Há dez anos, um novo movimento político desponta no cenário político da Espanha: jovem partido de extrema direita, o Vox é hoje a terceira força política no país e conta com as próximas eleições europeias para ter ainda mais influência em Bruxelas e Estrasburgo, junto ao grupo ECR, dos conservadores e reformistas europeus. Soberanista, nacionalista, anti-imigração e antifeminista, o Vox tenta seduzir os jovens eleitores e os antigos eleitores dos conservadores do Partido Popular.
A ascensão do partido acentua ainda mais a polarização no país, que celebrará em 2025 o 50º aniversário do fim da ditadura franquista.
Em Madrid, a poucos metros da sede do Partido Socialista Espanhol e perto do Palácio da Moncloa, residência oficial do presidente do governo desde a volta da democracia na Espanha, mais de cem pessoas com bandeiras espanholas nos ombros rezam juntas. Alguns, de joelhos. A manifestação tem se repetido todos os dias há mais de seis meses.
Esta é a reunião de uma seita conhecida como El Yunque, de extrema-direita e ultracatólica, criada na década de 1950 no México. O grupo denuncia o governo do socialista Pedro Sánchez e, em particular, a lei de anistia para os líderes independentistas catalães.
“Há 172 dias que rezamos o Santo Rosário pela conversão da Espanha e do mundo inteiro”, afirma José Andrés Calderon, organizador deste encontro. “Acredito que estamos passando por um processo de secularização muito grande. Vimos isso recentemente na França, com a constitucionalização do aborto como um direito fundamental. Acreditamos, portanto, que os católicos devem sair às ruas e defender a mensagem de Cristo para que ela esteja novamente presente na sociedade, entre as pessoas”, argumenta.
Ultraconservadores migraram para o Vox
O movimento se infiltra no Estado e atende aos interesses do Vox. Os membros do El Yunque apelam à Virgem Maria para salvar a Espanha e o mundo. Terminadas as orações, como todos os dias desde novembro, eles lançam insultos ao governo enquanto bloqueiam os carros que tentam passar pela rua.
Os participantes argumentam que o governo de Pedro Sánchez usurpou o poder. “Somos contra a anistia, contra este governo que quer quebrar a união nacional, que quer ir contra a separação de poderes. Eles estão destruindo nossa nação para se manterem no poder”, explica Gema, uma elegante mulher de 40 anos, mãe de dois filhos, que admite vir quase todos os dias da semana. “Pedro Sánchez está adotando uma atitude cada vez mais ditatorial”, avalia.
Enquanto isso, duas jovens espanholas passam e chamam os manifestantes de fascistas, antes de ouvirem insultos em troca. Alguns manifestantes as seguem e continuam os xingamentos, obrigando a polícia a intervir.
Gema diz que teria preferido um governo de coligação com o Vox após as eleições de julho de 2023, vencidas pelos conservadores do Partido Popular. O partido de extrema direita ficou em terceiro lugar, com mais de 12% dos votos, atrás do PSOE, o partido socialista.
“É realmente a única alternativa hoje. O Vox surgiu quando Mariano Rajoy [ex-primeiro-ministro, entre 2011 e 2018] estava no poder. Ele assumiu compromissos que não foram cumpridos”, relembra. “O Vox era então uma divisão do Partido Popular original. Gerou uma base própria que adotou uma estrutura um pouco diferente, mas a base inicial, a base ideológica é a mesma. O eleitor é o mesmo”, analisa.
Partido revive a nostalgia dos ex-franquistas
El Yunque infiltrou-se no poder judicial, no exército, na polícia, em certos setores econômicos, mas também no sistema educativo na Espanha. Por este meio, o Vox e os nostálgicos do franquismo difundem as suas ideias.
“Se ao menos pudéssemos ter um novo Franco!”, sonha Antonio Ruiz Hidalgo, um reformado que viveu o fim da ditadura e hoje participa das manifestações da seita. “Assim que expulsarem este sujeito do palácio do governo, sei que estaremos de volta a Moncloa”, aposta.
El Yunque e Vox trouxeram de volta os piores pesadelos de alguns espanhóis, especialmente daqueles que viveram e sofreram durante a ditadura de Francisco Franco. É o caso de Rafael, um eleitor socialista de 68 anos, decepcionado ao testemunhar o ressurgimento da extrema direita na Espanha.
“Anos de escuridão nos aguardam. Me lembra o filme ‘O Retorno da Múmia’. É isso mesmo, o fascismo está de volta”, lamenta. “Tem muita gente no sistema de justiça, no sistema militar e policial, muitos geeks fascistas que estão presentes nas redes sociais. Essa é uma oportunidade que eles não planejam perder.”
Vox e Partido Popular: a mesma luta?
A poucas semanas das eleições europeias, em 6 de junho, o Vox ainda é relativamente desconhecido no continente. Criado em 2014, no espaço de dez anos a legenda se consolidou como uma alternativa ao Partido Popular para eleitores que buscam valores mais conservadores.
“Do ponto de vista histórico, o Vox nasceu de uma tradição de direita radical na Espanha que remonta à década de 1930, antes da guerra civil, que passou pelo regime franquista e que esteve presente no Partido Popular. Agora, o que desencadeia o nascimento do Vox em particular é um sentimento de ameaça existencial à nação espanhola, com as independências regionais”, resume José Antonio Sanahuja, cientista político e especialista da extrema direita espanhola e sul-americana.
“Em outros países europeus, o fator migratório é que tem sido a chave para compreender a origem e o desenvolvimento da extrema direita. Certamente também foi importante na Espanha, mas foi o medo da secessão de uma das províncias autônomas que foi essencial”, complementa.
O Vox de fato decolou nas pesquisas de opinião em 2018, após a tentativa de independência dos movimentos catalães em 2017. Em 2019, a sigla obteve pouco mais de 10% dos votos nas eleições gerais, ou 24 deputados no Parlamento. No mesmo ano, o Vox também entrou no Parlamento Europeu, com três representantes eleitos.
Este aumento continuou alguns meses depois, nas novas eleições gerais em novembro de 2019. Desta vez, com mais de 15% dos votos, o Vox conquistou 59 deputados. Seu discurso cada vez mais reacionário e revisionista continua a atrair mais eleitores, segundo José Antonio Sanahuja.
“Eles têm uma posição relativamente ambígua, mas penso que podemos dizer claramente que são pró-Franco. Estão na sua cultura política e na sua exigência de ditadura”, salienta o cientista político. “E assumem também este revisionismo histórico da direita espanhola em que a ditadura, o levante militar de julho de 1936, era um mal menor diante de uma suposta revolução comunista que estava a ocorrer.”
Antifeminismo, uma das principais bandeiras
O Partido Popular, agora abertamente próximo da extrema direita, também surfa na onda do revisionismo – que o Vox amplia às teorias e movimentos contemporâneos, como o feminismo, muito significativo na sociedade espanhola.
O país muitas vezes é citado como exemplo no mundo depois de adotar, no início dos anos 2000, uma legislação específica contra os feminicídios. “O programa político da ultradireita é essencialmente antifeminista”, nota Ana de Blas, porta-voz do movimento feminista de Madri, que reúne associações que lutam pelos direitos das mulheres.
“Somos um movimento pela igualdade e somos um movimento enraizado na defesa das mulheres, contra a violência machista que é exercida especificamente contra as mulheres e, em muitos casos, contra seus filhos. Uma das principais preocupações desta direita reacionária é acabar com leis específicas que protegem as mulheres contra esta violência”, acusa.
Entre os seus representantes eleitos em nível local, o Vox conta com pessoas que foram condenadas por violência de gênero ou violência doméstica. “O objetivo deles não é outro senão uma reação dos círculos sociais ultraconservadores para defender os seus privilégios. Esses privilégios masculinos e de classe são aqueles que o Vox carrega como padrão”, diz Ana de Blas. “É uma opção tradicionalista, ultraconservadora nas questões sociais e ultraneoliberal nos seus assuntos.”
A campanha europeia começa esta semana na Espanha, como nos outros países europeus, que renovarão o Parlamento do bloco. Ao contrário de grupos como o Fratelli d’Italia, o partido da italiana Giorgia Meloni, ou o Fidesz, do presidente húngaro Viktor Orban, o espanhol ainda não beneficia do mesmo apoio popular. Mas o Vox compreendeu muito bem, tal como os outros do grupo conservador ECR, que este ano a extrema direita poderá se tornar uma força política de peso na União Europeia, o que obrigará a futura Comissão a lhe estender a mão.