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Política e Economia

Minuta de acordo comercial assinada por Mujica no final do governo provoca polêmica

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Atual presidente soube de tratado com os EUA e a UE pela imprensa; ‘negociação não é condizente com tradição democrática’, opina historiador

Vanessa Martina Silva

2015-06-02T13:35:00.000Z

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Atualizada às 12h29

Como uma de suas últimas medidas durante a presidência do Uruguai, José “Pepe” Mujica assinou um início de negociações para um acordo de comércio e serviços com os Estados Unidos e a Europa. E, segundo o historiador e politólogo, catedrático da Universidade de la República, a principal do Uruguai, Gerardo Caetano, sem avisar ao sucessor, Tabaré Vázquez.  “O atual presidente e a maior parte de seu governo tomou conhecimento sobre a questão por meio da imprensa e pelas denúncias do movimento sindical”, em meados de maio, como contou a Opera Mundi .

Fotos: Agência Efe

Mujica assinou acordo sem avisar a restante de gabinete ministerial; Vázquez soube pela imprensa

Caetano, juntamente com os ex-ministros Daniel Olesker (do Desenvolvimento Social) e Roberto Kreimerman (Indústria), ex-deputados, ex-integrantes dos governos da Frente Ampla, dirigentes sindicais e intelectuais de esquerda, assinam uma carta contra o TISA (Trade in Services Agreement), ou Acordo de Comércios e Serviços, que classificam como sendo antidemocrático. “Ainda que pareça óbvio que o ex-presidente Mujica e seu chanceler Luis Almagro impulsionaram a incorporação [do país ao tratado], a decisão nunca chegou ao gabinete ministerial, de acordo com a versão de vários ministros do governo anterior. (…) O partido do governo [a Frente Ampla] também se inteirou de forma tardia e fragmentada por meio da imprensa”, afirmou o intelectual em entrevista concedida por e-mail.

Apesar das críticas que vem recebendo no país, o senador e ex-presidente Mujica defende o tratado, embora evite comentar em detalhes os acordos de liberalização de setores importantes da economia nacional, como o bancário, a saúde e o transporte, que o tratado pressupõe. Para Mujica, o Tisa é “filho da globalização” e de qualquer forma, o Uruguai tem que estar na negociação para saber o que os demais países vão fazer. “Parte do papel da política é antecipar o que vai acontecer em 20 ou 30 anos e atuar de acordo. Não é necessário pensar regionalmente”, ressaltou o líder uruguaio.

Em vídeo, Mujica defende o tratado e pede uma "análise" antes de qualquer reação:

Cauteloso, o governo Vázquez tem dado sinais de que não vai fazer propostas na próxima rodada de negociações, que deverá ocorrer entre junho e julho, e que tomará o tempo que for necessário para avaliar a conveniência ou não de acompanhar o tratado.

Regionalismo e vocação internacional

Os críticos do projeto ressaltam que o Tisa, impulsionado pelas potências mundiais, tem como objetivo último que as empresas privadas desses países tenham um marco favorável para estender seus negócios em área de serviços, já que o acordo prevê reformas privatizantes em setores como energia, água, telecomunicações, serviço postal, educação, saúde, meio ambiente, emprego, transporte aéreo e marítimo, serviços bancários, compras públicas, entre outros.


Apesar de Mujica ter ressaltado ser preciso acompanhar os vizinhos maiores — no caso Brasil e Argentina — nenhum dos dois participam das discussões do Tisa.

Para Caetano, que é coordenador Acadêmico do Observatório Político do Instituto de Ciência Política, Universidade da República, o Uruguai ficou sem opções diante da paralisia em que se encontra, há anos, o Mercosul (Mercado Comum do Sul). “O Uruguai não entra no Tisa porque 'sim'. É fruto da paralisia do Mercosul e das necessidades que o país tem de não ficar isolado nos contextos atuais."

Leia também: 15 frases para não esquecer Mujica

O politólogo ressalta ainda que “o Uruguai, por sua definição, tem uma vocação internacional, aposta sempre por um regionalismo aberto, não pode e não deve se fechar em estratégias de mercado interno, tampouco aceitar o Mercosul como uma ‘zona ampliada de substituição de importações’. Por isso briga em conjunto com o Brasil por um acordo possível e viável do Mercosul com a União Europeia”.

Mercosul

Na visão de Caetano, no entanto, um governo progressista como o uruguaio deve buscar reativar, “como está fazendo”, ressalta, “a agenda externa do Mercosul”. Ele pontua ainda que “todos os governos do bloco sabem que chegou o momento de atuar precisamente se querem salvar a integração”.


Governo de Tabaré Vázquez dá sinais de que não vai fazer propostas na próxima rodada de negociações

Assim, pontua Caetano, “episódios como este devem nos fazer pensar estrategicamente as consequências dessa paralisia do Mercosul. Se não se reativar seriamente e em profundidade o processo de integração regional, as tentações bilaterais e os TLCs [Tratados de Livre Comércio] entre potências e pequenos acabarão prevalecendo”.

Apesar da paralisia do projeto integracionista, Caetano ressalta que acordos como o Tisa podem prejudicar o país porque o Uruguai e outros países pequenos “entram em negociações diretas com gigantes como os Estados Unidos ou a União Europeia sem os resguardos de um âmbito multilateral como a OMC (Organização Mundial do Comércio). Essas negociações se inscrevem na agenda de extrema liberalização (…) contrárias à ação do Estado em benefício da produção, dos setores populares e como motor de ações estratégicas de desenvolvimento nacional”, aponta.

Leia também: 6 vezes em que o Uruguai testemunhou 'mujiquices'

Além do Uruguai, outros latino-americanos compõem a iniciativa: Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Panamá e Peru. O Paraguai está estudando sua incorporação. Os demais integrantes são: União Europeia, Austrália, Canadá, Taiwan, Hong Kong, Islândia, Israel, Japão, Principado de Liechtenstein, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, Coreia do Sul, Suíça, Turquia e Estados Unidos.

“Os países desenvolvidos que impulsionam iniciativas como o Tisa seguem uma estratégia qualificada como “chutar a escada”, impedindo a evolução do resto dos países ao desenvolvimento de capacidades e tecnologias que eles já alcançaram. E para perceber isso não é necessário ter uma visão ideologizada sobre o mundo atual: basta registrar o que vem ocorrendo com os olhos bem abertos e as contas bem feitas”, conclui Gerardo Caetano.

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Análise

Patentes na OMC é uma derrota para os países do Sul Global

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Pandemia de covid-19 reativou a debate sobre a quebra de patentes para medicamentos e vacinas. Apesar de sua união em torno do tema, países subdesenvolvidos sofreram uma derrota

Alessandra Monterastelli

Outras Palavras Outras Palavras

2022-07-06T22:35:00.000Z

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No dia 17 de junho, saiu fumaça branca das chaminés da Organização Mundial do Comércio (OMC). A entidade, responsável pela regulação de patentes internacionais, anunciou que chegara a uma conclusão sobre as vacinas contra o coronavírus. Tratava-se do pedido de isenção do acordo TRIPS – sigla em inglês para Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Firmado na virada do século, tal compromisso obriga os países-membros da OMC a adotar padrões mais rigorosos de proteção patentária. Consequentemente, encarece o acesso às inovações tecnológicas, inclusive no setor farmacêutico. Mas a decisão final foi amplamente criticada por ativistas da saúde e movimentos populares em todo o mundo, já que a OMC rejeitou a isenção total do TRIPS. 

Em 2020, diante da disseminação do novo coronavírus, África do Sul e Índia protocolaram a proposta de isenção do Acordo, que obteve amplo apoio dos países em desenvolvimento e de baixa renda – com exceção do Brasil. A nova decisão foi saudada pelo Secretariado da OMC e por representantes de países ricos como um resultado sem precedentes, mas ativistas condenam que, na prática, a decisão não atende as necessidades mínimas da maior fatia do mundo. “Houve um esvaziamento da proposta pelos países mais ricos. O texto perdeu totalmente sua força, não trouxe nada novo”, explica Felipe Carvalho, Coordenador Regional da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras ao Outra Saúde.

A conclusão do órgão concedeu uma exceção temporária à restrição das quantidades de vacinas que podem ser exportadas sob licença compulsória; diagnósticos e tratamentos não estão incluídos e devem obedecer ao limite de exportação durante o tempo de licença compulsória – decretada durante emergências sanitárias, como é o caso da pandemia. Além disso, a concessão vale apenas para responder à covid-19 e não tem validade diante de outras crises de saúde. O acordo final não inclui o compartilhamento de segredos comerciais e know-how de fabricação, o que prejudicará a produção de vacinas com tecnologia avançada por países de baixa renda – como é o caso dos imunizantes de RNA.

Carvalho conta que o problema é abordado com frequência em reuniões escpecais da OMS e da ONU.  “Existe um consenso entre especialistas e órgãos multilaterais de que as patentes causam constantes crises de acesso e inovação na saúde”. Em maio, o The Guardian divulgou que a Pfizer lucrou 25,7 bilhões de dólares só no início de 2022 – mais da metade do valor está relacionado à venda de vacinas contra a covid-19. Tim Bierley, ativista do Global Justice Now, denunciou ao jornal britânico que apesar do apelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de outras organizações, a farmacêutica seguia se recusando a compartilhar a tecnologia de produção do imunizante. O diretor da OMS, Tedros Adhanon, afirmou em 2021 que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa. 

“Desde a criação do acordo TRIPs nós temos um cenário de constantes crises de acesso a medicamentos essenciais”, conta Felipe. Ele relembra o caso emblemático da epidemia de HIV/AIDS, na década de 1990. “Em 1996 surgiu a primeira terapia para a doença. As pessoas pararam de morrer e passaram a conviver com o vírus. Mas essa terapia não chegou nos países onde o cenário era mais grave”, explica. O ano de 1996 foi também quando o acordo TRIPS entrou em vigor, após sua criação em 1994 e preparação em 1995. “A partir daí se criou uma coalizão na sociedade civil, da qual fazemos parte, chamada Movimento de Luta pelo Acesso a Medicamentos. A pergunta era: por que os preços eram tão altos e o tratamento se tornava inacessível para milhões de pessoas? Nos aprofundamos no sistema de patentes e entendemos que o monopólio era a causa”, relembra.

Apesar do TRIPS possuir cláusulas que permitem flexibilizações, elas são de difícil utilização devido a dois fatores principais: sua não-incorporação completa em leis de países-membros e a pressão que as farmacêuticas exercem sobre as decisões da OMC. Na década de 1990, diante da grave situação vivida na África do Sul – país com maior número de mortes pela AIDS na época – o governo então liderado por Nelson Mandela aprovou uma das medidas previstas no TRIPS para importar genéricos. Na ocasião, Mandela sofreu o processo de 39 farmacêuticas que se opuseram à decisão tomada para conter a crise de saúde pública. Apesar da derrota das corporações na justiça, “esse é um exemplo de como essas empresas e seus países-sede tentam barrar as normas legítimas existentes no TRIPS”, exemplifica Carvalho.

A OMC é uma instituição formada por 164 membros e opera com base na tomada de decisões por consenso. “A OMC falhou em fornecer uma isenção. O acordo coloca os lucros à frente das vidas e mostra que o atual regime de propriedade intelectual falha em proteger a saúde e promover a transferência de tecnologia. Essa não-renúncia estabelece um mau precedente para futuras pandemias e continuará a colocar vidas em risco” declarou Lauren Paremoer, médica e integrante do Peoples’ Health Movement na África do Sul. 

A Health Action International, referência no trabalho para expandir o acesso a medicamentos essenciais, argumentou em nota que a decisão da OMC impõe obstáculos ao licenciamento compulsório, uma das poucas flexibilidades existentes no TRIPS, em troca de uma abertura tímida para a facilitação da exportação de vacinas. Outras entidades representantes da sociedade civil já denunciaram a atuação dos países ricos e vêm aumentando a pressão sobre os governos. O objetivo, segundo seus porta-vozes, é que sejam tomadas medidas concretas para desafiar as regras de monopólio farmacêutico da OMC e garantir mais acesso a medicamentos e tecnologias. 

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