Décadas depois, mexicano Raúl González Pérez volta ao mesmo Mar Cortez para fotografar a vida marinha
Apoie a imprensa independente e alternativa. Assine a Revista Samuel.
Durante dez anos, dois amigos norte-americanos planejaram uma viagem de barco pela península da Baixa Califórnia, no México. O material sobre as mais de 600 espécies marinhas coletadas durante a expedição seria reunido em um livro. Combinando a expertise de um biólogo e o talento de um futuro Prêmio Nobel da Literatura (1962), a obra já tinha seu sucesso editorial garantido. Não contavam apenas com um pequeno percalço: no meio do caminho, a Segunda Guerra Mundial.
Era 7 de dezembro de 1941. No mesmo dia em que estreou nas livrarias a primeira edição de Sea of Cortez: a leisurely jornal of travel and research (“Mar de Cortez: diário de viagem e investigação”, sem versão em português), as forças japonesas atacavam a base militar dos Estados Unidos em Pearl Harbor, Havaí. Após o evento, o país entrou de vez na guerra, frustrando a tentativa inédita do escritor John Steinbeck e do biólogo marinho Edward Ricketts de fazer a nação conhecer a região praticamente despovoada hoje conhecida como “o aquário do mundo”.
Passada uma década, período no qual assistiu o colega Ricketts morrer atropelado em um acidente de trem, o escritor Steinbeck decidiu voltar ao tema e escrever um segundo livro, The log of Sea of Cortez, que rapidamente alcançou os 100 mil exemplares vendidos. Impulsionado por alguns outros sucessos editoriais — Ratos e homens (1937) e As vinhas da ira (1939), que ganhou versão nos cinemas e é considerada sua obra-prima —, Steinbeck tornou-se um ícone cultural na Califórnia e no país. No entanto, o próprio autor reconhece que suas obras sobre a expedição marinha têm uma grave lacuna: não há sequer uma fotografia sobre as criaturas encontradas.
É com essa motivação que o mexicano Raúl González Pérez decidiu, sete décadas depois, içar as velas e sair em busca dos bichos marinhos perdidos.
A trajetória acima, realizada por Steinbeck e Ricketts em 1940, durou seis semanas e passou por 50 pontos da costa
Enquanto a expedição original, de 1940, durou seis semanas a bordo do barco de sardinhas Western Flyer e atracou em mais de 50 pontos pela costa mexicana, a investigação de González Pérez foi diferente. Em 12 expedições distintas ao longo de dois anos, o fotógrafo velejou somente para os locais onde há notícias de maior biodiversidade.
O método também foi diferente. Há 70 anos, a abundância da fauna possibilitou que a dupla retirasse do oceano, empacotasse e transportasse as criaturas para o continente. Hoje, com a situação de risco do ecossistema e a preocupação com a preservação ambiental, González Pérez teve o cuidado de extrair cada um dos animais vivos do mar, fotografá-los no próprio barco e devolvê-los à agua. Tudo isso em poucos minutos.
Nome conhecido no meio publicitário mexicano, González Pérez — cujas imagens já passaram também pela capa da revista Rolling Stones, além de receber prêmios por fotografar através de um microscópio — compensou a falta do registro de imagens levando ao golfo da Califórnia os equipamentos mais avançados disponíveis. Assim, clicou inúmeros invertebrados utilizando-se do efeito ótico que a luz produz quando percorre a água: estrelas-do-mar, caracóis, ouriços, caranguejos e plânctons.
“Me dei conta de que a vida marinha deve ser fotografada dentro d’água, submergida em seu próprio meio”, relata o fotógrafo à revista mexicana Emeequis. “Em locais secos, a luz é distinta e os bichos aparecem molhados, dando a impressão de que são fotos para um cardápio de sushi.”
O resultado final da expedição são 56 lâminas expostas no Museu de História Natural de San Diego [nas duas imagens ao lado]. A exposição em cartaz durante o mês de maio não é um acervo de fotos comum. Após um árduo trabalho de ilustração, as imagens parecem que foram impressas sobre um papel feito à mão. Por entre as folhas que servem de suporte, Raúl González Pérez procurou esconder a silhueta de um punhado de ilhas da região ou rabiscar o rastro deixado pelo GPS. “As lâminas estão cheias de segredo”, revela o autor das fotos, setenta anos atrasado.
NULL
NULL