Acompanhado pelas autoridades de Putis, um vilarejo miserável no departamento peruano de Ayacucho, no sul dos Andes, um grupo de parentes recebeu ontem (19) os restos mortais de 92 pessoas assassinadas no local em dezembro de 1984 pelo Exército, que combatia na época o grupo guerrilheiro Sendero Luminoso. Eles pediram ajuda ao Ministério Público para encontrar os muitos moradores da vila ainda desaparecidos e protegê-los contra a violência do narcoterrorismo.
Familiares e profissionais forenses posam atrás dos caixões das vítimas do massacre
A Equipe Peruana de Antropologia Forense (Epaf) exumou os 92 corpos de uma vala comum em 2008, mas só conseguiu identificar 28 vítimas. “Esgotamos todas as possibilidades. A ciência já não pode fazer mais nada para identificar os outros”, explicou o diretor do Epaf, José Pablo Baraybar, no ato de entrega dos corpos no MP de Ayacucho.
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No conflito envolvendo as forças de segurança e o Sendero Luminoso, entre 1980 e 2000, morreram mais de 26 mil pessoas em Ayacucho e mais de 69 mil em todo o país, segundo a Comissão da Verdade e Reconciliação, que examinou em 2003 as causas e sequelas da violência.
Entre 1983 e 1986, o Exército promoveu massacres para eliminar os membros do grupo e arrasou vilarejos mesmo sem provas de que os moradores pertenciam à guerrilha. Um dos mais conhecidos ocorreu em Putis. Os soldados chegaram e ordenaram que os moradores cavassem uma vala para criar trutas – um lago artificial. Depois, fuzilaram a população e enterraram os corpos na vala.
Baraybar explicou aos moradores de Putis o que foi feito desde a exumação até a identificação. Foi preciso traduzir o pronunciamento para o quíchua – trabalho feito por duas integrantes da ONG Paz e Esperança. Elas também tentavam consolar as mulheres (veja foto abaixo) que, vindas de longe, viram as roupas de parentes mortos e cápsulas de balas na apresentação de PowerPoint.
Medo persiste
Embora a devolução desses restos signifique que cerca de 20 famílias poderão encerrar o luto e sepultar os parentes em um cemitério construído com ajuda da comunidade, o drama ainda não acabou para os moradores de Putis. “Estamos tristes e preocupados. Pedimos uma segunda exumação, pois existem mais quatro valas com cerca de 160 corpos. No total, 430 pessoas foram mortas ou desapareceram. Os restos recebidos hoje representam menos da metade”, disse ao Opera Mundi o presidente da Associação de Vítimas da Violência de Putis, Lorenzo Quispe, de 39 anos.
“Estamos o tempo todo com medo, não há tranquilidade, continuamos como sempre. Há duas semanas, atacaram os policiais de Secce, a duas horas de onde moramos”, contou Quispe. “Estamos pedindo aos militares que instalem novamente uma base em Cayramayo. A situação em nossa vila é muito triste. Não temos escola, nos sentimos abandonados. A escola é longe para as crianças e elas precisam de alimento para caminhar. Só existe um professor para todo o ensino primário”, afirmou ele, acrescentando que solicitou ao governo regional mais professores para 2010.
Mas Quispe ainda teve ânimo para agradecer à equipe forense e à Promotoria, e os convidou para o funeral do próximo dia 29.
Processo
O promotor Javier Gonzales Torres presidiu a entrega dos caixões e deu os pêsames aos parentes e ao prefeito de Putis, que recebeu os restos das vítimas não identificadas. Ele explicou ao Opera Mundi que compete a uma instância superior do Ministério Público formalizar a denúncia na Justiça contra os autores do massacre de 1984. Por enquanto as ações têm se dado no âmbito do MP.
A Promotoria do caso vem coletando dados desde 2001, quando o jornal peruano La República denunciou a existência das fossas de Putis. Em 2003 e 2008, os promotores pediram informações ao Ministério da Defesa sobre os suspeitos, mas o órgão respondeu que nos arquivos não havia os nomes reais dos militares que estiveram na vila em 1984. O advogado dos moradores de Putis, Nolberto Lamilla, disse ao Opera Mundi que o caso não precisa de mais provas para ser enviado à Justiça.
*Texto e fotos
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