Três dias após o estabelecimento de uma frágil trégua entre israelenses e palestinos, depois de uma investida militar na Faixa de Gaza que resultou na morte de 164 palestinos, é possível analisar qual dos atores envolvidos saiu mais fortalecido. Para especialistas entrevistados por Opera Mundi, o principal é o Egito, representando na figura do presidente Mohamed Mursi. O contrário ocorre com o grupo político Fatah, que controla a ANP (Autoridade Nacional Palestina). Os analistas divergem, porém, quanto à posição dos Estados Unidos, de Israel, e do movimento islâmico Hamas.
Efe (23/11/2012)
Mursi fala a simpatizantes no Cairo. Presidente do Egito foi o maior beneficiado de trégua entre israelenses e palestinos
Para Argemiro Procópio, professor de relações Internacionais da UNB (Universidade de Brasília), Mursi teve como mérito evitar a propagação dos conflitos na região. “O principal fortalecido [do conflito] é o Egito, que ganhou o papel de grande intermediador do Oriente Médio. O conflito [em Gaza] começava a se expandir para o Líbano [com movimentações do Hezbollah], a Síria já estava em ebulição e a próxima seria a Jordânia”, apostou.
De acordo com Mohamed Habib, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a saída de Hosni Mubarak (1981-2011) provocou uma profunda mudança na política externa egípcia. “Mubarak sempre foi aliado de Israel, mesmo que às custas dos interesses palestinos. Mursi adotou uma posição diplomática, ética e justa, sem preferência de um lado sobre o outro. Mubarak atuava como um mandante na ANP, dava ordens na sociedade palestina. Hoje não, há uma mediação que, pela primeira vez, possibilitou uma conversa entre Hamas e o governo israelense”.
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“[A ação da diplomacia egípcia] é uma das primeiras respostas da Primavera Árabe aos questionamentos sobre até que ponto esse movimento mudaria a política externa dos países envolvidos”, diz o professor de Relações Internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Reginaldo Nasser, para quem o país norte-africano pode ser destacado como um “ator que voltou à cena”.
“Não como na época anterior [de Gamal Nasser (1956-1970) e Anwar Sadat (1970-1981), quando eram ferrenhos inimigos de Israel até 1979]. Também não será o Egito de Mubarak, que balançava a cabeça servilmente à EUA e Israel. O país vai transitar fora desses extremos”, afirmou.
ANP e Hamas
Já o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, assim como seu grupo político, o Fatah, que controla a Cisjordânia, saem prejudicados pela atuação apagada durante toda a crise. “Abbas deveria ser o interlocutor dos palestinos de modo geral, mas não exerceu esse papel. Sequer foi considerado por Israel para dialogar ou negociar. Ele mesmo já está consciente de sua falta de autoridade”, afirmou Habib.
Efe (18/11/2012)
Mahmoud Abbas, assim como seu grupo político, o Fatah, que controla a Cisjordânia, saem prejudicados pela atuação apagada
Nasser acredita que, embora simbólica, a tentativa de reconhecimento da Palestina como estado não-membro da ONU (Organização das Nações Unidas), que está sendo articulada por Abbas em meio à comunidade internacional, pode ser uma tentativa de retomar a popularidade mas que, nesse momento, deixou de ter sentido.
“Está demorando para surgir uma nova força política na Palestina. A Primavera Árabe poderia aparecer por lá também”, disse, ao criticar as atuações tanto do Fatah quanto do Hamas (que exerce o poder de fato na Faixa de Gaza), as duas principais forças políticas dos palestinos.
Para Nasser, o Hamas não tem condições de crescer na Cisjordânia, onde se encontra a maior parte da população. Segundo ele, o apoio atual seria efêmero, mais em razão da solidariedade da população durante o conflito do que por seus méritos. “O crescimento da popularidade do Hamas se dá por duas razões: a corrupção que reina na ANP sob comando do Fatah e as ações de assistência social à população carente de Gaza” – as mesmas razões que, para Nasser, poderão leva-lo à queda no futuro.
No entanto, o professor da PUC-SP acredita na possibilidade de ocorrer com o movimento islâmico a ascensão de uma ala mais moderada no futuro e que obtenha maior reconhecimento, como ocorreu com o ETA (movimento separatista basco) e o IRA (Exército Republicano Irlandês).
A posição do Hamas após o cessar-fogo acordado com Israel também foi fortalecida, na opinião de Habib. “Eles conquistaram o poder de negociar com Israel. O próximo passo seria ser reconhecido como o governante de fato de Gaza. O Hamas ganha porque o mundo inteiro assistiu essa crise e viu a negociação rápida como um fator positivo. E ele ganhou também o Egito como um interlocutor seguro. A população de Gaza o considerou vitorioso. Em um futuro processo eleitoral na Palestina, o movimento poderá ganhar mais cadeiras no Legislativo e, quem sabe, eleger o próximo presidente palestino”.
Já Nasser acredita que o grupo islâmico nada conseguiu: “O que o Hamas fez sempre aconteceu. Depois do bombardeio, seu líder aparece na TV e propaga que saiu como grande vencedor. O que ele obteve foi um acordo frágil, que a qualquer momento pode ser rompido. (…) Sua capacidade militar é irrisória. Os mísseis, que continuam sendo lançados de forma totalmente aleatória, pouco importa a quantidade, servem apenas para justificar os ataques de Israel. Mas o que temos é uma população pobre e que continua cercada”.
A influência norte-americana
Outro ponto de discordância entre os especialistas foi em relação aos EUA. Procópio acredita que a ação diplomática norte-americana foi muito importante para evitar que o caos se alastrasse. “A postura norte-americana, com a participação de Hillary Clinton, foi extraordinariamente ativa. Ela foi ao Cairo e ajudou as partes a negociarem e a apagarem o fogo no começo”, lembrou.
Por outro lado, Nasser afirma que os EUA perderam credibilidade como mediadores, já que para isso precisariam ser isentos e aceitos pelos dois lados. “Se fazem questão de dizer que são aliados incondicionais de Israel, então não podem ser mediadores. Mas é impossível termos negociações de paz na região sem que eles estejam envolvidos”, reconheceu. “A ida de Hillary Clinton ao Cairo ocorreu somente quando o bolo já estava pronto e ela chegou para colocar a cereja”.
Habib concorda que os EUA tiveram um papel secundário na negociação do cessar-fogo. Para ele, Washington “quase não participou da negociação. Fez o papel de avalista, de um acordo entre dois contratantes [Israel e Hamas] que já haviam negociado com o corretor, o Egito”.
No entanto, Habib acredita que o sucesso da Cúpula de Ferro, nome dado ao sistema de escudo antimísseis israelense que teve um papel importante no conflito, ao interceptar cerca de 90% dos foguetes lançados contra o país. “Obama ganha pontos com a sociedade israelense e o governo Netanyahu por mostrar sua fidelidade a Israel. E também internamente, conseguindo agradar a indústria bélica e a direita norte-americana”, analisou.
Netanyahu e as eleições
O apoio da população israelense à investida militar rendeu frutos também ao premiê Benjamin Netanyahu, que chegou a ganhar 20 pontos de popularidade e apoio de 84% da população, segundo pesquisa divulgada pelo jornal Haaretz, números significativos para a próximo eleição israelense, que será disputada em 22 de janeiro.