A educação pública em geral e a superior de maneira específica estão sob ataques públicos e constantes em São Paulo. Na coluna passada prometi explicar o mais silencioso, até agora, desses ataques. Trata-se de um julgamento do STF, marcado e adiado recentemente, que pode deixar o teto salarial dos docentes das universidades estaduais paulistas cerca de 10 mil reais abaixo do teto dos seus colegas das universidades federais.
Embora essa ameaça atinja pouco mais 10% dos docentes e pesquisadores, é significativo que ele se dê quando o próprio governo federal lança, via CNPq, o programa Conhecimento Brasil, preocupado em trazer de volta pesquisadores de alta competência que saíram do país nos últimos anos, expatriados tanto pelas precárias condições de trabalho quanto pela perseguição e ameaças do descalabro bolsonarista.
Histórico breve. A Constituição de 1988 estabelecia, no seu artigo 37, que “a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (…), não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal”.
Em resumo, o teto salarial para servidores dos três níveis (federais, estaduais ou municipais) era o mesmo, e atrelado ao “subsídio” dos ministros do STF.
A Emenda Constitucional (EC) 41, de 2003, introduziu duas alterações profundamente deletérias para a educação superior em geral e para as universidades estaduais em particular.
A primeira foi estabelecer que os servidores públicos, tanto da administração direta quanto das autarquias, contratados a partir de 2003, não mais teriam direito à integralidade e paridade na sua aposentadoria. Instaurando assim uma divisão facilmente transformável em disputa interna, inclusive com acusações de privilégios, entre os servidores.
Bom lembrar que essas condições básicas das aposentadorias dos servidores até então sempre foram exploradas pela mídia privatista como privilégio, esquecendo-se da sua dimensão compensatória, na medida em que os servidores públicos concursados não têm direito ao FGTS.
A segunda alteração, ardilosa, foi estabelecer que o teto remuneratório dos servidores, diretos ou autárquicos, estaria alinhado não mais com os “subsídios” dos ministros do STF, mas com aqueles dos governadores ou prefeitos, segundo o vínculo empregatício. E por que ardilosa? Porque a mesma emenda excetuava os membros dos Judiciários, do Ministérios Públicos e das Defensorias, ou seja, aqueles setores com capacidade de barganha, inclusive judicial.
Em 2020, Dias Toffoli, então presidente do Supremo, concedeu liminar a uma ADIN, ação direta de inconstitucionalidade, proposta pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, que restabelecia a isonomia entre o teto salarial dos seus professores e o dos seus colegas da Universidades federais, proibindo “qualquer interpretação e aplicação do subteto aos professores e pesquisadores das universidades estaduais, prevalecendo, assim, como teto único das universidades no país, os subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal”.
Pois bem, em fevereiro deste ano o STF iria realizar o julgamento do mérito e tudo indicava mudança de orientação do relator, Gilmar Mendes, que em 2020 se manifestou favorável à equiparação e agora teria mudado de posição. Por congestionamento de pauta a votação foi suspensa e os professores não têm ideia de quando ela voltará.
Se derrubada a liminar, a diferença de teto salarial, inclusive com cortes sobre os salários ou aposentadorias já recebidas, poderá chegar a 10 mil reais, que é hoje a diferença entre o “subsídio” do STF e o do governador do estado. Em outras palavras, o teto salarial de um docente das estaduais paulistas, responsáveis por 40% da produção científica do país, será 10 mil reais mais baixo que o de seus colegas da federais.
O mais estranho é o pacto de silêncio entre os altos dirigentes das universidades estaduais, que orientam os docentes a não divulgarem o tema porque isso poderia parecer “pressão” sobre o Supremo.
A omissão, para dizer o mínimo, das autoridades estaduais, dos reitores ao governador, a esse respeito, é tão mais estranha quando isso não significa nenhum centavo adicional de custo para os cofres estaduais, porque a remuneração sai integralmente do orçamento das próprias universidades.
É só anti-intelectualismo, mesmo?
(*) Carlos Ferreira Martins é Professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP em São Carlos (SP).