O presidente da Bolívia, Evo Morales, disse hoje (2) que está decepcionado com a decisão do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de não fazer com que a Lei de Preferências Tarifárias e Erradicação de Drogas volte a entrar em vigor.
A decisão de suspender o benefício havia sido tomada pelo ex-presidente George W. Bush em novembro de 2008, mas Evo Morales esperava que Obama voltasse atrás e solicitou nos últimos dias a reversão da medida. Ontem, o presidente norte-americano decidiu ratificar a suspensão.
A lei (ATPDEA) é resultado de um acordo feito em 1991 entre os Estados Unidos e os países andinos tradicionalmente cocaleiros, ou que servem de corredores para o tráfico de cocaína, permitindo que as exportações de determinados produtos sejam isentas de impostos ao entrar nos Estados Unidos.
O argumento usado para a suspensão do acordo é que a Bolívia não tinha colaborado na luta contra o narcotráfico, pois expulsou do país agentes da agência antidrogas DEA. Segundo Washington, a Bolívia é o terceiro produtor mundial de cocaína. Morales se defende dizendo que “como nenhum outro país, a Bolívia cumpriu todos os compromissos internacionais em matéria de luta contra o narcotráfico”.
O presidente disse estar “decepcionado”, pois durante a Cúpula das Américas, realizada em abril em Trindad e Tobago, Obama havia afirmado que “não existem parceiros principais e secundários”.
“Disseram para não confiar em Obama, que o Império é o Império. A quem me recomendou, muito obrigado. Realmente o Império é o Império, felizmente a batalha continuará com a consciência dos povos não somente da Bolívia mas da América Latina”, declarou durante coletiva de imprensa realizada no Palácio Quemado, em La Paz.
Para o especialista em política externa da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Williams Gonçalves, era esperado que Obama seguisse a mesma direção do governo Bush. “Mesmo que na Cúpula das Américas o encontro tenha sido marcado pela cordialidade, as orientações políticas são diferentes”.
Gonçalves disse, em entrevista ao Opera Mundi, que não prorrogar a ATPDEA é característica de um governo “imperialista”. “A atitude naturalmente contradiz com as promessas de mudança da campanha e com a postura antigolpista diante de Honduras”.
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Na avaliação do diretor de análise de risco político latino-americano da consultoria Arko Advice, Thiago de Aragão, a decisão de Obama não é uma atitude intervencionista, pois a ATPDEA seria um apoio financeiro pedindo algo em troca.
O diretor do observatório político sul-americano do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Marcelo Coutinho, tem a mesma opinião. “A política anti-drogas é uma questão de Estado, uma questão de segurança, pois eles são os principais consumidores. A ATPDEA é um mecanismo de cooperação entre dois países soberanos. Uma das partes não estava satisfeita e recuou”.
Dados do governo boliviano indicam que o país conseguiu seqüestrar 48 imóveis, 610 veículos, 343 armas de fogo, 1508 equipamentos de comunicação e seis aviões de pequeno porte utilizados no narcotráfico. O governo garantiu que, até meados de dezembro do ano passado, a Força Tarefa Conjunta havia erradicado 5.484 hectares de coca, superando a meta anual de erradicação acordada com a comunidade internacional, que era de cinco mil hectares.
Relações comerciais
Thiago de Aragão acredita que tanto Obama quanto Morales têm razão. “É uma postura clara de suspensão de um benefício porque Evo Morales não modificou os pontos necessários em relação à produção de cocaína. Era uma tragédia anunciada. Agora Morales agora terá que se mobilizar para não ter problemas domesticamente”.
Segundo o presidente boliviano, com a não retomada do acordo, o prejuízo para a Bolívia deve ser de aproximadamente 25 milhões de dólares. Os principais setores beneficiados eram de tecidos e de couro.
Desde novembro, empresários bolivianos pedem ao governo que tente retomar a ATPDEA. De acordo com dados da Câmara de Exportadores de La Paz, a Bolívia exportava em média 377 milhões de dólares por ano para o mercado norte-americano, sendo pelo menos 40% em produtos com preferências tarifárias.
Coutinho afirma que a questão é mais complexa do que a suspensão de um benefício financeiro, já que trata-se de uma tradição da Bolívia e pode haver uma criminalização da produção de folhas de coca.
“A situação se complica porque ali há uma confusão de ambas as partes em relação à produção da folha de coca e da cocaína. As folhas de coca são tradicionais, cultura do país. E a cocaína é a produção voltada para o mercado do tráfico. O principal mercado são os Estados Unidos”.
Em março deste ano, Morales, que é de origem cocaleira, defendeu na Comissão de Narcóticos da ONU o consumo da “folha sagrada e milenar”.
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Diálogo desgastado
Em novembro do ano passado, Morales determinou a saída da DEA do território boliviano, acusando-a de apoiar financeiramente uma tentativa de golpe. A relação entre os dois países estava estremecida desde setembro, quando a Bolívia expulsou o embaixador norte-americano Philip Goldberg, acusado de conspirar contra o governo. Em resposta, os Estados Unidos expulsaram o embaixador boliviano, Gustavo Guzmán. Desde então, as embaixadas estão vazias. Morales também acusou a CIA de conspirar contra as políticas energéticas.
Para Thiago de Aragão, a suspensão da ATPDEA provavelmente atrasará a retomada das relações diplomáticas entre os dois países. Coutinho também acredita que dificultará o diálogo, mas ainda assim acha que será mais fácil conversar com Obama do que com Bush.
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