Por 6 a 5, STF derruba prisão em 2ª instância e Lula deve ser solto O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, manteve seu entendimento prévio e votou contra a prisão após condenação em segunda instância e garantiu uma maioria em favor das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) nº 43, 44 e 54.
Essa decisão deve beneficiar o ex-presidente Lula, preso em Curitiba sem ter seu processo transitado em julgado. “Nós estamos julgando um caso abstrato”, alertou Toffoli logo no início de seu voto. “O que eu vou analisar é se esse dispositivo [o artigo 283 do Código de Processo Penal] é compatível com a Constituição ou não”, acrescentou.
“Ante o exposto, voto pela procedência das ADCs, com o relator”, finalizou. O artigo diz o seguinte: “Ninguém poderá ser preso se não em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
O ministro baseou seu voto em uma interpretação feita pelo Parlamento sobre o artigo, alterado em 2011 por meio da Lei 12.403/2011. Toffoli jogou para o Legislativo a responsabilidade de uma possível liberação de prisão após condenação em segunda instância e disse que caberia aos parlamentares alterar o CPP, caso seja o entendimento. “A opção legislativa não se confunde com a presunção da inocência”, disse ainda.
Os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska T. Martins, que defendem Lula, divulgaram nota afirmando que o julgamento das ADCs concluído hoje “reforça que o ex-presidente Lula está preso há 579 dias injustamente e de forma incompatível com a lei (CPP, art. 283) e com a Constituição da República (CF/88, art. 5º, LVII), como sempre dissemos”.
Os advogados devem se reunir com Lula nesta sexta-feira e, em seguida, levarão ao juízo da execução um pedido “para que haja sua imediata soltura com base no resultado desse julgamento do STF”. Além disso, irão reiteram o pedido para que a Suprema Corte “julgue os habeas corpus que objetivam a declaração da nulidade de todo o processo que o levou à prisão em virtude da suspeição do ex-juiz Sergio Moro e dos procuradores da Lava Jato, dentre inúmeras outras ilegalidades”.
Finalizando a nota, Zanin e Martins reafirmaram que “Lula não praticou qualquer ato ilícito e é vítima de lawfare, que, no caso do ex-presidente, consiste no uso estratégico do Direito para fins de perseguição política.
A maioria
Toffoli, ao acompanhar o relator Marco Aurélio Mello, o presidente da Corte se juntou a Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello, formando uma maioria em favor da inconstitucionalidade da execução provisória da pena antes de processo transitado em julgado. Os outros cinco ministros – Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia – divergiram.
O voto de Toffoli era um dos mais esperados. Apesar haver previamente votado contra a prisão em segunda instância, o presidente da Corte sofria grande pressão do governo Bolsonaro e de seus aliados. A posição de Rosa Weber também era aguardada. Ela já votara contra a prisão em segunda instância, mas, em 2018, votou contra um habeas corpus demandado pelos advogados de Lula.
“Não é dado ao intérprete ler o preceito constitucional pela metade, como se tivesse apenas o princípio genérico da presunção da inocência, ignorando a regra que nele se contém – até o trânsito em julgado”, disse a ministra durante o julgamento das ADCs. O ex-presidente é um dos prováveis beneficiários desta decisão, tendo em vista que o processo do triplex do Guarujá não transitou em julgado. Lula foi condenado pelo ex-juiz federal Sérgio Moro, em julho de 2017 e foi preso em abril de 2018 após o TRF-4 chancelar a decisão de Moro. Apesar de ter passado pela 5ª turma do STJ, o processo ainda não foi finalizado e a defesa ainda pode recorrer.
Vaza Jato
A série de reportagens do Vaza Jato, publicadas pelo The Intercept Brasil em parceria com uma série de veículos jornalísticos, foi citada no julgamento. O ministro Gilmar Mendes leu trechos das matérias do veículo, em crítica explícita à operação Lava Jato e ao Ministério Público. O relator Em voto proferido no dia 23 de outubro, o ministro Marco Aurélio Mello acatou os questionamentos levantados pelas ações e afirmou que a Constituição garante a presunção da inocência.
“A Constituição de 1988 consagrou a excepcionalidade da custódia no sistema penal brasileiro, sobretudo no tocante à supressão da liberdade anterior ao trânsito em julgado da decisão condenatória”, disse. “O pressuposto da execução provisória é a possibilidade de retorno ao estágio anterior, mas quem vai devolver a liberdade ao cidadão?”, completou.
Foto: Ricardo Stuckert
Valeska T. Martins e Cristiano Zanin Martins, advogados de Lula
Início do julgamento O julgamento começou no dia 17 de outubro com falas dos advogados do Patriota, da OAB e do PCdoB – responsáveis pelas três ações. Pelo PCdoB,na ADC 54, falou o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que criticou o sistema prisional brasileiro e ainda disse que a condenação após “trânsito em julgado” não foi escolhida por acaso.
“Ela tem uma lógica sistêmica, ela tem uma lógica axiológica. A lógica é que esta Constituição Cidadã garante acima de tudo e de todos a dignidade da pessoa humana e a liberdade. Por isso que se assegura que a restrição a esses valores só podem ser dados quando a certeza jurídica alcança o seu grau máximo”, declarou. “Foi essa a Constituição que juramos defender. Há que se respeitar”, disse ainda.