Em Portugal, apesar de um impacto imediato no curto prazo, a ajuda externa deve demorar para surtir efeito no restabelecimento do fluxo de crédito normal. Além disso, a intervenção insere problemas políticos, já que o governo deve ficar no poder só até junho. Essa é a avaliação de especialistas entrevistados pelo Opera Mundi um dia após o país anunciar que irá pedir resgate à União Europeia.
O presidente da Comissão Europeia, Durão Barosso, afirmou que o assunto vai ser tratado da maneira “mais rápida possível”, mas não definiu prazos. Portugal ainda precisa aprovar um Plano de Estabilidade e Crescimento, uma exigência dos 17 membros da zona euro rejeitada pelo Parlamento há 15 dias, o que fez o rating da dívida portuguesa afundar. Por fim, o país ainda irá eleger um novo governo em 5 de junho.
“Vai continuar a existir um risco grande associado ao país”, opinou Filipe Silva, responsável de dívida do Banco Carregosa. O anúncio do pedido de ajuda, feito ontem (06/04), reduziu o custo da dívida de curto prazo já hoje (07/04) pela manhã, disse o analista.
Mas nos títulos de 10 anos, que são a referência no mercado de dívidas soberanas, o impacto foi mínimo. Próximo ao meio-dia (16h em Brasília), os juros voltaram a subir, após a LCH Clearnet, a maior câmara de compensações da Europa, avisar que vai cobrar mais caro para aceitar títulos portugueses como garantia.
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“O mercado de crédito para o Estado português ainda ficará fechado por bastante tempo. Acontece o mesmo com a Grécia e a Irlanda, que já foram ajudados e têm o mercado de crédito fechado”, afirmou Silva. Para ele, a reabertura dos mercados deve demorar de um ano e meio a dois anos. Grécia e Irlanda pediram ajuda em abril e novembro do ano passado, respectivamente.
Para João Sousa Andrade, professor catedrático de Economia da Universidade de Coimbra, o custo da dívida pública será normalizado em até quatro anos. O crescimento da UE acima das expectativas deve ajudar Portugal, já que 75% das exportações do país são para outros membros do bloco.
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Consequências imediatas
Embora os termos do acordo ainda estejam em negociação, a subida de impostos deve ser a consequência mais imediata da intervenção, na opinião de Sousa Andrade. Portugal tem hoje uma das maiores taxas, entre os membros da zona euro, de Imposto Sobre o Valor Agregado (semelhante ao ICMS), que penaliza o consumo interno, mas não a exportação, e deverá aumentar a alíquota. O Imposto de Renda também deve ficar mais pesado.
Outro aumento a ser sentido é nas tarifas de transporte. Com a diminuição dos subsídios às empresas públicas do setor – já em más condições financeiras – os custos devem ser repassados às passagens. Cortes de salários públicos e restruturação da administração estatal também devem ser outras medidas a serem implementadas, acredita Sousa Andrade.
Ameaça à democracia
Para o deputado socialista João Galamba, membro da Comissão de Orçamento do Parlamento, o acordo deve ser o mais minimalista possível, para não frustar as eleições de junho. Em sua opinião, o governo não pode se comprometer com medidas que limitem a implementação dos programas políticos de qualquer um dos partidos portugueses.
Vitor Sorano
“Todo acordo até as eleições deve dar margem de manobra para que os partidos possam adotar seus programas”, afirmou. Como exemplo, cita o caso do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, favoráveis ao calote. Na opinião de Galamba, Portugal não pode se comprometer com a não-restruturação da dívida, sob pena de estar limitando o direito desses partidos.
“O valor mais importante é não exagerar. A UE, antes de ser uma união econômica, é uma união democrática”, disse o deputado. O PSD, principal partido da oposição e líder nas intenções de voto, não respondeu.
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Contágio vizinho
Embora a expectativa fosse de que Portugal pedisse o resgate mais cedo, a demora acabou tendo uma consequência positiva, na opinião de Agnès Bénassy-Quéré, diretora do Centro de Estudos Prospectivos e Informações Internacionais (CEPII), think-tank francês. Deu tempo, por um lado, para que a Espanha reconquistasse a confiança dos mercados. Por outro, para que a UE formatasse melhor seus mecanismos de ajuda externa.
“Acho que o risco de contágio é baixo”, disse a economista em referência à Espanha. Em dezembro do ano passado, os bancos espanhóis detinham cerca de 18% dos empréstimos feitos ao governo por bancos estrangeiros, de acordo com dados do Banco Internacional de Compensações. Segundo Silva, do Carregosa, esse valor diminuiu um pouco, mas a Espanha continua a ser um dos países mais expostos à dívida soberana portuguesa.
Já uma eventual crise sistêmica da zona euro, embora esteja mais distante, não é impossível. Mesmo um calote de Portugal, Irlanda e Grécia poderiam ser suportados pelo sistema bancário europeu, mas não se sabe muito a qual custo. “O risco é pequeno, mas existe”, disse Silva.
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