Segundo o Banco Mundial, Hyderabad é a segunda melhor cidade da Índia para os negócios. O ambiente e a modernidade que se respiram nessa capital sulista são melhores que em Mumbai, Calcutá ou Délhi. Isso vale para as grandes plantas de montadoras de automóveis, para a produção de software ou de tecidos de qualidade internacional. Talvez em parte por esse motivo, muitos dos habitantes do estado de Andhra Pradesh protestam porque seu território será dividido para criar Telangana e, por dez anos, Hyderabad, situada no novo estado, será a capital de ambos, que dividirão entre si benefícios e gastos.
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Na Índia, é costume criar estados para delimitar línguas e identidades, mas Telangana parece ser um caso diferente. Ninguém pode explicar por quais motivos ele foi criado, ainda que muitos periódicos e organizações locais em Andhra Pradesh apontem para as eleições gerais de 2014: aprovando o novo estado, o atual governo pretende ganhar votos em uma área que não lhe favorece há pelo menos uma década.
[Localização de Telangana na Índia]
Olhando de fora, tudo parece uma decisão salomônica: 10 distritos serão Telangana e os 13 restantes serão Andhra Pradesh ou Seemandhra. Telangana teria, de saída, cerca de 40 milhões de pessoas (é como criar um estado de São Paulo hoje), em sua maioria falantes [da língua] telugu e com uma presença minoritária de muçulmanos. Mas, no território restante, também há uma maioria telugu (entre 44 milhões de pessoas), com uma minoria de muçulmanos.
De toda forma, dezenas de organizações sociais, sindicatos e partidos políticos têm protestado há 70 dias, desde que começou o processo de criação estatal que recebeu o aval do governo de Manmohan Singh há três semanas.
Em outubro, foram bloqueadas as vias dos trens. Vários milhares de pessoas se amotinaram nas ruas e o protesto mais notável foi o dos trabalhadores da companhia estatal de energia elétrica, que deixou o estado às escuras durante vários dias, pondo inclusive em risco a rede nacional de eletricidade.
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[Na cidade de] Vizianagaram, a polícia teve de usar balas de borracha para dispersar as pessoas. O governo declarou toque de recolher e somente o suspendeu para celebrar as festividades religiosas de Dasara [um dos mais importantes festivais hindus] entre 9 e 19 de outubro. Não houve mortos, porém 20 ficaram feridos e centenas foram presos pelos distúrbios.
O estado dos sindicatos
No último dia 18 de outubro, os funcionários estatais que não têm contratos definitivos suspenderam a greve, depois de o governador de Andhra Pradesh, Kiran Kumar Reddy, assegurar que ele, em pessoa, liderará as mobilizações e toda a negociação para deter a divisão do estado. Não houve penalizações e a greve foi considerada uma licença coletiva com gozo de salário.
Há outro sindicato que também protesta desde julh, e deixou Andhra Pradesh sem transporte público. Os trabalhadores da corporação estatal de transporte rodoviário (22 mil ônibus) mantiveram uma greve de 60 dias, até que o governo do estado negociou com eles a volta ao trabalho. As perdas provocadas por esta greve chegam a 9,2 milhões de dólares (sendo que a passagem mais barata pode custar menos de oito centavos e a mais cara, até 50 centavos de dólar).
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“Passamos apertos”, diz um dos dirigentes ao Opera Mundi, de forma anônima, “e, mesmo tendo voltado ao trabalho, não sabemos o que será de nós. Com a divisão, nossas fontes de trabalho estão em risco. Não pudemos celebrar Dasara como queríamos”. De fato, a sensação de insegurança trabalhista que vivem milhares de trabalhadores os levou a fazer greve de fome em setembro.
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Distrito financeiro de Hyderabad; cidade vai ser capital dos dois estados por pelo menos dez anos
Por causa dela, morreram seis trabalhadores. O mais conhecido é Somasekhar Raju, um supervisor de tráfego que, enquanto participava da greve de fome, sofreu uma parada cardíaca devido à tensão e à ansiedade.
Dos outros cinco, três eram motoristas (um era Ramaiah N, o outro, um motorista eventual do povo de Narasipatnam, e o terceiro, Naga Munaiah), dois eram funcionários de limpeza (Ramaraju, do depósito na cidade de Nellore, e NC Raju, da cidade de Palakonda). Dois tiveram AVCs, outro morreu também de parada cardíaca e o sindicato investiga a morte do motorista eventual. “Mas tudo nasce da greve”, repete o dirigente sindical. “Que fariam meus companheiros senão buscar trabalhinhos como garçons ou mensageiros ou faxineiros de hotéis? Deixamos de receber salário em setembro”, explica. “Foi tão delicada nossa situação que pensamos que iríamos morrer de fome, sobretudo os eventuais”.
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Depois de suspender a greve, o sindicato de trabalhadores de transporte rodoviário recebeu seus salários passados sem cortes ou represálias. Mas ninguém parece se ocupar dos seis mortos. “Estamos negociando, mas os políticos estão preocupados com outros assuntos”, conclui o dirigente.
Políticos ocupados
Enquanto tudo se agita em Andhra Pradesh, os dois principais partidos nacionais (o Partido do Congresso e o Partido do Povo Indiano (Bhartiya Party, BJP) já criaram representações estatais em Telangana. E em todos os lugares se opina e se critica os “separatistas” ou os “conservadores.”
Os “separatistas” ainda não organizaram manifestações, mas muitas organizações pró-Telangana manifestaram seu apoio ao atual governo. E, no Parlamento, enquanto se negociavam os anos durante os quais Hyderabad seria capital de dois estados, corporações como a Volkswagen fechavam seus projetos industriais na cidade e o valor de algumas empresas locais na bolsa caíam profundamente na bolsa. Índia tem um novo, pobre estado.