçar os procedimentos em termos de controle, de acesso e de vigilância”, continua. Para Tarlet, os franceses estão tomando consciência dos novos riscos. “Desde o dia 11 de setembro de 2001, o nosso país enfrenta, como muitos outros, uma ameaça mais difusa. Ele se tornou uma vítima do terrorismo islâmico”, conclui.
Agência Efe
Polícia francesa vigia fachada da Grande Mesquita de Paris; segurança privada projeta crescimento após atentado
A comparação entre o ataque contra a revista satírica Charlie Hebdo e o atentado que derrubou as torres do World Trade Center em Nova York em 2001 é permanente, apesar de ser denunciada como indecente por muito analistas, que lembram a morte de mais de 3.000 pessoas nos EUA. Até o jornal Le Monde colocou na capa, um dia após a morte dos cartunistas e vários membros da redação, o título “Le 11 septembre français” (o 11 de setembro francês). “Isso pode levar a reações desproporcionadas, e perigosas”, avalia o jurista Jean-Pierre Dubois, presidente de honra da Liga internacional dos direitos humanos, numa entrevista publicada pelo site Rue 89.
“Não podemos esquecer que o 11 de setembro provocou a adoção do “Patriot Act” nos Estados Unidos, e tudo o que isso significa em termos de restrições de liberdades civis e de redução das exigências democráticas”, segue o jurista. Segundo ele, o fato de dar mais poderes à policia e aos agentes privados de segurança não resolve nada. Ele lembra que, em Madri, os atentados de 2004 mataram 200 pessoas e deixaram 1.400 feridos. Apesar disso, os que andam nas ruas da capital espanhola cruzam com menos policias do que em Paris até mesmo antes dos atentados. “Não foi a resposta escolhida pelos espanhóis. A histeria da segurança não protege”, conclui.