Após 39 anos do golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet no Chile, o ex-ministro chileno da Agricultura responsável pela reforma agrária no governo socialista de Salvador Allende, Pedro Hidalgo Ramirez, publica pela primeira vez em livro suas memórias como preso político. Aos 73 anos, o engenheiro agrônomo, que já foi o número dois do governo de Allende e se tornou responsável pela expropriação de 8,7 mil grandes latifúndios, faz um registro denso e corajoso no período de prisão.
Arquivo pessoal
Pedro Hidalgo em Talca, no Chile, em2007: “Uma homenagem ao eterno presidente Salvador Allende”
Sem lançar mão de recursos literários, Hidalgo descreve os quase sete meses de torturas físicas e psicológicas a que foi submetido, de setembro de 1973 a fevereiro de 1974, na cadeia pública de Chillán, na província de Ñuble, a 400 quilômetros ao sul de Santiago e, em seguida, na ilha Quiriquina, na Baía de Concepción, na região de Biobio, perto da cidade de Talcahuano. “No exílio, começava a escrever e chorava. Quando voltei ao Chile, entrei na Igreja pela segunda vez na minha e comunguei. Foi aí que comecei a escrever. Fiz 220 páginas sem chorar”, lembra.
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Ainda sem publicação no Chile, o livro inédito Do Fogo à Luz – Encontro com a Tortura, editado pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (SENGE-RJ), será lançado nesta quarta-feira (26/09), na sede da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Rio.
Antes de se tornar ministro, Hidalgo trabalhava na FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) em Lima, no Peru. Em 1970, ele estava prestes a seguir uma carreira internacional promissora e chefiar o Departamento para a América Latina, em Roma. Naquele mesmo ano, o cenário político no Chile era de eleições presidenciais. “E sucedeu o incrível. Pela primeira vez no mundo um candidato respaldado pelos partidos comunistas e socialistas venceu eleições livres e democráticas. Allende havia concorrido às eleições durante 24 anos.”
Divulgação
Em seguida, Hidalgo recebeu uma importante ligação do novo presidente chileno. “Me disse: 'Pedro, volte imediatamente, porque preciso de um chefe para planejar a reforma agrária. E você é a pessoa que mais conhece este tema'. Eu imediatamente renunciei à FAO por princípios políticos”, lembra o ex-ministro, que na época tinha 35 anos.
Se seguiram três anos de intenso trabalho. Hidalgo estreou como diretor de planejamento da Corporação de Reforma Agrária (CORA) e, em seguida, foi nomeado presidente do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário (INDAP). Chegou ao Ministério da Agricultura em 1973. “A direita ficou totalmente traumatizada, porque nunca imaginu que Allende realmente faria a reforma agrária”, recorda.
Prisão e simulacro de fuzilamento
Três dias após a morte de Allende, após a tomada do Palácio de La Moneda pelas forças lideradas por Pinochet, Hidalgo foi preso com dois assessores. Naquela quinta-feira, a tortura começou. “Primeiro fizeram um simulacro de fuzilamento. Na segunda-feira, cortaram meu no ânus e axilas e me deram vários golpes na cabeça. Foi doloroso, sangrei muito. Dali se seguiram sete meses”, descreve.
Hidalgo chegou a ser notificado como preso político desaparecido. Em Quiriquina, ele permaneceu durante quatro meses em um ginásio com outros 900 presos políticos. “Eles nos chamavam durante a noite pelos alto falantes para a tortura. Ficávamos todas as noites acordados esperando. Aqueles que resistiam voltavam, mas o que não, partiam em caixões”.
40 dias na escuridão
Em Chillán, o ex-ministro sobreviveu 40 dias em uma solitária, sem ver a luz do dia. “Era uma cela especialmente feita para ministros. Muitos dos presos que estiveram isolados enlouqueceram e foram enviados a hospitais psiquiátricos”, relata. Segundo Hidalgo, foi um castigo pela reforma agrária.
[Pedro com a esposa, Fresia, e os filhos Lorena e Andrés, em Cartagena, Colômbia, em 1974]
As sessões de choques elétricos até hoje permanecem vivas. “Me tiravam da solitária escura com um pano nos olhos para me torturarem com choques elétricos. Era terrível quando me colocavam os cabos elétricos na cabeça, nos testículos, em todo o corpo. E eles (militares) faziam piadas, ironias, e me diziam: 'expropria agora, viado'”.
Antes ateu convicto, Hidalgo se converteu ao cristianismo após a tortura. “Quando eu estava sozinho no calabouço às escuras, torturado, com ratos e tendo que fazer minhas necessidades em um buraco, quem poderia me ajudar?”, questionou.
Liberdade por acaso
Mesmo condenado a oito anos e um dia de prisão, a maior pena sentenciada pelo regime de Pinochet, Hidalgo foi colocado em liberdade em 14 de fevereiro de 1974. Obra do acaso, ou de uma “força superior”, como garante o ex-ministro, seu nome foi confundido com o de um homônimo de 20 anos, detido na mesma prisão. Quando se deram conta do engano, os militares foram atrás de Hidalgo.
Ele então buscou asilo político em alguma embaixada. Foi uma verdadeira operação de guerra, como descreve Hidalgo em seu livro. Ele teve que se passar por um padre holandês para despistar os militares chilenos e entrar na Embaixada da Colômbia, onde residiu por quatro meses até conseguir o salvo-conduto para embarcar para Bogotá.
O ex-ministro viveu seis meses na capital colombiana até chegar a Mérida, na Venezuela, onde viveu 20 anos. Ele retornou ao Chile com 54 anos. Hidalgo atualmente trabalha como funcionário da Direção de Obras Hidráulicas do Ministério de Obras Públicas na região do Maule, com sede na cidade de Talca, e continua realizando consultorias internacionais em países como Brasil, Venezuela e El Salvador.
Hoje, quase quatro décadas depois, Hidalgo afirma que a única forma de se reconciliar com o passado e fazer justiça é por meio da instalação de comissões de direitos humanos. No Chile, este movimento já existe há 15 anos. “A juventude precisa saber o que aconteceu na história. Não pode existir impunidade”, diz. “Tomara que o Brasil siga o mesmo caminho.”
Lançamento:
Dia: 26 de setembro de 2012, quarta-feira.
Horário: 19h às 22h.
Local: Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB– RJ)
Av. Marechal Câmara, 150 – 4º andar – Plenária I – José Lins e Silva.