Uma decisão surpreendente da Corte Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) impediu que migrantes fossem expulsos do Reino Unido na terça-feira (14/06). O primeiro voo saindo de Londres em direção a Ruanda, previsto pelo governo britânico, foi finalmente cancelado, impondo um revés humilhante ao primeiro-ministro Boris Johnson.
O tribunal europeu concedeu aos migrantes uma suspensão da obrigação de deixar o Reino Unido. A decisão foi anunciada alguns minutos antes da decolagem do avião, com dez passageiros a bordo em direção a Kigali.
Associações de defesa dos direitos humanos registraram um recurso na segunda-feira (13/06). No mesmo dia, um tribunal britânico rejeitou o pedido de cancelamento da decisão do governo britânico.
No entanto, a CEDH tomou na terça-feira uma “medida de emergência”, considerada “um alívio” por militantes dos direitos humanos. “Estávamos convencidos que as autoridades não poderiam expulsar as pessoas desta forma. Ficamos chocados quando a justiça britânica rejeitou nosso primeiro pedido”, disse Clare Moseley, diretora da ONG Care4Calais.
A justiça britânica irá analisar o projeto de lei do governo em julho, um momento classificado pela militante como “determinante”.
Política imigratória “imoral”
O governo britânico estava determinado a expulsar para o país africano pelo menos dez imigrantes ilegais na primeira aplicação de uma política migratória defendida como uma questão de “princípios”, mas considerada “imoral” pela Igreja Anglicana. No entanto, o avião fretado especialmente para a ocasião não decolou: uma vitória para ONGs e associações de direitos humanos.
“Esta política imoral envergonha o Reino Unido”, reagiram líderes da Igreja Anglicana, entre eles o arcebispo de Canterbury, Justin Welby, o arcebispo de York, Stephen Cottrell, e 23 bispos, em uma carta publicada no jornal The Times. “Nossa herança cristã deveria nos incentivar a tratar os solicitantes de asilo com compaixão, equidade e justiça”, destacaram.
Para aumentar a polêmica, o príncipe Charles, herdeiro do trono britânico de 73 anos, qualificou em caráter privado o plano governamental de “horroroso”. A notícia foi divulgada no último sábado (11/06) pelo jornal The Times.
Twitter/Corte Europeia dos Direitos Humanos
Tribunal europeu concedeu aos migrantes uma suspensão da obrigação de deixar o Reino Unido
No entanto, representantes do executivo expressaram sua determinação em dar andamento ao programa de deportações. “Nossa equipe jurídica está revisando cada decisão tomada sobre este voo e a preparação para o próximo voo começa agora”, afirmou a ministra britânica do Interior, Pitri Patel.
Em Calais, na costa norte da França, de onde partem muitos migrantes rumo à Inglaterra, os candidatos à travessia não parecem impressionados com esta medida “dissuasiva”. Moussa, de 21 anos, originário de Darfur, diz querer ir para a Inglaterra para “obter documentos” e porque já fala inglês.
“Eles atravessaram tantos países, enfrentam tantas situações de estresse e perigos imediatos que não se importam de correr o risco de serem deportados, explica William Feuillard, coordenador da associação francesa L’Auberge des Migrants.
Tensões com a França
s travessias ilegais do Canal da Mancha estão no alvo do governo conservador britânico e provocam tensões constantes com a França. Desde o começo do ano, mais de dez mil migrantes partiram ilegalmente da costa francesa em direção ao Reino Unido em embarcações precárias, um número recorde em relação a anos anteriores.
Em virtude de seu acordo com as autoridades ruandesas, Londres financiará inicialmente o plano com £ 120 milhões. O governo de Kigali afirmou que dará aos migrantes a possibilidade de “se estabelecerem permanentemente”. O governo ruandês se diz disposto a receber “milhares” de pessoas e defende o acordo, considerando-o uma “solução inovadora” para um “sistema global de asilo exaurido”.
A ministra das Relações Exteriores, Liz Truss, rechaçou as críticas, em entrevista ao canal SkyNews. “Nossa política é totalmente legal. É totalmente moral”, afirmou, assegurando que Ruanda é “um país seguro”. “Os imorais neste caso são os traficantes”, acrescentou.
Em Ruanda, país chefiado pelo presidente Paul Kagame desde o genocídio de 1994, o governo é regularmente acusado por ONGs de reprimir a liberdade de expressão e a oposição política. Os migrantes deportados seriam alojados em um albergue de Kigali.
“Não é uma prisão”, alega seu diretor, Ismael Bakina. Segundo ele, os residentes terão “liberdade” para partir. O estabelecimento tem capacidade para 100 pessoas, com diária de US$ 65 por residente.