Prisioneiros de uniforme listrado e roupa íntima cor-de-rosa nos fitam de seus beliches lotados sob o sol abrasador. Parecem querer intimidar. O xerife ignora, afinal, é seu território. Estamos numa cadeia-acampamento para imigrantes ilegais inaugurada no mês passado no estado do Arizona.
Joe Arpaio, de 76 anos, que se apresenta como “o xerife mais durão da América”, é o chefe da polícia do Condado de Maricopa, que inclui Phoenix, uma das maiores cidades dos Estados Unidos. É também uma das estrelas de Smile… You're Under Arrest! (Sorria… Você está preso!), novo reality show do Fox Channel que arma elaboradas operações com policiais à paisana para capturar pessoas procuradas.
Ele defende uma abordagem rígida da lei e da ordem contra o crime e a imigração ilegal. Sua mensagem é popular nesse estado conservador que faz fronteira com o México, como ilustra o fato de ele ter sido eleito xerife recentemente pela sexta vez consecutiva pela população do condado, com a maioria dos votos.
Mas os críticos o acusam de abusar de imigrantes ilegais detidos por violar as leis estaduais do Arizona, incluindo uma de 2005 que considera crime cruzar a fronteira sem autorização. Eles o veem como responsável pelos piores excessos cometidos pelo sistema de detenção da imigração dos EUA, que prende cerca de meio milhão de pessoas todo ano. Mais da metade acaba em prisões de condados administradas por xerifes locais.
De terno preto e camisa púrpura, cercado por seguranças, Arpaio parece ignorar essas críticas e os olhares hostis dos detentos quando entra confiante na primeira barraca e pergunta, em meio a um intenso movimento: “Como vocês não gostam de mim, se os abrigo numa boa barraca? Nossos homens e mulheres lutam por nosso país no Iraque e vivem em barracas. Qual o problema de criminosos condenados viverem em barracas?”
Morrendo de calor e de frio
Cerca de 350 imigrantes ilegais, a maioria latino-americanos, cumprem pena aqui antes de ser deportados. Brasileiros também já passaram pelo local. Um muro separa os imigrantes de outros 1.700 presos regulares dos EUA, que ficam em barracas instaladas pelo xerife há 16 anos, ao redor do prédio principal da penitenciária. As penas dos imigrantes variam de um dia a um ano e eles são abrigados em barracas militares descartadas. “Barracas são mais baratas do que expandir a prisão”, explica o xerife. Um grande ventilador é o único alívio contra temperaturas que podem atingir entre 45 e 50 graus no verão.
“É um inferno. A comida é horrível, quase sempre estragada. Nem mesmo meus cachorros comeriam isso. Nos sentimos humilhados, preciso sustentar meus filhos e não sei o que fazer”, diz um detento mexicano com trinta e poucos anos que prefere não ser identificado por temer represálias, embora admita que as prisões no México são piores. Ele foi preso por posse de maconha e provavelmente será deportado depois de cumprir a pena, apesar de alegar que vive nos EUA desde a adolescência e tem filhos americanos.
“O frio à noite é de congelar, há ratos por toda parte, não temos o que fazer aqui, nada de religião, atividades, nada. Há três dias, eles até colocaram aquilo”, acresenta um preso da Guatemala, apontando para uma cerca ao redor de um pequeno campo retangular ao lado do muro da prisão. Enquanto ele falava, ouviu-se uma algazarra vinda do outro lado do acampamento, onde prisioneiros gritavam para dois colegas que circundavam garrafas plásticas encravadas no chão e então corriam em direção à cerca. “Esta é nossa única atividade no dia todo, é horrível”, diz um prisioneiro.
Apesar do sofrimento, o estilo envolvente de Arpaio, de origem italiana, parecia seduzir alguns detentos, criando um clima mais relaxado no acampamento à medida em que o tempo passava. Ao fim da visita, ele chegou a dar autógrafos em cartões postais fornecidos pela prisão, que o mostravam ao lado de uma placa com o aviso “há vagas” em cor-de-rosa fluorescente e a rima: “If you don’t want to do the time… don’t do the crime” (Se você não quiser cumprir a pena… não cometa o crime).
O xerife aparece numa foto tirada quando inaugurou a prisão para condenados regulares, há 16 anos. “Quando ele morrer, isso valerá uma nota!”, gritou um preso para outros, em espanhol.
Leia a segunda parte:
Arpaio usaria cor da pele como critério para procurar imigrantes
Clique aqui para ver slideshow do centro de detenção.
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