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Política e Economia

Cidade chamada Cuba vira símbolo do poder dos comunistas em Portugal

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Partido voltou ao poder no município após resultado expressivo nas eleições, nas quais se tornou terceira força política do país

Marana Borges

2013-11-09T16:00:00.000Z

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Belarmino Fragoso/Opera Mundi

Cidade de Cuba, em Portugal, voltou a ser comandada pelo Partido Comunista; na foto, o "Café Cubense"


“Na Europa, poucos partidos comunistas sobreviveram. Somos um deles”, afirma com orgulho João Português, de 41 anos, prefeito eleito pelo Partido Comunista Português (PCP), atual terceira força política do país – atrás apenas do socialista PS (centro-esquerda) e do social-democrata PSD (direita). Desde meados de outubro, ele governa uma cidade lusitana cujo nome não podia ser mais sugestivo – Cuba, a 200 quilômetros a sudeste de Lisboa. O pequeno município com quase 5.000 habitantes, localizado no coração do Alentejo, uma das regiões historicamente mais pobres de Portugal, hoje é símbolo da chamada “reconquista vermelha”.

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Vila com vestígios da época romana, alguns associam seu nome à presença de cubas, grandes vasilhas de barro para armazenar vinho, um dos produtos mais tradicionais da região. Há quem diga, contudo, que Cristóvão Colombo nasceu ali, e por isso batizou a ilha caribenha em homenagem à terra natal. Fato é que as relações com a ilha ultrapassam o nome. Desde 1976, com as primeiras eleições livres após a Revolução dos Cravos, é o “partidão” quem ganha em grande parte dos concelhos (outro nome para município, em Portugal) do Alentejo, contrariando o bipartidismo do PS e PSD.

Belarmino Fragoso/Opera Mundi
João ainda fala com o entusiasmo de quem foi responsável por devolver ao PCP o poder de Cuba, há quatro legislaturas nas mãos dos socialistas – hiato que se repetiu em outros municípios da região. Formado em Serviço Social e microempresário, é admirador de Lula e Fidel Castro – apesar das “reservas” em relação a algumas políticas do regime cubano. Critica as grandes empresas – “quem gera emprego são as pequenas” – e se coloca ao lado do partido quando o assunto é a moeda única: “Não estávamos preparados para entrar no euro”.

[Detalhe de rua em Cuba]

Em alguns setores, pode-se perceber claramente a marca comunista da administração local. A gestão da água, por exemplo, é totalmente pública. “Nossa ideologia nos impede de privatizar esse bem, mesmo que seja custoso ao Estado”, afirma. O custo de defender um Estado forte é alto: mais de 80% das receitas do município vão para folha de pagamento. A dívida municipal é de € 3,5 milhões - ou 60% das receitas próprias. Uma medida ainda a ser implementada é o orçamento participativo – que, diga-se, já funciona em cidades como Lisboa, governada por socialistas.

“Contato próximo com as pessoas”

A popularidade dos comunistas, segundo o recém-empossado prefeito que exerceu o cargo de vereador por duas vezes, tem a ver com o modo de gestão do poder local, “em contato próximo com as pessoas”. Isso, em outras palavras, se reflete ao andar pelas ruas estreitas da cidade – ladeadas de casas pintadas de branco para atenuar o calor que vai a 40ºC no verão – e conversar com estudantes, empresários, agricultores.

Mas, o que explica os melhores resultados nacionais do partido em 15 anos vai muito além do tête-à-tête, que, aliás, é um traço comum em pequenas cidades. A saturação da política atual é vista como uma das chaves para entender como o PCP foi o preferido de 11% dos eleitores e o único partido a crescer em número de votos nas últimas eleições.

Segundo a cientista política Isabella Razzuoli, da Universidade de Lisboa, ele tem sido a voz mais organizada contra as medidas de austeridade do governo de centro-direita encabeçado pelo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Segundo ela, a forte presença em sindicatos faz com que a agremiação consiga atrair uma base considerável de eleitores descontentes com a situação laboral no país – desemprego de 16%, cortes em salários, aposentadorias e postos de trabalho.

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Dentro da esquerda, os comunistas têm de longe a maior força de mobilização. Os eleitores do PCP já não veem os socialistas como “esquerda autêntica”. Basta lembrar que foi o ex-ministro José Sócrates que em 2011 assinou o empréstimo de 78 bilhões de euros com a troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia). O jovem Bloco de Esquerda, formado por uma miscelânea de partidos pequenos de várias tendências radicais, tem perdido apoio e representantes parlamentares desde seu auge, em 2009.

Belarmino Fragoso/Opera Mundi
Mais eleitores, menos militantes

Se os eleitores do PCP crescem, os militantes diminuem. Hoje somam pouco mais de 60 mil, menos da metade dos anos 1980. Francisco Galinha, de 34 anos, está nos quadros da militância. Ele tem uma história curiosa: é parente distante de um ex-prefeito que governou Cuba na época da ditadura. Francisco, porém, desde os 16 anos é ligado aos comunistas. “Me identifico com os valores de igualdade e partilha”, afirma.

[O novo prefeito de Cuba, João Português]

Ao longo dos anos, esse partido – o único a sobreviver, clandestino, durante o regime salazarista –, passou por mudanças. O fim da Guerra Fria e a adesão de Portugal à União Europeia (UE) tiveram no começo um impacto negativo, explica a cientista política. “As perdas de votos e a redução da representação parlamentar refletiam em parte a dificuldade de adaptação do partido às transformações da sociedade portuguesa”, diz.

Retirou-se do estatuto a meta de “uma revolução democrática e nacional”, mas, nem por isso, se abandonou o marxismo-leninismo. Esse caminho mais soft do chamado eurocomunismo foi a opção escolhida pela maioria dos homólogos europeus após a queda do Muro de Berlim.

Em Portugal, o “partidão” segue firme no sul, mas enfrenta resistências no norte. O campesinato pobre do Alentejo, região dominada pelo latifúndio, e o operariado da Grande Lisboa e arredores foram os terrenos mais férteis para a penetração da ideologia marxista. “A pequena-burguesia rural do norte era (e continua a ser) tradicionalmente mais conservadora”, diz Isabella, que lembra também a influência da Igreja Católica como fator determinante ainda hoje para bloquear o avanço dos vermelhos.

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Os desafios em época de crise não são fáceis – em Cuba e no resto do país. O alto endividamento público e o corte nos repasses de verbas do governo central aos municípios podem comprometer as promessas de campanha dos comunistas, especialmente preocupados com a área social e em como estimular o sistema produtivo do país para gerar empregos. “Não se pode medir tudo em termos de lucro e prejuízo”, defende o prefeito cubense – que ainda tem pela frente a tarefa de compor o cada vez mais minguado orçamento da cidade. 

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Análise

Patentes na OMC é uma derrota para os países do Sul Global

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Pandemia de covid-19 reativou a debate sobre a quebra de patentes para medicamentos e vacinas. Apesar de sua união em torno do tema, países subdesenvolvidos sofreram uma derrota

Alessandra Monterastelli

Outras Palavras Outras Palavras

2022-07-06T22:35:00.000Z

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No dia 17 de junho, saiu fumaça branca das chaminés da Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade, responsável pela regulação de patentes internacionais, anunciou que chegara a uma conclusão sobre as vacinas contra o coronavírus. Tratava-se do pedido de isenção do acordo TRIPS – sigla em inglês para Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Firmado na virada do século, tal compromisso obriga os países-membros da OMC a adotar padrões mais rigorosos de proteção patentária. Consequentemente, encarece o acesso às inovações tecnológicas, inclusive no setor farmacêutico. Mas a decisão final foi amplamente criticada por ativistas da saúde e movimentos populares em todo o mundo, já que a OMC rejeitou a isenção total do TRIPS. 

Em 2020, diante da disseminação do novo coronavírus, África do Sul e Índia protocolaram a proposta de isenção do Acordo, que obteve amplo apoio dos países em desenvolvimento e de baixa renda – com exceção do Brasil. A nova decisão foi saudada pelo Secretariado da OMC e por representantes de países ricos como um resultado sem precedentes, mas ativistas condenam que, na prática, a decisão não atende as necessidades mínimas da maior fatia do mundo. “Houve um esvaziamento da proposta pelos países mais ricos. O texto perdeu totalmente sua força, não trouxe nada novo”, explica Felipe Carvalho, Coordenador Regional da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras ao Outra Saúde.

A conclusão do órgão concedeu uma exceção temporária à restrição das quantidades de vacinas que podem ser exportadas sob licença compulsória; diagnósticos e tratamentos não estão incluídos e devem obedecer ao limite de exportação durante o tempo de licença compulsória – decretada durante emergências sanitárias, como é o caso da pandemia. Além disso, a concessão vale apenas para responder à covid-19 e não tem validade diante de outras crises de saúde. O acordo final não inclui o compartilhamento de segredos comerciais e know-how de fabricação, o que prejudicará a produção de vacinas com tecnologia avançada por países de baixa renda – como é o caso dos imunizantes de RNA.

Carvalho conta que o problema é abordado com frequência em reuniões escpecais da OMS e da ONU.  “Existe um consenso entre especialistas e órgãos multilaterais de que as patentes causam constantes crises de acesso e inovação na saúde”. Em maio, o The Guardian divulgou que a Pfizer lucrou 25,7 bilhões de dólares só no início de 2022 – mais da metade do valor está relacionado à venda de vacinas contra a covid-19. Tim Bierley, ativista do Global Justice Now, denunciou ao jornal britânico que apesar do apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras organizações, a farmacêutica seguia se recusando a compartilhar a tecnologia de produção do imunizante. O diretor da OMS, Tedros Adhanon, afirmou em 2021 que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa. 

“Desde a criação do acordo TRIPs nós temos um cenário de constantes crises de acesso a medicamentos essenciais”, conta Felipe. Ele relembra o caso emblemático da epidemia de HIV/AIDS, na década de 1990. “Em 1996 surgiu a primeira terapia para a doença. As pessoas pararam de morrer e passaram a conviver com o vírus. Mas essa terapia não chegou nos países onde o cenário era mais grave”, explica. O ano de 1996 foi também quando o acordo TRIPS entrou em vigor, após sua criação em 1994 e preparação em 1995. “A partir daí se criou uma coalizão na sociedade civil, da qual fazemos parte, chamada Movimento de Luta pelo Acesso a Medicamentos. A pergunta era: por que os preços eram tão altos e o tratamento se tornava inacessível para milhões de pessoas? Nos aprofundamos no sistema de patentes e entendemos que o monopólio era a causa”, relembra.

Apesar do TRIPS possuir cláusulas que permitem flexibilizações, elas são de difícil utilização devido a dois fatores principais: sua não-incorporação completa em leis de países-membros e a pressão que as farmacêuticas exercem sobre as decisões da OMC. Na década de 1990, diante da grave situação vivida na África do Sul – país com maior número de mortes pela AIDS na época – o governo então liderado por Nelson Mandela aprovou uma das medidas previstas no TRIPS para importar genéricos. Na ocasião, Mandela sofreu o processo de 39 farmacêuticas que se opuseram à decisão tomada para conter a crise de saúde pública. Apesar da derrota das corporações na justiça, “esse é um exemplo de como essas empresas e seus países-sede tentam barrar as normas legítimas existentes no TRIPS”, exemplifica Carvalho.

A OMC é uma instituição formada por 164 membros e opera com base na tomada de decisões por consenso. “A OMC falhou em fornecer uma isenção. O acordo coloca os lucros à frente das vidas e mostra que o atual regime de propriedade intelectual falha em proteger a saúde e promover a transferência de tecnologia. Essa não-renúncia estabelece um mau precedente para futuras pandemias e continuará a colocar vidas em risco” declarou Lauren Paremoer, médica e integrante do Peoples’ Health Movement na África do Sul. 

A Health Action International, referência no trabalho para expandir o acesso a medicamentos essenciais, argumentou em nota que a decisão da OMC impõe obstáculos ao licenciamento compulsório, uma das poucas flexibilidades existentes no TRIPS, em troca de uma abertura tímida para a facilitação da exportação de vacinas. Outras entidades representantes da sociedade civil já denunciaram a atuação dos países ricos e vêm aumentando a pressão sobre os governos. O objetivo, segundo seus porta-vozes, é que sejam tomadas medidas concretas para desafiar as regras de monopólio farmacêutico da OMC e garantir mais acesso a medicamentos e tecnologias. 

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