Copo de cerveja em uma das mãos e um imenso sorriso no rosto. É essa a pose clássica do carismático para uns, aterrador para outros, Nigel Farage, atual líder do Ukip (Partido da Independência do Reino Unido), um expoente político emergente da ultradireita britânica. Para muitos, é a popularidade (ou o populismo) de Farage a razão para o atual sucesso do seu partido nos últimos pleitos: 24 eurodeputados nas eleições de 2014, 140 county councillors (espécie de vereadores) nas eleições locais de 2013 e, atualmente, às vésperas do pleito nacional, uma inédita média de 14% das intenções de voto.
Para as eleições nacionais, marcadas para o 7 de maio, enquanto Conservadores e Trabalhistas travam uma intensa batalha para saber quem conseguirá o cargo de primeiro ministro, Farage tem usado toda a mídia que lhe é de direito para dar corpo ao discurso anti-imigração e anti-Europa de seu partido. Um estudo realizado pela Universidade de Loughborough mostra que a visibilidade do Ukip nesta corrida eleitoral “excede de maneira surpreendente as eleições anteriores”, com o partido concentrando 10% da cobertura total de mídia – nas últimas eleições o espaço dedicado ao Ukip era inferior a 1%.
Fotos: Agência Efe
Nigel Farage, com seu discurso anti-imigração e anti-UE, conseguiu levar Ukip a ter média de 14% de intenções de voto
“Farage é um comunicador muito mais proeminente e efetivo que seus predecessores”, avalia Dominic Wring, um dos responsáveis pelo estudo. Um de seus dons, certamente, é fazer com que mesmo a opinião pública negativa se transforme em intenção de votos para seu partido. Em termos políticos, isso pode se traduzir em até cinco cadeiras para o Ukip no próximo Parlamento. Um resultado inédito, mas que não exclui um componente de desafio para Farage: garantir ele próprio um assento. Hoje eurodeputado, o líder do Ukip diz em sua recém-publicada autobiografia que só continuará à frente do partido caso garanta seu lugar em Westminster.
Uma novidade velha
O Ukip, em si, não é um elemento novo no cenário político do Reino Unido. Fundado em 1993, com viés eurocético, há muito tempo o partido ensaia voos maiores, mas esbarra na dificuldade de manter-se influente além das eleições para o parlamento europeu. “A eleição europeia é sobre o assunto predileto deles, uma vez que o Ukip é um partido que luta justamente pela saída da União Europeia. Mas, para a maior parte do eleitorado, é um pleito sem grandes consequências”, avalia Alex Balch, do departamento de Política da Universidade de Liverpool.
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Por isso, o grande desafio para o Ukip sempre foi manter-se forte para as eleições nacionais. E é isso que, pela primeira vez após mais de vinte anos de política, parece realidade. O sucesso é em muito creditado à habilidade de Farage, nos últimos anos, de fundir o euroceticismo, bandeira tradicional do partido, ao tema da imigração. O que Farage hoje oferece ao seu eleitorado, analisam Robert Ford e Matthew Goodwin no livro “Revolt on the Right” (Routledge, 2014), é a possibilidade de dizer “não” a três diferentes setores de uma só vez: Não à União Europeia, não à imigração e não à elite liberal fechada em Londres que comanda a política britânica há séculos.
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É com esse discurso, analisam os dois autores, que ele tem atraído os olhares das classes populares, tradicionalmente deixadas de lado por Conservadores e Trabalhistas. O copo de cerveja de Farage é uma de suas estratégias para crescer no imaginário do eleitorado como um homem do povo, não mais um político de colarinho-branco interessado em poder. A estratégia, porém, não está isenta de críticas. Alan Sked, professor de história internacional na London School of Economics and Political Science e um dos fundadores do Ukip, recentemente publicou um artigo em que define Farage como um pateta incapaz de debater políticas mais sofisticadas, o que teria feito o partido cair no discurso fácil da anti-imigração.
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O pânico da imigração
O problema da imigração – sejam de europeus ou de pessoas de qualquer outra parte do globo – domina os pronunciamentos de Farage. Em dezembro do último ano, ele, que ironicamente é casado com uma estrangeira, chegou a culpar o fluxo migratório pelo trânsito que o fez atrasar para um compromisso. Na última semana, durante o debate da BBC, afirmou que um aumento do salário mínimo no Reino Unido só traria mais estrangeiros para o país e insinuou que britânicos poderiam morrer de câncer por causa da sobrecarga no sistema de saúde causada por pacientes com HIV vindos de outros países.
Podem parecer afirmações exageradas, mas elas encontram eco em um país obcecado pelo tema. Um levantamento realizado pelo instituto Ipsus Mori em março mostrou a imigração como o principal desafio para o Reino Unido (citado por 45% dos entrevistados), à frente da economia, saúde ou educação. Diante disso, a equação proposta pelo Ukip é simples: a saída da UE, somada a uma maior restrição à entrada de imigrantes no Reino Unido, diminuiriam o número de estrangeiros, restituindo a “bonança” aos britânicos.
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Entretanto, mais que simples, a solução é simplista: primeiro, por ignorar que a União Europeia não é apenas um impacto negativo sobre o país; segundo, por considerar que uma saída da UE seria uma medida simples e com efeito imediato – em seu manifesto o Ukip calcula uma economia de 9 bilhões de libras com a saída da UE. E, por último, por não tocar nos reais problemas do país.
“Concentrar o debate em torno da imigração permite aos políticos desviar a atenção sobre como irão lidar com as questões estruturais, como moradia, educação, geração de empregos. É conveniente pôr a culpa nos imigrantes em vez de tentar reequilibrar a economia e os investimentos”, critica Alex Balch.
Os próximos passos
Um dos cenários imaginados após as eleições é uma possível aliança entre Conservadores, partido do atual primeiro-ministro David Cameron, e o Ukip de Farage. No sistema parlamentarista britânico, o partido que consegue a maioria dos assentos no parlamento indica o primeiro-ministro. Como tanto Conservadores quanto Trabalhistas (partido de Ed Miliband, candidato a suceder Cameron) estão longe de obter a maioria absoluta no 7 de maio, ambos terão de ser hábeis na costura de alianças.
O Partido Trabalhista de Ed Miliband, assim como o Conservador, está longe de obter maioria absoluta nas eleições do dia 7 de maio
“O preço do Ukip para esse apoio pode ser a realização imediata de um referendo sobre a permanência na União Europeia e o endurecimento das políticas anti-imigração”, prevê Harold Clarke, autor de “Affluence, Austerity and Electoral Change in Britain” (Cambridge University Press, 2013) e professor da Universidade do Texas. Para Clarke, a grande meta do Ukip é substituir o Partido Conservador como o maior partido de centro-direita no Reino Unido. “O exemplo para eles é o Partido Reformista Canadense, que se tornou um elemento central do Partido Conservador Canadense, atualmente no poder”, analisa.
Para isso, entretanto, resta o desafio de garantir a eleição de Farage para o parlamento. “Ele não conseguirá manter-se líder se não conseguir se eleger e sua partida pode levar a um período de tensões internas no Ukip que podem chegar à esfera pública”, avalia Dominic Wring. E, na briga pelos eleitores de South Thanet, distrito no sudoeste da Inglaterra onde Farage é candidato, ele terá de enfrentar a fúria de Conservadores e Trabalhistas, empenhados em tirar o sorriso do rosto do novo líder antes que seja tarde demais.