Com potencial para se tornar um escândalo político, a revelação de documentos diplomáticos norte-americanos sobre a disputa entre o presidente de El Salvador, Mauricio Funes, e seu próprio partido, o FMLN (Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional), foi neutralizado pelos protagonistas citados nos documentos.
Os despachos relacionados à política doméstica salvadorenha foram divulgados pelo jornal espanhol El País e afirmavam que Funes pediu ajuda e proteção “aos Estados Unidos contra seus sócios ex-guerrilheiros”. A autoria foi atribuída ao então encarregado de negócios da embaixada norte-americana, Robert Blau, que exerceu a função de janeiro de 2008 a setembro de 2009. Os documentos vazados também descrevem um distanciamento entre Funes e a FMLN por diferenças no manejo das políticas interna e externa do país.
O governo salvadorenho sequer se pronunciou sobre a publicação dos despachos, enquanto os membros do antigo grupo guerrilheiro FMLN deram pouca importância.
“O presidente salvadorenho se sente espionado e traído pelos serviços secretos, nas mãos do setor linha-dura da FMLN. O presidente resiste a juntar-se ao eixo bolivariano”, citava a reportagem do El País.
Funes, um prestigiado jornalista sem experiência política, uniu-se à FMLN para disputar a eleição presidencial no empobrecido país centro-americano em 2009, vencendo no primeiro turno por pequena margem. Ele se tornou em 1º de junho de 2009 o primeiro presidente de esquerda de El Salvador, pondo fim ao governo da direitista Arena (Aliança Republicana Nacionalista), que se manteve no poder por 20 anos.
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Desde o início, o presidente salvadorenho garantiu que seu governo seria de “unidade nacional” e deixaria para trás os revanchismos políticos. Além disso, assegurou que seguiria os modelos do presidente social-democrata brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e do colega democrata norte-americano, Barack Obama.
A FMLN sempre deixou clara a opção de ser um partido aliado do socialismo do século XXI, liderado pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
Nos primeiros meses de governo, Funes e seu partido entraram em choque em várias ocasiões, por divergências sobre a condução do país. Vários dos documentos diplomáticos norte-americanos fazem referência a essas disputas.
“Há uma divisão crescente entre Funes e a FMLN desde a campanha presidencial de 2009. Ao longo da campanha, ele manteve um grupo de assessores que não eram da FMLN, algo que incomodou alguns na ala linha-dura do partido”, afirma um dos documentos divulgados.
Repercussão
O deputado efemelenista Roberto Lorenzana, que pertence à chamada “ala linha-dura” e renunciou à equipe que definiu as políticas públicas do então presidente eleito, deu pouca importância aos documentos revelados pelo Wikileaks. “A relação (entre Funes e a FMLN) não é tensa, é intensa. Na verdade, trata-se de documentos, de supostas mensagens eletrônicas, das quais não podemos fazer juízo de valor. Quem disse que isso é verdade, quem disse que isso é certo?”, declarou Lorenzana à imprensa.
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O parlamentar, que em várias ocasiões questionou a atitude do presidente Funes, disse que “esta informação não nos preocupa”.
A direita opositora salvadorenha se absteve de comentar os despachos.
Já o chanceler Hugo Martínez, membro da FMLN, afirmou em entrevista transmitida pela TV que o presidente cultiva a comunicação com seu partido apesar das divergências. “Embora possa haver alguma diferença de opinião, alguma divergência sobre como administrar certas coisas, há uma comunicação do presidente não só com a FMLN, mas também com todos os demais partidos do espectro político deste país”, declarou.
Martínez afirmou que a relação entre ambos é “muito boa” no momento e que “existem muitos outros desafios para o país além de uma informação obtida de forma pouco transparente”. O chanceler garantiu que a divulgação dos documentos não abala a estável relação com os EUA, principais parceiros comerciais de El Salvador. Cerca de 2,5 milhões de salvadorenhos moram nos EUA e enviam dinheiro a suas famílias. As remessas são a principal base da economia do país centro-americano.
O subsecretário de Estado norte-americano Arturo Valenzuela, que visitou San Salvador para se reunir com Funes, também se negou a comentar o conteúdo dos telegramas e assegurou que as relações entre os dois países não sofreram fissuras por causa da divulgação dos documentos. “Este incidente lamentável não afeta de maneira nenhuma a fortaleza, a qualidade e a amizade da relação que os EUA mantêm com El Salvador”, disse Valenzuela, que também visitou Honduras e a Guatemala.
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