A Ucrânia irá às urnas neste domingo tão dividida quanto cinco anos atrás, quando a polêmica sobre suspeitas de fraudes nas eleições presidenciais culminou na “Revolução Laranja”. A principal diferença, contudo, é que, desta vez, o bloco de centro-direita que liderou o movimento de dezembro de 2004 e janeiro de 2005 está esfacelado, enquanto a centro-esquerda, derrotada na época, volta unificada.
A disputa pela presidência – que tem poderes de fato, no regime semi-parlamentarista ucraniano – está polarizada entre a primeira-ministra Yulia Tymoshenko e o oposicionista Viktor Yanukovitch, o candidato que ganhou mas não levou o pleito de 2004. Na ocasião, embora o resultado das urnas apontasse sua vitória, a votação acabou cancelada por ordem da Justiça, após semanas de intensas manifestações na capital, Kiev.
Na nova eleição que se seguiu, o vencedor foi o liberal Viktor Yuschenko, líder da oposição, que na época contava com o apoio da carismática Tymoshenko. Mas o atual presidente adotou políticas energéticas, sociais e externas que baixaram sua popularidade, o que se reflete nos pífios 3,7% das intenções de voto que tem atualmente. Na prática, está fora da disputa.
Os dois candidatos com maiores chances são de campos opostos, embora recentemente tenham buscado posições conciliatórias, tentando ganhar o eleitorado de centro ou ainda indeciso.
Viktor Yanukovitch, 59 anos, de origem operária e etnia russa, foi mecânico e fez carreira no setor de transportes como burocrata do Partido Comunista, na União Soviética. Foi primeiro-ministro sob a presidência de Leonid Kutchma, seu padrinho político. Já Yulia Tymoshenko, 49 anos, de família ucraniana, é economista e casou-se com um membro da nomenklatura local que, após a dissolução da URSS, tornou-se empresário. Como presidente da distribuidora de óleo e gás UESU, foi acusada judicialmente de fraude contábil e sonegação de impostos. Chegou a ser chefe de Governo sob o mandato de seu então aliado “laranja”, Viktor Yuschenko, mas rompeu com ele em seguida.
A polarização, no entanto, reflete os mesmos temas que foram pivô da crise de 2004: a aproximação política com a União Europeia ou a Rússia; a privatização desenfreada ou regulação estatal sobre a economia; e os status de privilégios ou igualdade entre a população de etnia ucraniana e os de etnia russa.
Posição estratégica
País de 46 milhões de habitantes, o maior da Europa (se considerado apenas o território integralmente no continente), esta antiga república soviética é naturalmente um ponto estratégico nas relações entre o ocidente e a Rússia. Pelo seu território passam alguns dos mais importantes oleodutos e gasodutos que escoam a produção do Cáspio e da Ásia Central para os consumidores europeus. Com o fim da Guerra Fria, a Europa e os EUA investiram para transformar a Ucrânia em um posto avançado dentro da esfera de influência de Moscou. A posição do país frequentemente gera crises, como em janeiro do ano passado, quando – por causa de disputas sobre os royalties do petróleo – Kiev fechou os dutos e interrompeu o abastecimento para o Leste Europeu.
As rusgas com a vizinha maior incluem ainda disputas territoriais sobre a Crimeia (tradicional região de veraneio para os russos) e o acesso aos portos de “água quente” no Mar Negro.
A última pesquisa, realizada pela Fundação das Iniciativas Democráticas – entidade mantida por verbas ocidentais –, aponta que Yanukovitch deve ter 33,6% dos votos no domingo, enquanto Tymoshenko deve vir em segundo com 19,2%. A porcentagem de Yuschenko não passa de 3,7%.
Serguei Chirikov/EFE
O Partido das Regiões, de Yanukovitch, é mais forte no lado oriental do país, nos distritos de maioria étnica russa, enquanto o Bloco Yulia Tymoshenko, partido batizado com o nome da candidata, concentra eleitores do lado ocidental, de maioria étnica ucraniana.
Campanha acirrada
Apesar da polarização, o eleitorado está dividido entre o grande número de opções: nada menos que 18 candidatos estão na cédula para o cargo de presidente; a maioria, com porcentagens abaixo de 2%. Por isso, os dois mais votados devem disputar um segundo turno no dia 7 de fevereiro.
Segundo a agência de notícias francesa AFP, as previsões para o segundo turno indicam que Yanukovitch seria vencedor, com 15 pontos de vantagem sobre a adversária.
Seguro da liderança, o candidato da centro-esquerda avisou que não iria ao debate promovido por um canal de TV no sábado. Yulia Tymoshenko enviou uma carta aberta para o concorrente, chamando-o de covarde. Foi uma ofensa até leve para uma campanha que desceu o nível em diversos momentos, com acusações de pedofilia contra deputados ligados a Tymoshenko e de estupro contra Yanukovitch.
Com a ascensão do grupo “laranja”, o país foi um dos fundadores do grupo GUAM (pelas iniciais de Geórgia, Ucrânia, Azerbaijão e Moldávia), formado para contrariar a influência russa na ex-URSS. Em reação, os aliados do Kremlin formaram o Espaço Econômico Comum (com Rússia, Bielorrússia e Cazaquistão, gigantes regionais do petróleo), assim como, no plano militar, a alternativa à Otan seria a OTSC (Organização do Tratado de Segurança Coletiva), liderada por Moscou.
No início da campanha, Yuschenko prometera surpreender e passar para o segundo turno – mas não saiu do patamar de 4%. Sua última cartada, esta semana, foi apresentar a eleição como “um plebiscito sobre o futuro europeu da Ucrânia”.
Conciliação
Apesar disso, ambos os candidatos revisaram algumas de suas políticas essenciais – buscando, principalmente, distanciar-se de Yuschenko. Agora, tanto Tymoshenko quanto Yanukovitch defendem uma aproximação estratégica com a UE, sem afrontar a Rússia, e são contrários à adesão do país à Otan (algo que o atual presidente defende desde a época da Revolução Laranja).
Esta semana, Tymoshenko fez uma declaração em que defendeu a necessidade de uma “mão forte” para governar o país, o que foi interpretado como uma tentativa de bajular os admiradores do premiê russo, Vladímir Putin, às vésperas da votação. O adversário respondeu em seguida que, “ao contrário da Ucrânia”, na Rússia a máquina estatal funciona.
Segundo o analista Sacha Tessier-Stall, chefe do setor de política externa do Centro Internacional de Estudos de Políticas Públicas, em Kiev, Yanukovitch “é muito mais pró-UE do que dizem, e a imagem dele como ferramenta do Kremlin tão é totalmente precisa”. Por outro lado, Tymoshenko “é competente e habilitada a governar, mas completamente imprevisível”, disse ele à agência de notícias Bloomberg.
O próprio Yanukovitch prometeu, se eleito, adotar uma política externa “pragmática e equilibrada”.
“A Ucrânia precisa ter uma face singular. Gostaria que fosse confiante, meritória e feliz. Vamos avançar com o processo de integração à Europa, mas isto precisa ser baseado em modernizações e transformações dentro da própria Ucrânia”, disse ele à agência local Ukrinform.
A previsão, portanto, é de que a república ex-soviética e maior país com território integralmente europeu continuará sendo um fiel da balança nas relações entre Europa e Rússia, um dos campos mais reminiscentes da Guerra Fria.
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