Os Estados Unidos precisam respeitar os interesses do Haiti e aprender a consultar regularmente o Brasil nos assuntos relacionados à América Latina. A opinião é de Larry Birns, diretor do centro de análises sem fins lucrativos Conselho para os Assuntos Hemisféricos (Coha, na sigla em inglês), que fica em Washington. Ele considera o Brasil “quase uma superpotência regional” e acha que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, não pode ser considerado um paranóico pelas preocupações que costuma revelar em relação às mobilizações da Casa Branca na região.
Leia a entrevista concedida ao Opera Mundi.
Os Estados Unidos e o Haiti já tiveram seus caminhos cruzados várias vezes, como a ocupação por fuzileiros navais americanos entre as décadas de 10 e 30, o embargo nos anos 90 e o sequestro do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide há seis anos. Agora, com o terremoto, um novo encontro aconteceu. O que há de diferente desta vez?
Se por um lado os haitianos devem estar bem impressionados com o enorme socorro liderado pelos norte-americanos para salvar pessoas e reabilitar o país, por outro lado a impressão geral é de que esse auxílio tardou a chegar. Os primeiros três dias, quando a maioria das mortes ocorreram, foram marcados pela ausência de assistência, poucas vidas foram salvas. Assim como aconteceu com o furacão Katrina, em Nova Orleans, Washington demorou a agir.
E como o senhor vê a atuação do governo Obama neste momento?
Agora, claro, as coisas parecem estar acontecendo mais rapidamente. Mas, dado o histórico negativo de respostas ao longo dos anos, não é improvável que os EUA fracassem no papel de reconstruir o Haiti.
Apesar de o mote da campanha de Obama ter sido “mudança”, esta liderança norte-americana no Haiti dá uma sensação de déjà vu. Os Estados Unidos enviaram milhares de soldados para um país onde vigora uma missão da ONU comandada por outro país (no caso, o Brasil), tomou conta do aeroporto, desceu seus helicópteros no Palácio Nacional, jogou sacos de comida em pára-quedas para a população… Por que esse papel de nação dominante permanece? É um traço cultural?
Eu acho que Washington deveria começar a ser mais sensível à sensibilidade dos outros países.
O que os EUA deveriam fazer no Haiti especificamente neste momento?
Os EUA precisam respeitar os interesses do Haiti com a mesma intensidade que tentam impor seus próprios interesses. Obama tem que resistir à tentação de controlar as opções econômicas do país. Por tudo que o Haiti viveu no passado, especialmente no episódio envolvendo o ex-presidente Aristide, os haitianos deveriam insistir para que os EUA respeitassem a independência do país em suas ações. Isso deve incluir qualquer ideologia que o Haiti escolha.
E qual deve ser a maior preocupação da comunidade internacional depois que a fase de emergência passar?
A comunidade internacional não pode sucumbir prematuramente à “fadiga do doador”. Infelizmente, este é um fenômeno comum: a tragédia atrai a generosidade e grave preocupação da comunidade internacional, mas logo depois o mundo se cansa do assunto e, diante de outras tragédias, decide mudar sua lista de prioridades. Esta fadiga pode ser fatal para um país pobre como o Haiti e que sofreu um ataque tão forte da natureza.
Qual deveria ser o papel da ONU?
A ONU deve assumir um papel muito importante no tocante à contribuição, organização, entrega e distribuição de ajuda humanitária. Mas esse papel não pode ser abrasivo. Não se pode empurrar outras nações para fora das equipes de ajuda.
Assim como aconteceu no episódio das bases na Colômbia e nas eleições de Honduras, os Estados Unidos parecem ignorar o Brasil, que, justamente no Haiti, estava à frente da missão da ONU. Por que isso acontece?
Washington ainda não desenvolveu o bom hábito de consultar regularmente o Brasil, que é quase uma superpotência regional. Isso é ruim, porque cedo ou tarde Washington terá que fazer isso. E quanto antes, melhor.
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, vive dizendo que os EUA estão cercando seu país para um dia possivelmente invadi-lo. George W. Bush saiu, Barack Obama entrou e o protesto é o mesmo. O senhor acha que a preocupação é legítima?
Não acredito que isso vá acontecer agora, mas Chávez não pode ser considerado um paranóico. Basta lembrar que Washington já fez muitas vezes no passado coisas inacreditáveis.
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