Reprodução – Cartaz do filme “NO”
Em outubro de 1988, a ditadura de Pinochet começou a ruir, com a vitória em referendo popular da opção “NÃO”, que defendia a convocação de eleições diretas à Presidência no ano seguinte. Certo? Assim dizem os livros de história do Chile, e também é o que conta o recém-lançado filme “NO”, que nesta quinta-feira (10/1) foi nominado ao Oscar para concorrer na categoria de melhor filme em idioma estrangeiro. Porém, horas depois do anúncio dos candidatos, o país andino descobriu uma nova versão dos fatos.
E foi ninguém menos que o economista José Piñera, irmão do atual presidente Sebastián Piñera e uma das mais proeminentes figuras da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) quem iniciou a polêmica nas redes sociais, com um tuíte no qual dizia: “Se ‘NO’ ganhar o Oscar, o prêmio ajudaria a divulgar o sucesso da transição chilena à democracia, conquistada em 8 de agosto de 1980”.
Em seguida, o economista insistiu: “Se ‘NO’ ganhar o Oscar, estou disponível para entrevistas nos Estados Unidos para explicar como o plebiscito de 1988 consolidou o triunfo de nossa Revolução Liberal”.
O argumento defendido pelo economista é que, apesar da derrota da opção “SIM” – defendida por ele na época e que representava a continuidade da ditadura – , o fim do regime através da votação popular teria sido a transição à democracia desenhada pelos pinochetistas. Portanto, o pinochetismo e sua “revolução liberal” confirmaram, com o pleito, o sucesso do seu projeto de país. Em um texto em seu blog, José Piñera enumera o que chama de “os quatro momentos estelares da refundação do Estado Chileno durante a ditadura”.
A tese foi contestada por alguns acadêmicos chilenos na mesma tarde de quinta-feira. O historiador Alfredo Riquelme, da Universidade Católica de Santiago, em entrevista ao canal estatal TVN, classificou as declarações de Piñera como “uma provocação grosseira” e afirmou que “quem viveu aquela época sabe que a cúpula do regime era contra o referendo e só cedeu devido à pressão internacional contra as violações aos direitos humanos”.
Já o sociólogo Eugenio Tironi, um dos idealizadores da campanha opositora do “NÃO”, ironizou o economista em um debate realizado pela Rádio Cooperativa, dizendo que “é valioso para o país ver que pessoas que estiveram ao lado do Pinochet na ditadura hoje o esquecem ou o criticam, e fico feliz que o Piñera diga isso, pois significa que talvez ele se arrependa ou mesmo que sinta vergonha do sangue derramado pelo regime no qual ele participou”.
A história de José Piñera
Um dos civis mais importantes da ditadura, José Piñera foi também um dos chamados Chicago Boys – economistas chilenos que passaram pela Universidade de Chicago, onde foram orientados pelo professor Milton Friedman, um dos gurus do neoliberalismo econômico. Quando voltaram ao Chile, nos anos 1970, Piñera e os Chicago Boys foram propulsores dos conceitos neoliberais no país, supervisados pelo próprio Friedman e com a anuência do ditador Pinochet.
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Entre 1978 e 1980, ele comandou o Ministério do Trabalho e Previdência Social, sendo o autor da lei trabalhista chilena vigente até hoje, considerada pela OIT (Organização Internacional do Trabalho, ligada à ONU) uma das leis mais permissivas diante de práticas antissindicais. Piñera deixou o Ministério do Trabalho para assumir o de Mineração, criou a Lei Orgânica Constitucional de Concessões Mineiras, que permite ao Estado realizar privatizações de jazidas minerais.
O economista, que hoje vive em Miami, também foi candidato à Presidência do Chile em 1993, sendo o terceiro mais votado (apenas 6%), perdendo para o democrata cristão Eduardo Frei Ruiz-Tagle (57%), o mesmo que seria derrotado pelo seu irmão Sebastián, no segundo turno do último pleito presidencial chileno, em 2009.
A nomeação de “NO” ao Oscar de melhor filme em idioma estrangeiro é a primeira de um filme chileno na história do prêmio. Dirigido pelo cineasta Pablo Larraín (filho de um senador conservador que também foi apoiador civil da ditadura), o filme conta as histórias dos bastidores da campanha do plebiscito de 1988, onde a opção “NÃO” venceu com 56% dos votos válidos, o que marcou o fim da ditadura.
Em seu último tuíte sobre o filme, Piñera disse que: “Se ‘NO’ ganha o Oscar, Maryl Streep entregará o prêmio lendo o fabuloso discurso de Thatcher, que disse: ‘a esquerda perdeu a Guerra Fria no Chile’”. A atriz norte-americana recebeu seu terceiro Oscar no ano passado, pela cinebiografia da ex-primeira-ministra britânica.
Os demais candidatos ao Oscar de melhor filme em idioma estrangeiro são: “Amour” (França/Áustria – ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2012), “Kon Tiki” (Noruega), “Rebelle” (Canadá) e “En Kongelig Affære” (Dinamarca). O anúncio dos vencedores da estatueta acontecerá em Los Angeles, no próximo dia 24 de fevereiro.