O Senado aprovou no final da tarde de hoje (7) o acordo entre Brasil e Vaticano, que cria o novo estatuto da Igreja Católica no país e reforça o ensino religioso facultativo nas escolas públicas. A votação foi simbólica, feita por meio de aclamação, e solicitada em caráter de urgência.
O texto tem 20 artigos e consolida na lei condutas e procedimentos já adotados pela Igreja Católica no país, como o casamento, o ensino religioso nas escolas e a imunidade tributária, concedendo segurança jurídica a esses atos ou situações.
A aprovação do pacto o foi cercada de polêmica, já que, além do comprometimento em manter a educação religiosa facultativa nas escolas públicas, ele também prevê isenção tributária a órgãos da Igreja que exerçam atividades filantrópicas. Em agosto, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) qualificou o acordo como “grave retrocesso ao exercício das liberdades” e disse que sua aprovação comprometeria a laicidade do Estado.
Votação
A votação no plenário ocorreu poucas horas depois de a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) aprovar o pacto. Foram 11 votos favoráveis e uma abstenção do senador Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC). Antes da votação, ele havia pedido vistas do projeto, mas o presidente da CRE, Eduardo Azeredo, decidiu fixar em apenas duas horas o período para vista, afirmando que já tiveram tempo suficiente para verificações. Mesquita Júnior explicou que não pôde analisar todos os aspectos do acordo por conta do ritmo de trabalho da casa.
Em entrevista ao Opera Mundi, Mesquita Júnior conta que tem sido procurado pela população, pedindo que ele votasse contra o projeto. Os argumentos do senador são de que Brasil é um Estado laico, e que o Vaticano, apesar de ser reconhecido como Estado, representa uma corrente religiosa.
“Isso significa atribuir um segmento jurídico diferenciado, o que pode levar a uma situação indesejada. Como vamos resolver o problema das outras religiões que vão se sentir no mesmo direito? A humanidade já viveu essa experiência e foi reprovada”, disse.
Já o senador Marco Maciel (DEM-PE) foi um dos maiores incentivadores da aprovação no Senado. Ele defendeu a história da Igreja Católica e a necessidade do acordo. “O Vaticano já é um Estado como outro qualquer e inclusive já faz parte da ONU [Organização das Nações Unidas]”, disse Maciel.
O projeto tramita desde o final de 2008 quando foi encaminhado para o Congresso e aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 27 de agosto de 2009 e seguiu para o Senado.
Polêmica
Desde que o acordo foi assinado entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Papa Bento XVI, em 13 de novembro de 2008, tornou-se motivo de polêmica. A oposição, principalmente o PSOL e o PPS, acusa o governo de privilegiar os católicos e ferir a condição do Brasil de país laico.
Inicialmente, o projeto foi criticado por alguns setores da sociedade, como a Associação dos Magistrados Brasileiros e a Ordem dos Advogados do Brasil e, principalmente, pela bancada evangélica no Congresso. Para que fosse aprovado na Câmara, houve negociação entre os parlamentares, e, por isso, o texto foi modificado para tentar estender os privilégios às demais religiões. Desde então, o projeto recebeu o nome de Lei Geral das Religiões.
Em tese, a Lei Geral das Religiões vai assegurar benefícios tanto para a Igreja Católica como para qualquer outra religião, como a proteção ao patrimônio e aos locais de culto, aos símbolos, imagens e objetos culturais; assegurando também assistência espiritual aos fiéis internados em estabelecimentos de saúde, assistência social e educação; imunidade tributária e garante o ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental.
Ensino religioso
Para o constitucionalista Pedro Estavam Serrano, a manutenção do ensino religioso é compatível com a Constituição e, por si só, não ameaça o princípio do Estado laico. “O ensino religioso é possível na ordem constitucional, porque a religião é uma dimensão da cultura humana, mas desde que não seja voltado para uma religião específica”.
Apesar de estar presente no tratado bilateral, a menção ao ensino religioso não deixa claro se haveria preferência à doutrina católica. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação já prevê a educação religiosa opcional, mas a regulamentação da disciplina fica a cargo de cada Estado ou município. “Se houver privilégio ao ensino da doutrina católica, isso é inconstitucional”, observa Serrano.
Ele adverte, no entanto, que não pode haver preconceito na discussão sobre a relação entre Estado e religião. “O Estado laico não significa a ausência do reconhecimento da religião enquanto fenômeno cultural a ser protegido. A nossa Constituição determina que os bens culturais devem ser protegidos, e dentre eles está a religião”.
Serrano, professor de direito constitucional da PUC-SP, acredita, porém, que as diretrizes do ensino religioso poderiam ser melhor definidas. “Deveria ser obrigatório que o ensino da religião se faça de forma genérica e não a partir dos conceitos e valores de uma crença religiosa específica. Uma cadeira genérica que trate da religião como um todo, com um caráter histórico do vínculo das pessoas e da comunidade com as crenças. Ensinar as religiões, e não a religião”.
Casamento
O artigo 12 do acordo estabelece que o casamento religioso que atender também às exigências estabelecidas pela lei passará a equivaler à união civil, desde que devidamente registrado. O acordo estabelece ainda imunidade tributária às pessoas jurídicas eclesiásticas, assim como ao patrimônio, renda e serviços relacionados com suas “finalidades essenciais”.
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