Três dias após a notícia de que Ollanta Humala seria o próximo presidente do Peru, o ex-governante Alberto Fujimori ingressou em um hospital especializado em tratamento de câncer. Foi quando um parlamentar da Apra (Aliança Popular Revolucionária Americana), partido do atual presidente Alan García, iniciou um debate sobre uma possível indulto humanitário ao ex-político.
Alberto, que é pai de Keiko Fujimori, candidata da coligação Força 2011 e derrotada por Humala no segundo turno, cumpre uma condenação de 25 anos por uma série assassinatos, seqüestros e violações aos direitos humanos durante sua administração (1990-2000).
Na noite desta terça-feira (14/06), o Inen (Instituto Nacional de Doenças Neoplásicas) do Peru informou que Fujimori perdeu 15 quilos em quatro meses devido a uma depressão e que sua condição de saúde não é grave. Fujimori foi operado de câncer na boca em 1997, quando presidente e, desde então, voltou a ter lesões pré-cancerosas (leucoplasias) na boca.
Efe
O ex-presidente peruano, Alberto Fujimori, sendo tratado no INEN
O informe do INEN indica que o réu tem uma “síndrome depressiva severa, o que explicaria a alteração do sistema imunológico e perda de peso”.
“O paciente é portador de câncer de alto risco [porém, em estado] não grave na cavidade oral (língua e parte inferior da boca) por ter sido operado quatro vezes pela mesma lesão em um curto período de tempo”, registra o informe entregado à imprensa.
O parlamentar governista José Vargas afirmou na quinta-feira passada que “este governo ou o próximo devem absolver Alberto Fujimori, um ancião que tem câncer avançado”. No dia seguinte, o presidente García, consultado sobre o assunto, disse que “é uma opinião muito pessoal do congressista Vargas e respeito sua proposta”.
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A possibilidade de indulto ao ex-presidente também foi mencionada pelo presidente eleito Ollanta Humala, ao responder uma pergunta da rede CNN e do jornal El Comercio. “Ninguém tem porque morrer na prisão, salvo os que têm pena de prisão perpétua por terem abusado de menores de idade”, afirmou.
No entanto, Keiko Fujimori informou nos últimos dias da campanha eleitoral que não há nenhuma solicitação de indulto e que seu pai está bem de saúde. O médico pessoal do ex-presidente e parlamentar fujimorista, Antonio Aguinaga, disse que seu paciente preferiu não se internar antes do término da campanha eleitoral.
Após as opiniões emitidas por Vargas, Alan García e Ollanta Humala, outros líderes do fujimorismo, como o congressista Rolando Sousa – membro do escritório de advogados que defende Fujimori – também se manifestaram a favor da anistia humanitária, enquanto os meios de comunicação transmitiam reiteradamente imagens do réu ingressando no hospital.
Uma mão lava outra
Analistas, políticos e advogados, no entanto, defendem que a possibilidade de liberar Alberto Fujimori faz parte dos afagos de Alan García aos congressistas fujimoristas, os quais poderiam protegê-lo e impedir que, no próximo governo, a administração aprista seja investigada. Um despacho do Wikileaks documentou no início deste ano que, entre 2006 e 2011, houve um pacto político entre a Apra e o fujimorismo: o governo ofereceria condições favoráveis de prisão ao réu em troca de que a bancada fujimorista respaldasse as votações da Apra no Congresso.
Consultado pelo Opera Mundi, o professor de Direito Penal Ivan Meini afirmou que a circunstância que justificaria uma absolvição humanitária “não se apresenta atualmente”. “Ele não tem uma doença em estado terminal e o indulto pretendido obedece a uma necessidade de García de se proteger de possíveis investigações de corrupção no Congresso”, garantiu.
“Alguns membros da Apra poderiam ser investigados por atos de corrupção e dependerá dos parlamentares o fim desta imunidade”, explicou Meini, que esteve na equipe da Procuradoria ad hoc para os casos de Fujimori e Montesinos no início da década.
“As prisões peruanas têm muitos presos e não há questionamentos sobre se estes serão ou não absolvidos. Há uma pretensão de aparentar uma eventual causa de doença grave ou terminal, quando esta não é a realidade. Discutir esta possibilidade neste momento, quando não existe um estado grave, contamina a eventual discussão de como poderia ser se ele ficasse realmente mal de saúde”, agregou o advogado.
Por sua vez, Carlos Rivera – advogado da parte civil do caso que levou Fujimori à prisão – destacou que todos os que têm um familiar com câncer sabem que é comum a perda de peso. “Além disso, Fujimori, devido às condições favoráveis de prisão, tem a possibilidade de ser atendido um minuto após uma recaída e, hoje em dia, há uma porcentagem altíssima de sucesso no tratamento desta doença”.
Rivera lembrou ainda que a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem uma proibição expressa de indulto para condenados por crimes contra a humanidade, como caracteriza-se a sentença de Fujimori. E a Lei 26478, de junho de 1995, também proíbe o indulto em casos de sequestro agravado.
Tanto Meini como Rivera indicam que o debate travado nos últimos dias sobre o indulto parece um “balão de ensaio” com o qual o governo fazia um cálculo do custo político de Fujimori cumprir o resto da pena em domicílio.
Litigância de má fé
Juan Sheput, ex-ministro do Trabalho e um dos líderes da coligação Peru Possível, pertencente ao ex-presidente Alejandro Toledo, que aliou-se Ganha Peru, de Humala há duas semanas do segundo turno eleitoral, considerou o debate sobre a absolvição humanitária de Fujimori como um exemplo de desespero por parte de seus aliados.
“Estão negando a declaração da própria Keiko, que dizia que seu pai não tinha cometido nenhum crime e que deixavam o tema de sua liberação a cargo do Poder Judiciário”, declarou Sheput ao Opera Mundi.
“O fujimorismo não existe sem a manipulação dos poderes constituídos, e teria sido assim se Keiko; como agora não sabem no que isso vai dar, há desespero”, acrescentou.
Até o segundo turno de 5 de junho, quando tanto Keiko Fujimori como Ollanta Humala apareciam empatados nas pesquisas de intenção de voto, César Nakazaki, advogado do ex-presidente, aguardava uma decisão do TC (Tribunal Constitucional) sobre o pedido de habeas corpus que ele interpôs a favor de seu cliente.
Em abril, o jornal La Republica informou que o TC se pronunciaria a favor de Alberto Fujimori. Quatro dias antes do segundo turno das últimas eleições presidenciais, a audiência na qual todos os magistrados deveriam comunicar sua opinião foi suspensa a pedido de Nakazaki, e ainda não foi determinada para quando a mesma será realizada.
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