Agência Efe (10/10/12)
O ministro da Educação da Espanha, José Ignacio Wert, abriu mais um capítulo na turbulenta questão do separatismo catalão. Ele admitiu, durante um debate no Parlamento espanhol realizado nesta quarta-feira (10/10), que o governo comandado pelo premiê Mariano Rajoy tem interesse em “‘espanholizar’ alunos catalães” com o objetivo de “que se sintam orgulhosos em ser tanto espanhóis quanto catalães”.
(O ministro da Educação, José Ignacio Wert, durante discussão no Parlamento da Espanha sobre a proposta)
Segundo Wert, a partir dessa iniciativa, os estudantes poderão desfrutar de “uma convivência equilibrada entre as duas identidades”, “o que os enriquece e os fortalece”. Na sessão do Congresso, Wert foi perguntado pelo deputado socialista catalão Francesc Vallès se ele acreditava em algumas evidências que relacionam o crescimento do sentimento independentista catalão com as mudanças no sistema educacional, o que o próprio Wert admitiu ocorrer em algumas localidades.
A pasta comandada por Wert preparou uma reforma educacional em que, entre outros pontos polêmicos, estabeleceu a redução considerável da competência das comunidades autônomas (subdivisões na Espanha equivalentes aos Estados no Brasil) para decidir o conteúdo que será ensinado aos alunos.
“O abandono que tomou conta de parte do sistema educacional catalão facilita que se produza um ocultamento ou uma minimização de elementos comuns, particularmente os históricos, que configuram a história da Catalunha dentro da Espanha”, e que, em troca, “se exageram, às vezes, os elementos particulares da Catalunha”, explicou o ministro.
NULL
NULL
Ao escutar a resposta do ministro, Vallés se disse escandalizado e classificou a declaração típica “da formação do espírito nacional” da Espanha franquista. “Houve uma época em que o sistema educacional estava baseado no dogmatismo, na imposição da autoridade mediante a disciplina e a aquisição de conhecimentos por memorização, sem permitir a mínima possibilidade de questionamento ou crítica”, afirmou ele.
“Na Catalunha, não se doutrina, mas se forma e se educa”, acrescentou o deputado, que pediu respeito aos milhares de professores e orientadores que se veem sob o risco de cortes, em razão da crise econômica . Para Vallès, a política do Ministério da Educação busca “dividir catalães e espanhóis, independentistas ou não independentistas, entre bons e maus”. “Portanto, modernize seu discurso ou passará para a história como ‘Wert, o segregador’”, afirmou.
Em sua réplica, o ministro pediu que o deputado não tentasse convencê-lo das “vantagens do catalão”, porque é algo que já está convencido. “É uma língua que falo e leio”. E tentou explicar que sua intenção é fazer com que as famílias catalãs que tenham a intenção de alfabetizar seus filhos em castelhano tenham todo o direito de fazê-lo. “É uma questão de liberdade e o governo tem a responsabilidade de fazer efetivo esse direito”.
Repercussões
As declarações de Wert se tornaram trending topic (tema mais comentado) no microblog Twitter pela manhã.
A escritora Lucía Etxebarria propôs uma campanha para “espanholizar” o ministro, passando a chamá-lo de José Ignacio “Precio” (“werth”,em alemão, é o equivalente a “precio” em espanhol, ou “preço” em português).
O porta-voz do CiU (Convergência e União, partido conservador catalão e defensor da separação) no Congresso, Duran i Lleida, difundiu uma mensagem menos irônica. “O ministro Wert disse que o independentismo está relacionado com o modelo educacional catalão. Nada é mais atrevido do que a ignorância”.
Histórico
O debate veio apenas um dia depois do Parlamento espanhol recusar a proposta de transferir ao governo da Catalunha a competência exclusiva para a convocação de um referendo sobre a independência da região em um prazo de seis meses. Tanto o governista e conservador PP (Partido Popular), quanto os opositores PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) e UPyD (União Progresso e Democracia), são contra a possibilidade de os catalães se separarem do resto do pais.
O pedido, recusado por 276 votos contra 42, foi apresentado pelos representantes da ERC (Esquerda Republicana da Catalunha), de apenas três representantes, e contou com o apoio de CiU (Convergência e União, conservador e também separatista), Esquerda Plural (coalizão entre Esquerda Unida e Partido Verde), PNV (Partido Nacional Basco, que também possui aspirações separatistas em sua região) e do grupo misto formado pelos partidos nanicos, ao qual o ERC faz parte.
Mesmo antes da votação, os três partidos mais bem representados no Parlamento já adiantaram que recusariam a proposta.
O debate se produziu semanas depois que o presidente do governo catalão, Artur Mas, antecipou eleições para 25 de novembro e anunciou sua intenção de convocar um referendo sobre a independência da Catalunha.