Em 17 de agosto, dezenas de comunidades Mapuches no sul do Chile se uniram para formar a Aliança Mapuche Territorial e continuar a luta pela autonomia política. Muitos deles tinham realizado protestos com mais revolta, recentemente, em 12 de agosto, quando uma operação policial para expulsar os Mapuches, que haviam invadido terras, deixou um morto e oito feridos. Manifestantes tentaram recuperar suas terras ancestrais de todas as formas possíveis, e a latente insatisfação finalmente transbordou, mas suas demandas continuam a ser ignoradas e as negociações continuam num impasse.
Os povos indígenas do Chile estavam demonstrando que sua comunidade não estava mais disposta a permanecer em silêncio, após décadas sendo desconsiderados, explorados e expulsos de suas próprias terras. No entanto, embora as autoridades tenham sido tomadas de surpresa pelo crescente fluxo de reações violentas contra a polícia e corporações madeireiras, eles não mostraram sinais de que permitiriam que os Mapuches retornassem às terras, nem lhes ofereceram qualquer reparação por violações dos direitos humanos durante o regime Pinochet. Em vez de chegar e encontrar uma solução, o governo criminalizou as ações. Enquanto isto pôde temporariamente reprimir os protestos, pouco tem sido feito para resolver o problema. A fim de chegar a uma solução que satisfaça ambos os lados, negociações sérias entre as comunidades e o governo nacional devem ser feitas.
A gota d´água
Como a maioria da América Latina, a divisão de classes no Chile é altamente definida por raça e etnia, com os Mapuches ocupando o degrau mais baixo da escala social.
Em comparação com outros grupos indígenas do hemisfério, os Mapuches têm um forte legado de resistência. Por mais de 350 anos, eles lutaram com veemência contra os conquistadores espanhóis antes que estes fossem derrotados, em 1881. Os Mapuches foram obrigados a assimilar o modo de vida europeu, com suas crenças, religiões e práticas políticas e sociais.
A situação atual dos Mapuches no Chile é complicada. Enquanto eles cometem atos violentos para recuperar as terras que foram apreendidas pela exploração madeireira, mineração e produção de energia hidrelétrica, a polícia tem sido, na maioria das vezes, excessivamente brutal. A resposta raramente tem sido proporcional à violência da qual os Mapuches são acusados. Após anos sem sucesso nas manifestações não-violentas que foram recebidas com repressão pela polícia, não é de estranhar que a população local tenha recorrido a medidas violentas, a fim de fazer ouvir suas reivindicações.
A passagem do tempo raramente tem sido gentil com o povo Mapuche, o maior grupo indígena do Chile, que constitui cerca de 10% da população do país. Metade dela vive na região sul do país (entre o rio Bío Bío e a Ilha de Chiloé), mas muitos se mudaram para Santiago, a capital, e distritos próximos.
Embora houvesse perspectivas de recuperação de terras com a transição do país para a democracia, em 1990, o novo partido da coalizão, a Concertación, pouco fez para melhorar a situação. Apesar dos esforços do novo governo para compensar algumas famílias com terras, as parcelas eram pequenas e o solo infértil.
Como o regime de Pinochet implementou políticas de livre mercado, o preço dos produtos agrícolas começou a declinar. Isso foi prejudicial para muitos Mapuches, que viviam da agricultura como fonte de renda e um meio de subsistência.
Além disso, a expansão da indústria florestal no sul do Chile resultou na degradação das terras ancestrais dos Mapuches. Ao longo do tempo, os recursos de água secaram e causaram secas permanentes. A água que restou foi contaminada pelo uso excessivo de pesticidas e herbicidas. As plantas nativas foram substituídas por espécies estrangeiras que haviam sido originalmente introduzidas pela utilidade comercial. Este desrespeito contínuo para com a soberania Mapuche e seu modo de vida tradicional obrigou mais de metade da população a se mudar para Santiago.
As dificuldades que se aproximam
Os Mapuches têm de enfrentar uma batalha difícil quando se trata de recuperação de suas terras. Muitos são céticos no sistema legal chileno, pois têm sofrido repetidamente sob as mãos da lei. Enquanto outros cidadãos chilenos podem acessar o sistema legal para proteger seus direitos civis, o mesmo não acontece com os Mapuches. O acesso à justiça é dificultado, uma vez que enfrentam obstáculos intransponíveis. Principalmente devido a um acesso inadequado à educação, entre os Mapuches falta conhecimento sobre o sistema legal. Para aqueles poucos que o fazem, o custo da assessoria jurídica é muito alto. Mesmo se possuíssem os recursos necessários, muitas comunidades vivem longe de onde são feitos os processos. Muitos são incapazes de obter representação competente. Finalmente, encontros negativos com policiais causaram desconfiança em muitos juízes, nos júris e em todos os outros no sistema de justiça criminal.
O governo lançou a Comissão de Verdade Histórica e Novo Testamento, em 2001, com o objetivo de estabelecer bases para a igualdade de tratamento dos Mapuches e, ao mesmo tempo, integrá-los à sociedade nacional. No entanto, os Mapuches permanecem à margem da sociedade chilena.
Além disso, alguns conservadores acusaram as organizações indígenas, como a Coordenadoria Arauco Malleco, de ter vínculos com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Estas alegações são altamente suspeitas, dadas as diferenças por trás de suas respectivas ações. A comparação entre os Mapuches e as Farc sugere que os manifestantes Mapuches são terroristas.
Como diz Padre Fernando Díaz, da Pastoral Indígena, “a realidade do povo Mapuche é muito mais complexa. É uma história de luta, trabalho e esforço para continuar a superar a pobreza, a marginalidade e a injustiça. A realidade tem de ser contextualizada, a violência tem sempre duas faces”. Embora as manifestações pelo direito à terra e à igualdade tenham sido ocasionalmente violentas, esses protestos não são sem razão.
Os protestos Mapuche iniciaram contínuas, embora muitas vezes infrutíferas, tentativas de diálogo e negociação, tanto em nível nacional, quanto internacional. Nos dias 14 e 15 de agosto, um grupo de líderes Mapuche foi ao Comitê das Nações Unidas de Eliminação da Discriminação Racial para depor sobre as acusações feitas em 2007 contra o governo chileno. Os dirigentes acusaram o governo de “racismo ambiental” voltado para o povo Mapuche. As denúncias incidiam sobre o plano do governo para construir aterros sanitários e usinas de tratamento de águas residuais em território Mapuche na Região IX, o que levou a um aumento das tensões no local.
Terrorismo ou tentativa de recuperar suas terras por direito?
O governo chileno processa os Mapuches sob o estatuto de antiterrorismo que, de acordo com procedimentos legais que remontam à era Pinochet, permite que suspeitos sejam detidos por até um ano de pré-julgamento. Isso é problemático porque ser cobrado nos termos dessa legislação prejudica a imparcialidade do júri quando, e se, o caso é levado a julgamento.
Essa lei deixa os Mapuches vulneráveis à perseguição. Em contraste, os policiais são normalmente protegidos por crimes cometidos contra os indígenas. Muitos estão sob jurisdição militar que lhes permite escapar da perseguição.
Mais recentemente, o manifestante Jaime Codozo Cullío foi baleado e morto enquanto ocupava uma fazenda na Região IX, junto com outros 50 Mapuches. O relatório da polícia afirma que ele foi morto em legítima defesa. No entanto, a autópsia confirmou que o policial José Patricio Jara Muñoz Codozo atirou por nas costas dele. Codozo era parte de um grupo de manifestantes que fugia da polícia. Todos eles estavam desarmados, com exceção de alguns que levavam pedaços de paus. Tais reações violentas geralmente são instigadas pela polícia. Só por causa da publicidade que este evento em especial recebeu, as autoridades militares foram obrigadas a apresentar acusações contra Muñoz.
Recente aumento dos movimentos indígenas na América Latina
As manifestações Mapuche no Chile são apenas parte de uma grande luta pelos direitos indígenas na América Latina, na qual também estão Peru e Bolívia.
A eleição de Evo Morales, primeiro presidente indígena da Bolívia, trouxe perspectivas indígenas e questões para a vanguarda política da região. Todos estão lutando a mesma batalha: a negação dos direitos dos proprietários das terras e a privatização de terras ancestrais.
Projetos empresariais de grande dimensão que ocupam o território indígena não beneficiaram as comunidades indígenas em nada, mas ao invés disso desencadearam uma série de protestos. Em Honduras e Equador, as comunidades indígenas têm estado em oposição às indústrias de mineração, enquanto a população nativa da Amazônia brasileira continua a luta pelo direito à terra.
O presidente Morales provou ser o campeão da comunidade indígena. Seu compromisso com o povo indígena da Bolívia tem motivado as populações nativas de outros países da América Latina a seguir o exemplo.
Conclusão
Nancy Yáñez, advogada da ONG Observatório Ciudadano, declarou: “Estou preocupada com a posição marginalizada dos Mapuches e a conexão que está sendo feita com certos grupos radicais. Mas, uma vez que a convenção sobre o seu futuro entre em vigor, o governo do Chile será obrigado a enfrentar finalmente a dívida histórica com relação a questões de propriedade da terra”.
Os Mapuches pediram para o mundo, em especial ao governo chileno, o reconhecimento e o respeito de seu direito à igualdade. Eles estão lutando pela terra natal, muitas vezes às custas de suas próprias vidas. A violência nunca é algo a ser aprovado, mas neste momento os indígenas têm poucas opções. Promessas de negociações futuras não devem mais ser toleradas; soluções que satisfaçam tanto o governo chileno quanto os Mapuches devem ser encontradas.
*Council of Hemispheric Affairs
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