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São muitas as mensagens de protesto deixadas nas paredes de Atenas, assim como se multiplicam ao olhar mais atento as pinturas elaboradas, coloridas e assinadas por novos nomes da arte urbana grega.
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Seguir seus passos levam a duas trilhas: as ruas íngremes de Exarchia e as ruelas escuras de Gazi e Metaxourgio, regiões tomadas pela efervescência de estudantes e artistas, que com zero vigilância policial se apropriaram das paredes e caminhos para expressar o que sentem.
A cultura do graffiti é predominante em Gazi e Metaxourgio, no trecho que liga o metrô Keramikos à Escola de Belas Artes de Atenas. Foi ali que a reportagem do Opera Mundi marcou um encontro com o arquiteto e artista urbano b. (como é conhecido nas ruas), de 30 anos, que gentilmente guiou os olhares pelas avenidas e ruelas da região.
b. tem um estúdio com mais dois amigos, já expôs na Bienal de Veneza e é representado pela galeria Opera, de Nova York. Pinta desdea adolescência, quando começou desenhando nos vagões de trens – a linha verde, suburbana, é toda colorida em pichos – e nunca mais parou. Num passeio de duas horas, seus personagens surgem com frequência, quase sempre de pele amarela e traços geométricos, alegres.
Enquanto caminhamos, b. explica os diferentes estilos e comenta o planejamento urbano da cidade, como cada canto tem uma personalidade. Personalidade, aliás, que não falta à Atenas e seus artistas. A plataforma ultrapassa o muro e ganha escadarias, monumentos, qualquer porta de ferro ou garagem. Não há um olhar único nem cores que se repetem. A cena urbana da capital grega é criativa.
“Se você quer ver um trabalho mais elaborado, tem de vir para Gazi, onde está a maior concentração de artistas que transitam em técnicas e arriscam inovações. É aqui também que os artistas de outros países procuram colorir”, disse b.
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Gazi é conhecida hoje por seus bares e cafés modernos. De fato, ali encontramos pinturas sofisticadas e nomes fortes que se revezam em murais – basta olhar para o alto e trombar com os brasileiros Osgemeos, Nunca e Nina Pandolfo.
Entre os gregos, estão no roteiro trabalhos de KRAH, Spit e Sonk. Sem contar BLAQ que, de forma interessante, constrói linhas com letras e preenche até portões de casa só na caligrafia.
Rumo ao centro, as ruas vão se afunilando e os desenhos se transformando. A partir de Metaxourgio – onde há uma espécie de cracolândia, que deixa às claras a crise social grega – as mensagens são menos ilustradas e subjetivas. O descontentamento com a situação do país é evidente, assim como a solidariedade aos imigrantes, que chega muitas vezes em poesia ou recado direto à ascensão fascista no país.
Anarquia nas paredes
Caminhar por Atenas é também sentir essa tensão que vem dos muros. O campus Politécnico, em Exarchia, é o berço do anarquismo e palco de acontecimentos que mudaram o rumo do país no século 20.
Na universidade – onde a polícia foi proibida de entrar a partir de meados da década de 1970, quando um protesto estudantil contra o governo militar resultou em tanque nos portões e vários estudantes baleados -, o spray toma conta, está por toda parte gritando anti-autoridade.
Exarchia, bairro vizinho, também é boêmia e vibrante, onde várias tribos dividem espaço. Ali, o número de pichações por metro quadrado é surpreendente, vai do bueiro ao terraço, cruza todas as fachadas sem respirar.
Em dezembro de 2008, um estudante anarquista de 15 anos foi baleado e morto pela polícia. Alexis Grigoropoulous é até hoje sinônimo de revolta. Na esquina do episódio, um memorial segue na parede, ao lado de várias frases sem perdão. “Daquele dia em diante, a pichação aumentou muito no bairro e hoje podemos dizer que o maior número de mensagens antissistema estão em Exarchia”, contou b.
Nos pilares de mármore, em esculturas e monumentos, toda a cidade recebe essa forma de expressão. Curioso é ver que, mesmo sendo uma arte efêmera, os recados antigos não somem, mas se atropelam entontecendo os passantes.
Máscaras de gás estilizadas estão pintadas em várias ruas. E não são menos reais do que as que se vê em dias de fortes protestos. Na arte, seja ela política ou não, em Gazi ou Exarchia, Atenas pulsa em centenas de batimentos por minuto.