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Os turistas que passam ao lado de um pequeno conjunto de prédios residenciais amarelos, com apenas três andares de altura, ao lado do campo de futebol Santiago Bernabeu, não imaginam que, além dos inquilinos, o local também abriga um dos poucos grupos que defendem abertamente o antigo ditador espanhol Francisco Franco.
Rafael Duque/Opera Mundi
A Fundação Nacional Francisco Franco (FNFF) ocupa uma residência ampla no segundo andar do número 11 da Avenida Concha Espina, em Madri, capital da Espanha.
[Franco e a filha, atual presidenta da fundação]
O imóvel pertence à filha de Franco, Carmen Franco Polo, e está dividido em escritórios e salas de reunião, além de dois cômodos que guardam o arquivo histórico preservado pela entidade.
O arquivo foi o motivo pelo qual a fundação recebeu subvenções de mais de 146 mil euros entre os anos de 2000 e 2004, durante o governo do presidente José María Aznar (PP).
A fundação se diz apartidária e sobrevive das doações dos mais de 30 mil sócios, além da contribuição de seus patronos. Segundo seus membros, a entidade se encarrega de defender a imagem e o legado do “caudilho da Espanha” e para isso, promove atividades como palestras, jantares e outros eventos.
Depois da criação e digitalização de seu arquivo, o próximo grande projeto da entidade é a criação de um museu sobre Franco, com o “rigor histórico” que os meios de comunicação não defendem.
Em uma tarde fria de outubro, Opera Mundi entrevistou o vice-presidente executivo da FNFF, o advogado Jaime Alonso. Entre outros assuntos, Alonso criticou abertamente o ex-juiz Baltasar Garzón, as associações de vítimas do franquismo e a Justiça argentina, por ter acolhido a denúncia de familiares de vítimas da guerra civil espanhola e do regime de Franco.
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Opera Mundi: Na apresentação da fundação, no site, vocês dizem que defendem a verdade de Francisco Franco em duas frentes: o personagem histórico e seu legado. Qual é o legado que Franco deixou para a Espanha?
Jaime Alonso: É tão impressionante que é muito difícil resumir em uma entrevista. A Espanha, quando Franco assume, era um país arruinado depois de uma guerra civil de três anos e de um atraso de 200, em todos os sentidos. Era um país não industrializado, com quase 40% de analfabetos. Não havia tido uma reforma social em nenhum sentido, por isso era muito agrária. A Espanha ocupava os últimos lugares na Europa e no mundo em renda per capita. Quando ele termina a guerra civil, ou melhor, antes de terminá-la , em 1938, em plena contenda, já promulga o Foro do Trabalho. Trata-se da lei mais revolucionária que existiu na história da Espanha. O que faz o Foro do Trabalho? Pois reconhecer o homem como o portador de valores eternos, o convertendo no eixo do sistema. Fazendo com que toda a produção fosse revertida a ele, ao trabalho que proporciona, lhe dando garantia e cobertura ao esforço e ao trabalho, dignificando essa condição em virtude de um salário de acordo com esforço, sacrifício e conhecimentos, transformando o capital em um freio para que não abusasse dessa condição de trabalhador e estabelecendo a paridade entre o trabalho como capital e o trabalho como esforço humano.
Essa síntese foi tão impressionante que, em somente 36, 37 anos, transformou a Espanha na nona potencia industrial do mundo. É uma realidade inquestionável, nem mesmo pelos da Memória Histórica. Muito menos podem negar que foi criada a previdência social, o subsídio aos idosos, as férias remuneradas, a saúde pública, todos os patrocínios e tudo do que vive hoje a sociedade, os seguros privados. Foi uma obra simplesmente impressionante, inigualável. Em menos tempo, nunca ninguém havia feito mais.
Além disso, houve uma democracia orgânica, uma representação do povo no parlamento, à margem dos partidos políticos. O que o Franco fez foi ser coerente com ele mesmo e com a sociedade. A análise política é que os problemas da Espanha estavam na partidocracia, estava na divisão interna dos partidos políticos e no separatismo. Então, o que ele fez foi frear esta tendência nacional, impedindo os partidos e criando outras vias de representação política. Não é verdade que um senhor mandava e o resto obedecia. De fato, todos os ministros eram os melhores em suas distintas profissões. Ou seja, Franco fez uma meritocracia, em respeito à democracia populista e mentirosa que havia existido até então. Aí está a causa do seu desenvolvimento e, acima de tudo, o que o povo espanhol demandava.
OM: A ONU aponta que a Espanha é o segundo país com mais desaparecidos no mundo, atrás somente do Camboja. A maioria dos casos ocorreu na época da guerra civil e do regime de Franco. Vocês acreditam que isso também faz parte do legado dele?
JA: Isso é uma piada, pois não se pode levar a sério os que estão fomentando a Lei da Memória Histórica há 10 anos. Eles estão criando uma ficção onde não há nada mais que os desaparecidos lógicos de qualquer conflito civil. A esquerda não suporta ter perdido a guerra. Também não suporta os anos de Franco enquanto eles estavam de férias no exílio, depois de terem gato todo o dinheiro do povo espanhol. Eles são, evidentemente, os que levaram o ouro. A Espanha era a quarta potência econômica em reservas de ouro e prata e eles deram tudo de presente a Stálin.
Rafael Duque/Opera Mundi
Alonso: exumações em busca de desaparecidos no regime franquista “querem reabrir o ódio e as velhas feridas”
Eles levaram o Vita [barco que levou quantidades não comprovadas de ouro para financiar a oposição franquista no exterior no final da guerra] para o México enquanto o povo espanhol tinha que sofrer e seguir em frente, passando a penúria não só da guerra civil, mas também da Segunda Guerra Mundial. O quê acontece? Quarenta anos depois, pretendem se vingar de Franco pelos próprios crimes e endossar os próprios crimes que eles cometeram. Entre a esquerda, eles se matavam pelas divisões, […] entre o Partido Comunista e os anarquistas, por exemplo. Depois, entre os anarquistas e os republicanos. Os separatistas também lutavam entre si. O PNV (Partido Nacional Basco) jogava igual contra Franco e Hitler.
Definitivamente, tudo tem que ser analisado com o rigor que corresponde. Desaparecidos há muito poucos e podem ser os desaparecidos normais nos primeiros meses de conflito. Pode ter ocorrido todo tipo de desmandos na zona chamada nacional [controlada pelas forças sublevadas], mas depois ninguém que não tivesse passado por um processo judicial foi condenado à morte. Portanto, esses desaparecidos, já lhe adianto, são uma autêntica ficção. Estes desaparecidos estão todos, provavelmente, “aparecidos”, com os crimes que cometeram. Porque eles foram julgados.
Por exemplo, em Guernica, houve no máximo 134 mortos no bombardeio e historiadores dizem 1,6 mil, outros 3,5 mil. Portanto, usam a ONU ou a ONU deixa ser usada para condenar não só Franco e o franquismo, mas algo mais. Franco, nessa disputa, não pode se defender, como aqueles que o defendem. É simplesmente um abuso usado para que o povo espanhol permaneça na ignorância do que ocorreu e a democracia se venda como uma nova religião.
OM: Como você vê as iniciativas populares para a criação de uma Comissão da Verdade na Espanha?
JA: É algo subvencionado pelo poder. Essas exumações querem reabrir o ódio e as velhas feridas. Os políticos que não têm futuro e não creem no futuro seguem as mesmas práticas e as mesmas técnicas dos séculos XIX e XX na Europa e no mundo. Eles acreditam que isto é um ativo importante. O ódio, depois do amor, você já sabe, é a força mais importante que rege o mundo.
OM: Mas você não pensa que, independente da opção política, é necessário abrir as valas e identificar as pessoas?
JA: Mas isso nunca poderia ser utilizado politicamente. Em apenas três anos de guerra civil, a esquerda matou 118 mil pessoas, que tinham nome e sobrenome. Eles estão em um arquivo, em Valladolid, na Igreja da Merced [na verdade, os documentos com nomes das vítimas do grupo nacional da guerra civil estão no Santuário Nacional da Grande Promessa e cita nominalmente 113.178 mortos, segundo contas não comprovadas de integrantes da Igreja Católica]. E ninguém reivindica agora [as mortes] dos 522 mártires [religiosos mortos na guerra civil e beatificados pela Igreja Católica em outubro deste ano]. Mataram oito mil sacerdotes e 18 bispos. São mártires e morreram em uma contenda civil. Isso não é usado politicamente para desprestigiar ou para condenar uma facção em relação à outra.
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Tudo isso aconteceu há muitos anos, como o levantamento contra Napoleão em 1808. E também houve muitos mortos. Cada país tem a sua própria história, mas esta não se repete 80 anos depois, nem 90. Nem se proíbe uma parte de contar a história e a outra, digamos, de considerá-la como a verdadeira. Aqui não há nem bons nem maus. Eu não nego que há pessoas que têm um avô ou um parente e que querem saber onde estão enterrados e de qual maneira. Mas isso é um processo civil, administrativo, não político. E menos ainda [deve-se] subvencioná-lo.
Se alguém tem interesse, é muito simples ir ao registro e solicitar ao juiz correspondente a autorização e que procurem e analisem. Não da forma como há 30 anos estão procurando o corpo do [poeta Federico] García Lorca, com o intuito de dar maior publicidade por sua notoriedade literária e poética. Entretanto, a própria família não quer. Querem que haja paz sobre os mortos e que não se utilize os falecidos. Todos os mortos são dignos do máximo respeito e, digamos, da máxima valorização.
OM: O quê você pensa da querela de vítimas de torturas durante o regime de Franco apresentada na Argentina?
JA: É próprio de um país bananeiro, que não resolve os próprios problemas e pretende extrapolar urbi et orbi [expressão do latim que significa, originalmente, à cidade de Roma e ao mundo inteiro]. Trata-se da manipulação de um juiz perverso em conivência com uma presidenta de governo terceiro-mundista, que encontram uma juíza aposentada capaz de cometer a aberração jurídica de ignorar a soberania de nações e condenar por delitos inexistentes três ex-ministros de Franco, que estão vivos. É uma aberração em qualquer lugar que se intitule democrático e respeitoso com os direitos humanos e com a lei.
OM: Você acha que é uma ironia o fato de que antes a Espanha julgava o ditador Augusto Pinochet e os crimes da ditadura argentina e agora a Argentina começa a julgar estes crimes na Espanha?
JA: Não é uma réplica, porque não era a Espanha [que julgava]. Era um juiz determinado que acabou sendo afastado por prevaricação. Sua missão na Justiça era fazer a justiça que lhe era conveniente. Não era a justiça que emanava da lei, nem da interpretação correta desta mesma lei. Por isso, tinha sua toga, mas não representava a Justiça da Espanha. No processo do Pinochet, o fiscal se opôs ao processo. E a ditadura argentina era um problema da Argentina e dos argentinos, não da Espanha, ainda que houvesse espanhóis presentes. […] É um problema territorial.
OM: O Juiz que você acaba de citar é o juiz Baltasar Garzón, certo?
JA: Sim.
Rafael Duque/Opera Mundi
Dois cômodos guardam o arquivo histórico preservado pela Fundação Franco, em Madri
OM: Você acha que a suspensão foi justa?
JA: Ela deveria ter ocorrido há 30 anos. [Garzón] era um político metido a juiz, sectário. A última razão da política é dominar a Justiça e convertê-la em um funcionário de seus interesses. Para que […] a democracia morra, os juízes têm que estar inscritos a uma determinada ideologia e assim se quebra o princípio de igualdade perante a lei e o princípio de não-discriminação por raça, religião e crença política. Garzón foi assim durante toda sua vida, o que é ofensivo. Ele não pretendia apenas julgar a história, mas também sem provas e, sabendo que uma pessoa havia falecido, pretendia culpá-la de um delito para logo absolvê-la porque não podia condená-la. Isto é absolutamente perverso e denota a intenção política e não jurídica do personagem.
OM: Você acha que os sucessivos governos espanhóis, desde a volta à democracia, respeitaram a figura de Franco?
JA: De forma alguma.
OM: Não?
JA: Aqueles que devem tudo a Franco, desde o Chefe do Estado, não apenas não o respeitaram como também fizeram todo o contrário. Tentaram, de todas as formas, desprestigiar sua figura. Claro que, 38 anos depois, é mais fácil analisar o porquê: para evitar essa comparação que agora se produz, entre o povo espanhol, de dizer que estamos na ruína. Os gibraltarinos riem de nós, os catalães querem se separar da Espanha, depois de dois mil anos, e ainda inventam sua história. O espanhol, idioma universal, e provavelmente o segundo idioma do mundo, é proibido na Catalunha. Isso no Brasil não seria compreendido, nem em qualquer outro país com certa sensatez e lógica.
Quem pode entender que a Espanha foi dividida em 17 nacionalidades? Não é um Estado federal, isto é muito mais que um Estado federal. É um Estado que quer ser decomposto, se destruir. Não modificaram a Constituição em aspectos essenciais, como a modificação da Lei Eleitoral, que é o que permite que um governo nacional dependa da periferia, dependa dos que querem destruir a nação. Algo tão elementar não foi feito. Você ou qualquer membro, jurista ou não, ou jornalista de qualquer parte do mundo, diria que a sociedade vai se suicidar.
A reportagem de Opera Mundi entrou em contato com Baltasar Garzón e ofereceu um espaço de resposta caso o ex-juiz quisesse se defender das acusações do vice-presidente da FNFF. Entretanto, por meio da assessoria de comunicação de sua fundação, Garzón afirmou que prefere não se manifestar.