As FARC (Forças Armadas Revolucionárias Armadas da Colômbia) passam por um momento de definição. Após a decisão de abandonar a prática de seqüestros e anunciar a libertação dos últimos reféns, a guerrilha tenta negociar a paz com o governo ao mesmo tempo em que luta para manter sua unidade de modo a continuar como um ator importante na política da Colômbia. Para isso terá de enfrentar um grande desafio: combater as defecções, que só aumentaram nos últimos anos.
O número cada vez maior de pessoas abandonando a guerrilha criou um problema: como reinserir essas pessoas na sociedade?
Atualmente têm havido desmobilizações individuais das FARC. Neste caso, ainda dentro do ambiente de guerra, os soldados que decidem se desligar da guerrilha fogem e muitos buscam se reintegrar à sociedade, com apoio do governo colombiano. Em caso de um processo de paz, essa reintegração seria coletiva como aconteceu com o grupo paramilitar AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), a partir de 2003.
Números da Agência Colombiana para Reintegração revelam que, entre 2003 e 2011, houve 22.517 desmobilizações individuais das FARC e do ELN (Exército de Libertação Nacional) e 31.849 desmobilizações em bloco (autodefesas), totalizando 54.366 desmobilizados.
Atualmente não se sabe exatamente quantos homens as FARC ainda têm em suas fileiras. Governo e ONGs que analisam o conflito avaliam que o grupo tenha somente 50% do total que tinha em 2001 (na época 16 mil homens). Estima-se que a guerrilha tenha entre 6 a 8 mil homens.
Mas não há certeza sobre a quantidade de guerrilheiros em combate. No início deste mês, por exemplo, o Ministro da Defesa do Equador, Javier Ponce, disse em visita à Colômbia que as FARC têm presença intermitente em território equatoriano. Ele afirmou que cerca de 10 mil homens se movem na fronteira entre os dois países, 7 mil de maneira permanente e 3 mil esporadicamente.
Por isso, analistas dizem que é difícil dimensionar agora, sem que o conflito tenha terminado, como seria um processo de desmobilização coletiva das FARC. Além disso, com os quase 48 anos de atividade do grupo, não se sabe exatamente o que pensam os guerrilheiros sobre este tema, porque há gerações que nasceram e cresceram neste contexto.
Processo complexo
O cientista político Alonso Tobón, do Cerac (Centro de Recursos para El Analisis del Conflito), uma think tank colombiana, disse ao Opera Mundi que as FARC têm características muito peculiares que devem ser levadas em consideração.
“As FARC estão federalizadas, por isso será difícil negociar com o Estado Maior e acertar detalhes para todas as regiões. No pós-conflito, o governo deve encontrar uma maneira de tratar regionalmente com cada frente e com as especificidades de cada comando”, explica Tobón.
Além disso, ele explica que, pela alta hierarquização do grupo, é necessário pensar também nos diferentes “perfis” dos guerrilheiros. Legalmente, um desmobilizado pode participar do programa de reintegração do governo se não houver cometido crimes de lesa-humanidade.
O programa envolve atenção psicossocial e apoio financeiro e educativo, e o processo de reintegração dura de três a quatro anos. O governo apoia os desmobilizados na busca de emprego ou na criação de um negócio próprio.
“Hoje, as desmobilizações são de soldados rasos. Comandantes não se desmobilizam em pleno conflito, eles têm muito que responder legalmente. Sem um acordo de paz, eles preferem morrer na selva que serem capturados ou se entregarem”, esclarece.
O estudioso também comenta que o país deve aprender com os erros cometidos nos processos de reintegração realizados até agora. Segundo o pesquisador, inicialmente o trabalho da ACR foi focado na necessidade de atender os paramilitares que se desmobilizaram a partir de 2003.
O primeiro passo foi a promulgação do marco legal: a Lei de Justiça e Paz em 2002 (que definiu penas mais brandas para os desmobilizados que colaboram com informações ao governo). Esta mesma lei vale também para processos de desmobilizados das FARC e ELN.
“O problema com as autodefensas é que uma parte significativa não abandonou as armas, então não houve reintegração. Muitos foram para a criminalidade comum fortalecendo gangues já existentes, o narcotráfico ou criando as chamadas Bacrim (bandas criminales)”, conta.
Outra falha apontada por Tobón foi o custeio prolongado de atividades e cursos como forma de apoiar financeiramente os desmobilizados. “Observamos que alguns se acomodavam com os subsídios recebidos”, opina.
Desafios
Nas desmobilizações individuais que acontecem ainda neste cenário de guerra, um dos desafios é a segurança. Quando um guerrilheiro se desmobiliza, ele tem de abandonar uma estrutura bastante hierarquizada.
“A segurança é sempre um fator de risco para um desmobilizado de guerrilha. Ele se torna alvo do próprio grupo, porque passa a ser visto como ameaça, por todas as informações que têm e que pode passar ao governo em troca de redução de pena em caso de processos judiciais”, explica Tobón.
Garantir segurança é só um dos problemas. Tanto analistas independentes quanto os profissionais do governo que trabalham na reintegração concordam que a desmobilização dos guerrilheiros das FARC é bastante complexa também pela rejeição da sociedade para com o grupo.
“Nos últimos anos, pelas ações impopulares contra civis e pela própria propaganda antiterrorista do governo, as FARC cairão no descrédito da população”, levanta o analista.
Da mesma opinião, partilham agentes que trabalham neste processo de reintegração dos desmobilizados. Profissionais que atuam na reintegração contam que quem sai da guerrilha enfrenta preconceito da sociedade.
“As empresas não querem receber ex-guerrilheiros como empregados e ninguém quer ter como vizinho alguém que era das FARC. Um desmobilizado se parece aos ex-detentos na forma como são tratados pela sociedade”, adverte Martha Arteaga, diretora do Centro de Serviço da ACR.
Além do preconceito, o processo de readaptação em si não é tarefa fácil. Martha trabalha em um projeto piloto que busca integrar não só o desmobilizado como também a sua família à nova realidade e à comunidade local.
Paz consolidada
Um consenso é que a reintegração social de desmobilizados é fundamental para o sucesso de um processo de paz na Colômbia.
O analista Alonso Tobón lembra que o custo financeiro para reintegração é alto e envolve muito trabalho. Mas, segundo ele, é melhor investir nisso que correr o risco de que o índice de desmobilizados não integrados seja elevado.
“É claro que parte dos desmobilizados não vai se reintegrar, vai optar pela marginalidade. Mas este índice deve ser o menor possível. Não podemos repetir erros anteriores e permitir que gangues criminosas se fortaleçam, gerando mais violência urbana e novos grupos como as Bacrim” pondera Tobón.
Por outro lado, Martha Arteaga adverte que a sociedade também precisa ser envolvida neste processo, com campanhas de conscientização da opinião pública para a importância de “receber” os desmobilizados e apoia-los neste processo de reintegração.
“Por mais rancor que a sociedade tenha da guerra e de seus efeitos, todos terão de avaliar sua própria disposição para perdoar e para aceitar de volta os ex-guerrilheiros. É um preço coletivo, que todos teremos de pagar para ter a paz”, completa Arteaga.
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