O braço da Al Qaeda no Iêmen, cujo nome oficial é AQAP (Al Qaeda na Península Arábica), assumiu a responsabilidade pelo ataque à sede da publicação satírica Charlie Hebdo que matou 12 pessoas em Paris na última quarta-feira (07/01).
Segundo declarações de um alto oficial do grupo iemenita ao jornalista Jeremy Scahill, do site The Intercept, pistas do local do ataque foram impressas na revista Inspire, publicação jihadista em língua inglesa editada pela AQAP. As informações foram publicadas pelo jornalista Jeremy Scahill, no The Intercept, site criado por Glenn Greenwald, jornalista que revelou os escândalos de ciberespionagem da NSA vazados por Edward Snowden.
Agência Efe
Na TV, cidadão iemenita assiste a pronunciamento de suposto membro da AQAP assumindo a autoria do ataque em Paris
Em arquivo de áudio distribuído na noite de sexta (09/01), Abu Hareth al Nezari, importante integrante na hierarquia da AQAP (Al Qaeda na Península Arábica, como o grupo é conhecido), disse que o atentado era uma operação para ensinar à França os limites da liberdade de expressão.
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“Alguns franceses não estavam sendo educados com os profetas e esta foi a razão pela qual alguns dos fiéis, que amam Alá, seu profeta e o martírio, decidiram ensiná-los como se comportar, como ser polido com os profetas e como a liberdade de expressão tem limites e fronteiras”, disse.
Abu Hareth al Nezari acrescentou ainda que a França não teria paz enquanto continuasse com o que chamou de “guerra ao islã”. Ele também afirmou que o grupo não assumiu a autoria de imediato — o anúncio veio dois dias após o ataque — por “questões de segurança”.
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É o primeiro ataque bem sucedido da AQAP contra um alvo no Ocidente — em 2008 um membro nigeriano do grupo tentou, sem sucesso, usar um colete-bomba para explodir um avião norte-americano. O grupo iemenita é conhecido por analistas como adepto de táticas de ação mais globais. Enquanto outras organizações terroristas, mesmo as ligadas à Al Qaeda, se preocupam mais em travar batalhas locais, a AQAP continua a mirar no que Osama bin Laden chamava de “o inimigo distante”, o Ocidente.
Pistas na revista da Al Qaeda
Outro alto membro, também anônimo, da AQAP, ao confirmar ao jornalista Jeremy Scahill a autoria do atentado em Paris, disse que a organização deixou pistas do local do ataque escondidas na edição mais recente da revista Inspire, publicação em língua inglesa controlada pela Al Qaeda no Iêmen.
Em uma das imagens [clique para ampliar], aparece um fiel muçulmano ajoelhado rezando próximo a uma panela, similar à usada pelos autores do ataque à maratona de Boston, em abril de 2013. Abaixo da foto, lê-se: “Se você tem o conhecimento e a inspiração não sobre nada a não ser agir”. Logo na página seguinte, há uma foto de um passaporte francês.
Reprodução/The Intercept
Imagem da edição número 13 da revista 'Inspire', publicada em língua inglesa pela AQAP no Iêmen
As informações foram publicadas no site The Intercept, lançado em parceira entre Scahill e Glenn Greenwald, jornalista que revelou os escândalos de ciberespionagem da NSA vazados por Edward Snowden. Setorista de Oriente Médio de longa data, o jornalista independente Jeremy Scahill ficou conhecido por reportar sobre política externa norte-americana no jornal The Nation e no programa 'Democracy Now!'. Tem dois livros publicados. O primeiro, Blackwater: a ascensão do exército mercenário mais poderoso do mundo, lançado em 2008, obteve grande repercussão após denunciar aspectos do fenômeno de privatização das forças armadas norte-americanas, no qual soldados profissionais, mercenários, são terceirizados pelos EUA para desempenhar diversas funções. Seu mais recente lançamento, Dirty Wars: the World Is a Battlefield, transformado em documentário de mesmo nome, continua a análise da política de defesa da administração Obama, centrando foco no uso dos bombardeios em terras estrangeiras por meio de drones, aviões não-tripulados.
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Treinamento no Iêmen
Outra liderança da AQAP, cuja identidade não foi revelada, entregou à agência AP um declaração em inglês em que o grupo reivindica a autoria do massacre: “A liderança da AQAP dirigiu as operações e escolheu seu alvo cuidadosamente”.
Na mensagem, o grupo afirma que continuará com a política de “bater na cabeça da serpente até que o Ocidente se retire”, levada a cabo pelo líder da Al Qaeda Ayman al Zawahiri, sucessor de Osama bin Laden — cujo nome foi citado na declaração da AQAP: o saudita já vinha “avisando” sobre as consequências de blasfemar santidades muçulmanas.
Diversas testemunhas também relataram a veículos da imprensa francesa terem ouvido menções à filial da Al Qaeda da boca dos próprios três terroristas — os irmãos Said, 34, e Chérif Kouachi, 32, e Amedy Coulibaly, 32 —, mortos pela polícia nas operações desenvolvidas ontem em Paris.
Agência Efe
Fotografia divulgada pelas autoridades francesas mostra os irmãos Chérif (esq.) e Said Kouachi (dir.), mortos ontem em operação policial
O dono de um veículo usado pelos irmãos Kouachi na fuga para o subúrbio parisiense disse que um dos criminosos, ao abordá-lo para roubar o automóvel, o orientou a dizer à mídia que a ação era obra da Al Qaeda do Iêmen.
A uma emissora de TV local — que ligou, com sucesso, para a gráfica onde os dois irmãos estavam entrincheirados — o próprio Chérif Kouachi disse que era integrante da AQAP.
Além disso, membros dos serviços de inteligência dos Estados Unidos, que já vinham monitorando os irmãos Kouachi, indicaram que Said visitou a estrutura da AQAP no Iêmen por diversos meses entre 2011 e 2012, recebendo treinamento militar com armas leves.
Segundo informa a Reuters, durante sua estadia no país, Said Kouachi teria inclusive conhecido pessoalmente o clérigo Anwar al Awlaki, conhecido por sua influência ao recrutar membros para a jihad e pelo papel importante dentro da AQAP. Awlaki, que era cidadão norte-americano, foi morto num bombardeio aéreo atribuído à CIA em setembro de 2011.
Estado Islâmico
Por outro lado, o terceiro envolvido nos ataques de Paris, Amedy Coulibaly, responsável pelo sequestro de mais de dez pessoas no mercado judeu, assegurou que atuava para vingar o grupo jihadista EI (Estado Islâmico).
Áudio obtido por uma rádio francesa de uma conversa entre Coulibaly e os reféns revela que o autor da ação diz ter agido motivado pela ação francesa no Mali e pelos bombardeios ocidentais na Síria, além do que chamou de “apatia” da população ocidental.
Relatos das autoridades francesas dão conta de que Coulibaly manteve contato telefônico frequente com os irmãos Kouachi nas semanas que antecederam o ataque à Charlie Hebdo. Caso seja confirmada a parceria logística entre os autores da ação, seria a primeira vez que Al Qaeda e Estado Islâmico participam conjuntamente de um ataque terrorista.