Pela primeira vez na vida, o português Jorge Ferreira de Amorim, de 57 anos, estará impedido de votar em uma eleição. Radicado em Salvador, na Bahia, há quase um ano ele é um dos vários portugueses que não receberam a correspondência do governo de Portugal com a cédula eleitoral para ser postada no Correio. O voto refere-se às eleições legislativas que ocorrem no domingo (04/10) em Portugal e nos países que reúnem um número elevado de compatriotas, como é o caso do Brasil.
“É uma sensação de impotência frente à irresponsabilidade e incompetência do governo português que não conseguiu fazer chegar à minha casa a cédula eleitoral, para eu poder exercer o meu direito. Estão me negando um direito cívico e isso é gravíssimo. Esta é a primeira vez desde 1976 que não poderei votar em uma eleição”, afirma indignado.
EFE
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“O voto é um direito pelo qual lutei em Portugal (durante a ditadura salazarista). Não votar, significa que não poderei expressar minha opinião. E o governo português é o responsável por me negar esse direito. Esse é o mesmo governo responsável pelo recorde na imigração de portugueses que está ocorrendo em meu país. E quando os portugueses estão no estrangeiro, o governo lhes vira as costas, os abandona. Não lhes envia nem a cédula eleitoral para poderem votar”, critica.
Jorge tem outros amigos que também não receberam a correspondência do governo português e não poderão votar. Um deles mora no Maranhão. Ambos estão com a situação eleitoral legalizada junto aos respectivos consulados de seus Estados, mesmo assim nenhuma satisfação lhes foi dada pelo corpo consular para a ausência da correspondência.
O português conta que teve de ir três vezes ao consulado em Salvador, para fazer seu recadastramento. “O consulado dificultou ao máximo o recenseamento para eu poder votar. Tive de ir três vezes e pressionar para conseguir. O meu amigo, Antonio Jorge, do Maranhão, também teve dificuldade em se recadastrar e também teve de ir três vezes ao consulado. No caso dele, o serviço consular ainda dependia do de Belém do Pará. Isso demonstra como funcionam os serviços consulares portugueses. Só se preocupam em apoiar empresários, mas dificultam ao máximo a resolução de questões que afetam os trabalhadores imigrantes, como o direito ao voto”, alfineta.
Outro amigo de Jorge, que vive em Uberaba, Minas Gerais, não conseguiu ao menos se recadastrar. A distância, de quase 500 quilômetros até o consulado na capital mineira, o impediu de tentar exercer o direito ao voto.
EFE
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Mas além de todas essas dificuldades, ainda há outro forte entrave para exercer o direito à cidadania. A jornalista Silvana Cortez, que tem dupla cidadania, revela que teve de desembolsar R$ 41 na carta registrada que enviou para Portugal com seu voto. “Acho que o porte deveria ser pago pelo governo português. Seria mais justo, porque assim todos os portugueses poderiam exercer o direito de votar”, ressalta.
Outro lado
A reportagem de Opera Mundi entrou em contato com o presidente da Comissão Nacional Eleitoral, Jorge Miguéis, que está em Lisboa. Ele se recusou a falar por telefone e encaminhou email atribuindo o não recebimento das correspondências por parte dos eleitores portugueses à greve dos Correios que ocorreu no Brasil.
“Não vejo necessidade da entrevista por uma razão simples: a não chegada de votos no Brasil deve-se a uma prolongada greve geral dos Correios locais, que não nos compete dirimir, resolver ou sequer comentar.”
Miguéis também não respondeu ao documento encaminhado por Jorge Amorim questionando o direito que lhe foi cassado pelo governo português. Leia a seguir o texto encaminhado ao presidente da Comissão Nacional Eleitoral, com cópia para os ministros dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna.
“RECLAMAÇÃO/PROTESTO
Eu, JORGE FERREIRA DE AMORIM, inscrito no Consulado de Salvador da Bahia venho por esta forma reclamar e protestar por estar impedido de exercer o meu direito constitucional do DIREITO AO VOTO, pelo facto de até hoje, sexta-feira, 2 de outubro não ter chegado à minha residência o envelope com os respectivo Boletim de Voto.
As Eleições Legislativas 2015 ficam marcadas no Brasil por diversas irregularidades e incompetências da Embaixada e Serviços Consulares, bem conhecidos da opinião pública, sem que nenhuma entidade tenha tomado as devidas medidas para as evitarem, designadamente:
Uma enorme falta de informação aos emigrantes portugueses sobre o processo eleitoral, dando informações erradas como foi no caso do prazo do recenseamento eleitoral (ex: Salvador, São Luís do Maranhão, São Paulo) ou ainda demonstrando a mais aberrante incompetência justificando não ter pessoal que soubesse introduzir os dados no sistema informático (ex. Salvador);
Casos há, de pessoas já falecidas continuarem inscritas nos cadernos consulares, recebendo os seus familiares, os respectivos votos em casa (ex: Rio de Janeiro);
A par destas irregularidades, já por si graves, os serviços do MAI, ao expedir os envelopes do processo de votação para a residência dos imigrantes “esqueceu-se” de colocar no envelope de retorno o pais a que se destina: PORTUGAL;
Finalmente, certamente tal como eu muitos imigrantes chegam ao dia de hoje, 2 de outubro, sem que tenham recebido o referido envelope que lhes permite exercer o direito ao voto.
Esta reclamação/protesto tem como objetivo de denunciar junto das entidades competentes tais situações e demonstrar a mais viva indignação como cidadão português pelas situações acima relatadas.
Aguardando uma explicação subscrevo-me com os meus
Respeitoso cumprimentos.
Jorge Ferreira de Amorim”