Opera Mundi republica neste domingo (04/02) um texto do segundo número da revista Atenção!, que circulou nos meses de dezembro de 1995 e janeiro de 1996. Neste texto, o então editor-chefe do veículo, Giancarlo Summa, entrevista Erich Priebke, ex-oficial nazista (então com 82 anos) acusado de participar do massacre de 335 pessoas em Roma, em 1944. O ex-oficial vivia na Argentina e estava, então, prestes a ser extraditado para a Itália. Priebke morreu em 2013, aos 100 anos, cumprindo prisão domiciliar em Roma.
A revista Atenção! teve 13 números e seu diretor de redação era o fundador de Opera Mundi, Breno Altman. Entre os colaboradores e colunistas da revista, estavam Gilberto Maringoni, Eduardo Galeano, Simone Biehler Mateos, Manuel Vázquez Montalbán, Plínio de Arruda Sampaio, Rosane Pavam, Aimar Labaki e outros.
Roma, 23 de março de 1944. Na cidade ocupada pelas tropas alemãs, um comando de partisans prepara um atentado. Em via Rasella, uma pequena rua do centro, explode um cesto de lixo recheado com 12 quilos de dinamite, matando 33 soldados do batalhão Bozen. De Berlim, Hitler ordena uma represália feroz: por cada soldado morto, dez italianos têm que ser fuzilados. O comandante da SS – as tropas de elite nazistas -, coronel Herbert Kappler, é encarregado de preparar o massacre. Seu braço direito é o capitão Erich Priebke, oficial conhecido pela sua eficiência e seus sucessos galantes com as jovens atrizes romanas. Os nomes dos condenados são escolhidos entre os prisioneiros das SS e da casa de detenção pública de Regina Coeli. São, no total, 335 pessoas, cinco a mais do que Hitler tinha pedido. Destas, 75 são judeus, quatro adolescentes, muitos anciãos. A chacina começa às 15h30 do 24 de março. As vítimas são conduzidas às Fossas Ardeatinas, um complexo de minas abandonadas , e mortas com uma bala na nuca. Priebke confere os nomes das vítimas na lista preparada pelo comando. O capitão Kurt Shitz comanda as execuções: “Preparar, apontar, fogo!” A certa altura, o próprio Priebke mata um prisioneiro com um tiro à queima-roupa. Depois, vai embebedar-se junto com os outros oficiais.
Buenos Aires, 3 de novembro de 1995. Depois de uma batalha legal de 18 meses, a Corte Suprema argentina aceita o pedido de extradição de Priebke, formulado pelo governo italiano. Por quase meio século, o ex-capitão nazista tinha vivido tranquilo, com seu verdadeiro nome, em Bariloche, renomeado centro turístico de montanha no sul do país. Onde, em sua confortável casa, concedeu esta entrevista exclusiva a Atenção! na véspera da extradição.
Atenção!: O senhor sabe que a Itália quer processá-lo pelo massacre das Fossas Ardeatinas?
Erich Priebke: Sim, conheço a acusação.
Atenção!: O que foi que o senhor fez exatamente naquele 24 de março de 1944?
Erich Priebke: Temos que começar pelo dia anterior naturalmente, pelo atentado da Rua Rasella. Eu era o oficial de ligação no escritório de Kappler, quando ainda estávamos na embaixada alemã em Roma. Depois do setembro de 1943, quando a Itália assinou o armistício com os aliados e se formou o Comando de Roma, Kappler confiou-me o cargo de oficial de ligação. Isso significa que eu não pertencia a nenhuma divisão, estava diretamente sob suas ordens. Tinha meu próprio escritório, não precisava de tradutor porque falava bem o italiano, e permanecia com meu cargo anterior: ligação com instituições e autoridades italianas, particularmente com o Ministério do Interior. Quando o comando começou a efetuar as primeiras prisões – tínhamos uma pequena cadeia, na Rua Tasso – o Vaticano se interessou pelos presos, e enviou um intermediário. Era o superior da ordem dos Salvatorianos em Roma, dom Pancrácio Pfeiffer. Ele vinha duas ou três vezes por semana. Por vezes falava com Kappler, mas na maioria das vezes falava comigo. Era meu trabalho. Eu não tinha nada a ver com as prisões e os interrogatórios, não conheciam nenhum prisioneiro.
Atenção!: Qual foi, então, o seu papel no massacre?
Erich Priebke: Na noite do dia 23, Kappler recebeu a ordem de represália do quartel-general de Hitler, através do marechal Kesserling, o comandante das tropas alemãs na Itália, e do comandante de Roma, Meltz. O chefe da divisão 4, o capitão Kurt Shitz, e seus homens deveriam preparar a lista, porque eles tinham efetuado as prisões e conheciam a história de cada um dos presos. O coronel Kappler os encarregou da completa organização da represália. Nenhum de nós queria fazer aquilo. Éramos funcionários da polícia, sequer andávamos armados. Mas as ordens eram as seguintes: “A polícia tem os reféns, a polícia tem que fazer a represália.” Nós não soubemos nada, até que nos chamaram para ir às Fossas Ardeatinas. Eu estava no primeiro grupo e me encarregaram de controlar a lista.
Atenção!: Foi o senhor que verificou, um por um, os nomes…
Erich Priebke: Não, não. Eles desciam dos caminhões e, enquanto passavam, um oficial ou um suboficial me dava os nomes das vítimas. Quando a execução ainda nem estava na metade, fui com um grupo nosso que deveria voltar a Roma para substituir os camaradas que haviam ficado no escritório. Todos os membros do grupo tinham de participar da execução.
Atenção!: Não foi por sua responsabilidade que foram fuzilados cinco pessoas a mais?
Erich Priebke: Absolutamente não. É uma acusação falsa. A razão deve ser que tudo foi feito na última hora. Como dizia, eu tinha voltado para Roma muito antes. Cheguei em meu escritório por volta das 17h30, pois às 18h dom Pfeiffer ia chegar mais uma vez.
Atenção!: O senhor matou?
Erich Priebke: Um só.
Atenção!: E quem foi que matou, o senhor se lembra?
Erich Priebke: Não, não.
Atenção!: Usou sua automática?
Erich Priebke: Sim, minha pistola, mas não lembro quem era. Estávamos tão nervosos, tão ensurdecidos… Não me lembro de nada. Para mim essa execução foi uma tragédia pessoal. Tinha vivido na Itália em 1933 e 1934, quando aprendi a falar italiano, e desde então a Itália, junto com o seu povo, era o meu país favorito. Em Roma tivemos muitos amigos, muitos bons amigos. Vivemos lá durante anos, eu e a minha família.
Atenção!: Que lembranças têm do massacre?
Erich Priebke: Nenhuma, porque era horrível. Fiquei feliz quando pude ir embora.
Atenção!: Os gritos, os disparos…
Erich Priebke: Isso acontecia dentro das minas, eu estava fora. Entrei uma só vez, mas era tão impressionante, tão horrível… Apesar de aqueles homens que estavam para morrer serem da Resistência, sabíamos que nunca haviam sido condenados à morte.
Atenção!: O que vocês fizeram na noite do massacre?
Erich Priebke: Penso nisso há muito tempo, mas não me lembro. Sei que todos estavam tão impressionados… Alguns beberam, ficaram bêbados. Eu, eu… Não me lembro. A coisa impressionante é que ninguém entre nós falava sobre esse assunto.
Atenção!: Como foram escolhidas as vítimas?
Erich Priebke: Pelo que eu ouvi, todos os que estavam na prisão era da Resistência, eram partisans. Infelizmente, digo hoje, eram partisans da linha de Badoglio [o general monarquista que assinou o armistício da Itália com os Aliados], porque os comunistas estavam mais bem organizados, e não era assim tão fácil se infiltrar nas organizações comunistas quanto na organização badogliana. Assim os italianos perderam muitos bons oficiais; homens excelentes perderam suas vidas na represália.
Atenção!: O senhor diz que as vítimas era partisans. Mas foram mortos civis também: havia velhos, mulheres e crianças.
Erich Priebke: Mulheres não, nenhuma.
Atenção!: Crianças, adolescentes…
Erich Priebke: Crianças não. Uma menina de 5 anos morreu no atentado. Se alguma criança foi morta nas Fossas Ardeatinas não foi por nós, porque não havia crianças em nossas prisões. As vítimas vinham da prisão da Rua Tasso, de uma prisão do exército alemão e um grupo – de oitenta, noventa pessoas – que Caputo [chefe da polícia italiana em Roma] tinha que mandar alguma criança, isso eu não sei.
Atenção!: Lembra-se da prisão de Rua Tasso?
Erich Priebke: Sim.
Atenção!: Um oficial italiano declarou que o senhor batia nos prisioneiros com um soco inglês.
Erich Priebke: Este homem está enganado. Nunca tomei parte de um interrogatório, nunca. Não era o meu trabalho.
Atenção!: O senhor afirmou: “Eu não tenho nada a ver com isso, só cumpri ordens.” É isso mesmo?
Erich Priebke: Tínhamos que cumprir ordens, todos tinham que fazê-lo. Kappler não podia negar a represália, e nós não podíamos nos recusar a participar. Estávamos em guerra, e essa era a regra dos militares. Quando chegamos às Fossas Ardeatinas, Kappler nos reuniu e disse: “Se alguém tiver a ideia de não querer atirar, vai acabar no grupo das vítimas e vai ser fuzilado.”
Atenção!: Senhor Priebke: dia primeiro de junho de 1944 em La Storta, nas proximidades de Roma. Lembra-se desta data?
Erich Priebke: O que foi que aconteceu?
Atenção!: As SS estavam transferindo alguns prisioneiros para Bolonha e, segundo alguns testemunhos, o senhor estava lá. Um caminhão quebrou, e quatorze italianos, entre os quais estava Bruno Buozzi, o fundador do sindicato italiano CGIL, foram fuzilados.
Erich Priebke: Nosso grupo deixou Roma em 2 de junho. Eu fiquei com o major Hass, não me lembro da data exata, no campo de concentração de Mathausen, nas proximidades de Linz, onde o filho de Badoglio estava preso, num pavilhão especial, onde também estava o filho de Stálin. O filho de Bodoglio havia sido preso em Roma, e fora transferido para lá; Hass e eu deveríamos interrogá-lo. Voltamos de Mathausen na noite entre o dia 1º e o dia 2 de junho.
Atenção!: Depois o senhor esteve em Brescia. Quando? Em agosto de 1944?
Erich Priebke: Sim, suponho que sim.
Atenção!: O senhor não tem nada a ver com o fuzilamento de cinquenta prisioneiros em Brescia, naquele mês?
Erich Priebke: Nunca, não, nunca.
Atenção!: O senhor foi feito prisioneiros dos aliados em maio de 1945. Como foi?
Erich Priebke: Bem, quando a guerra estava para terminar, eu tinha que me retirar de Brescia e ir para Bolzano. Quando chegamos, me apresentei ao general Hartz, que era nosso chefe, e ele me disse: “Muito bem, camarada Priebke, a guerra acabou e cada um deve se virar para conseguir voltar para casa.” Comuniquei isso aos meus homens, e cada um foi para um lado. Com meu carro, dirigi-me para Vipiteno, onde minha família vivia. No dia seguinte chegou um tenente americano, e me disse para acompanhá-lo ate Bolzano, porque o general Wolff estava lá, querendo reunir seus homens. No dia 13 de maio, era um domingo, chegaram os americanos, que nos levaram como prisioneiros para Bolonha, e em seguida para Rimini. O de Bolonha era um campo provisório, enquanto que o de Rimini era um campo enorme com mais de 200 mil prisioneiros alemães.
Atenção!: O senhor fugiu de Rimini no dia 31 de dezembro de 1946.
Erich Priebke: Fiquei vinte meses nos campos de prisioneiros, em Rimini, Ancona, Afragola, e novamente em Rimini. Vinte meses pareceram-me muitos. Certa vez perguntaram-me sobre o assunto de Roma, mas sem acusações, só queriam saber algumas coisas. Com outros camaradas que pensavam como eu – vinte meses já eram suficientes – fugimos. Dois dias depois da fuga cheguei em Vipiteno, fiquei ali com minha família até emigrarmos para a Argentina.
Atenção!: Como chegou na Argentina?
Erich Priebke: Teríamos gostado de voltar para Berlim, mas a cidade estava tão arrasada que desistimos. Devíamos decidir para onde ir, até que, por meio da Igreja Católica, chegou a oferta de irmos para a Argentina. Um franciscano que eu conhecera no campo de prisioneiros ofereceu-me a entrada na Argentina. Aceitamos, vendemos as últimas coisas que tínhamos para pagar a viagem e viemos para cá.
Atenção!: Com que passaporte?
Erich Priebke: Um passaporte com meu nome verdadeiro da Cruz Vermelha Internacional, naturalmente: não havia mais passaportes alemães.
Atenção!: O senhor disse ter sido ajudado pelo bispo austríaco Alois Hudal.
Erich Priebke: Sim, na hora de fazer os passaportes. Mas antes disso foi o franciscano, que nos contatou e que conseguiu a livre entrada na Argentina. Só então os passaportes foram confeccionados.
Atenção!: O passaporte lhe foi entregue pelo bispo?
Erich Priebke: Não vi o bispo, havia um funcionário.
Atenção!: O senhor acha que o Vaticano sabia dessas ajudas?
Erich Priebke: Não tenho ideia. Não tive contato nenhum, a não ser com essa pessoa que havia me indicado em Roma.
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Atenção!: O papa Pio XII não sabia de nada?
Erich Priebke: Não tenho ideia. Hoje se pode dizer uma porção de coisas, naturalmente. Tenho um dossiê de dom Graham, o historiador do Vaticano, sobre dom Pfeiffer, onde também aparece meu nome, em que se diz que ele veio até meu escritório. Esse documento fala dessas coisas, diz que o papa não via com bons olhos… Mas eu não tenho ideia.
Atenção!: Quando o senhor trabalhava na Rua Tasso, quais eram as relações com o Vaticano?
Erich Priebke: As comunicações se davam através do dom Pfeiffer. Somente uma vez nos surpreendemos. Um informante que tínhamos no Vaticano – um funcionário civil, não dom Pfeiffer – nos comunicou que um dirigente comunista estava escondido com certa família de Roma. Quando nossos homens chegaram para prendê-lo, descobriu-se que ele era Mario Badoglio. Isso significa que o Vaticano nos entregou o filho de Badoglio. As relações entre o Vaticano e Badoglio não eram das melhores, aquilo foi uma pequena vingança.
Atenção!: O Vaticano se mexeu para salvar os judeus romanos?
Erich Priebke: Não sei. Dom Pfeiffer vinha sempre, apresentou uns quarente casos de prisioneiros, e acho que uns 25, ou 28 foram favoráveis, e essas pessoas foram soltas. Em nossa prisão, se havia um judeu não era por causa de sua raça, mas por causa de sua atividade de combatente da Resistência. Nunca fizemos ações contra os judeus, nós do comando de Roma. A certa altura, chegou um comando em Roma para uma blitz contra os judeus, mas nós não tínhamos nada a ver com isso. Minha impressão é de que o grupo de judeus mortos nas Fossas Ardeatinas veio da prisão italiana.
Atenção!: Voltando à Argentina. O governo do general Péron ajudou, deu-lhes cobertura?
Erich Priebke: Não, abriu suas portas e só isso. Não havia nem a rota dos ratos [assim foi batizada a rede de monastérios e navios utilizada pelo Vaticano e pelos aliados para ajudar a fuga dos nazistas para a América Latina], nem Odessa [A organização secreta de ajuda entre nazistas], nem nada. Quando cheguei aqui com minha mulher e meus dois filhos, a única coisa que eu tinha nos bolsos eram minhas mãos.
Atenção!: O que o senhor fez aqui?
Erich Priebke: Primeiro trabalhei como garçom, depois como maître de hotel, e em 1959 tive a possibilidade de comprar uma pequena salsicharia. Tenho uma boa relação com as pessoas, além do que conhecia queijos e frios. Em pouco tempo tornou-se uma das melhores lojas do gênero em Bariloche. Então conseguíamos juntar um bom dinheiro. Com esse dinheiro compramos esta casa, sempre trabalhando das oito da manhã, às dez da noite.
Atenção!: O senhor também foi presidente da Associação Alemã de Bariloche.
Erich Priebke: Desde 1959 faço parte do comitê de direção da Associação Cultural Alemanha-Argentina. Quando tinha a salsicharia, não tinha muito tempo para dedicar a isso, mas quando meu filho voltou da Alemanha com sua mulher, ele passou a me ajudar na loja, então pude participar um pouco mais. Como aposentado, pude dedicar muito tempo para a escola alemã. Durante muitos anos fui vice-diretor, e de 1986 em diante presidente da Associação.
Atenção!: Com seu verdadeiro nome? Então todos sabiam quem era.
Erich Priebke: Naturalmente.
Atenção!: Nunca encontrou seus ex-camaradas aqui em Bariloche? Aqui havia muitos deles, procurados no mundo todo.
Erich Priebke: Não havia ninguém das SS. E Além do mais há muitas mentiras…
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Antiga prisão da rua Tasso, em Roma, onde hoje funciona o Museu da Reistência
Atenção!: Menguele, o “anjo da morte” de Auschwitz, viveu aqui pelo menos por um ano.
Erich Priebke: Pode ser, mas certamente não aqui em minha casa. Quando a guerra acabou, para mim também acabou o nazismo. Entende? Quando éramos jovens e idealistas eles nos enganaram completamente. Cada um de nós perdeu muito com o fim da guerra, e eu não queria mais nem saber de política. Quando hoje escrevem que eu sou um nazista, um ex-nazista… É uma coisa tão boa.
Atenção!: O senhor foi filiado ao partido nazista, não foi?
Erich Priebke: Filiei-me em 1933. Quando ia para a Itália, veio uma pessoa de Gênova pedindo que eu me filiasse ao partido. Naturalmente, naquela época eu acreditava no nazismo, tinha 20 anos.
Atenção!: O senhor era um dirigente do partido?
Erich Priebke: Dirigente? Não, nunca. Nunca participei das atividades do partido e das SS, em nível político.
Atenção!: O que pensava de Hitler e da ideologia nazista?
Erich Priebke: Como milhares e milhares de pessoas, pensava que Hitler acabaria sendo um salvador, que recuperaria as terras alemãs perdidas depois da Primeira Guerra Mundial, que daria trabalho para todos. Como na Itália, quando chegou Mussolini; todos o aclamavam. E até 1939, na Alemanha, tudo funcionava perfeitamente.
Atenção!: O senhor não tem remorsos.
Erich Priebke: Veja, durante toda a minha vida, em minha alma ficou o fato de ter matado uma pessoa que eu não conhecia, que não tinha me feito nada de mal, e que… Foi uma tragédia pessoal, não somente para mim, mas para alguns de meus camaradas, que viveram na Itália por muitos anos. Matar uma pessoa é como matar um irmão, se você tem muitos amigos lá.
Atenção!: O senhor não acredita ter cometido crimes contra a humanidade?
Erich Priebke: Não, não. Os autores do atentado são os responsáveis pela morte de 335 homens. Se o atentado não tivesse acontecido, não teria havido represália. Isso é claro. A represália, dessa forma, foi reconhecida como legal pelos tribunais. Houve um processo contra Kesserling, um processo contra Kappler, e depois outros de que não me lembro, que sempre disseram que, segundo as leis internacionais de guerra, essa represália era legal.
Atenção!: O senhor sabe que nesse período há na Alemanha, na Europa, muitos movimentos que se remetem ao nazismo. Qual a sua opinião sobre esses neonazistas?
Erich Priebke: É uma loucura, Mas não os considero neonazistas, diria antes que são jovens que não sabem o que fazer. Na juventude sempre houve rebeldes.
Atenção!: Hoje, no que o senhor acredita?
Erich Priebke: Creio em Deus, nada mais. Gostaria que todos no mundo vivessem tranquilos como nós aqui em Bariloche. É um grupo de onze comunidades europeias, que outrora não eram tão amigas. Hoje convivem juntos os italianos e os croatas, os eslovenos, os bascos com os espanhóis… É assim que deve ser: deve existir tolerância.
Atenção!: O senhor não tem que pedir perdão para ninguém?
Erich Priebke: É uma pergunta difícil. Se soubesse quem era o morto, pediria desculpas a sua família, mas eu não sei quem ele era. Carreguei isso dentro de mim a vida toda, sempre foi doloroso. Mas aconteceram tantas coisas. Perdemos a guerra, o mundo ruiu em cima da gente… O que me parece absurdo, é que, depois de cinquenta anos, o Tribunal Militar de Roma venha com essa acusação. Tiveram todo o tempo para me acusar antes, e nunca o fizeram. Em 1950 apareceu na revista Tempo, de Milão, um longo artigo sobre a fuga de Ciano [o genro de Mussolini] de Roma para Mônaco e sobre a minha participação em sua fuga. No artigo havia uma foto minha de uniforme, dizendo que hoje o ex-capitão Priebke trabalha como garçom numa cervejaria de Buenos Aires. Milhares de pessoas leram aquele artigo, e algum magistrado militar também, suponho.
Atenção!: Por que não quer ser processado na Itália?
Erich Priebke: Porque a acusação italiana é tão absurda e chega cinquenta anos depois. Na acusação, por exemplo, escreveram que eu era inencontrável desde 1946. Mas em 1946 ainda estava num campo de prisioneiros. Depois, até outubro de 1948, vivi em Vipiteno, com minha família e com meu verdadeiro nome. Desde novembro de 1948, eu vivo na Argentina como Erico Priebke. Viajei oito vezes para os Estados Unidos, sempre com o passaporte alemão, e nunca ninguém me importunou. Estive várias vezes na Alemanha, duas vezes na Itália. Em um dos pedidos dos italianos está escrito que eles procuram o major Hass, o capitão Shutz e Priebke. Pois bem. O Capitão Shutz viveu a vida toda na Alemanha, onde trabalhou como policial. O major Hass viveu por muitos anos em Roma – não sei se ainda está vivo – e da última vez que estive em Roma, em 1979 ou 1980, jantamos juntos, com nossas esposas. Desconfio dos italianos.
Atenção!: Seu advogado declarou que o senhor, pelo contrário, aceitaria ser extraditado para a Alemanha. Por quê?
Erich Priebke: Por saber que na Alemanha vou receber um tratamento normal. E, além do mais, para mim hoje é muito mais fácil falar em alemão do que em italiano.
Atenção!: O senhor hoje está com 82 anos. Como imagina seus próximos anos?
Erich Priebke: Como vou saber? Espero ser declarado inocente, viver os últimos anos em paz, com minha mulher.