Centenas de pessoas lotam a sala de conferências do Hotel Maria Isabel Sheraton, a poucos metros da embaixada dos Estados Unidos, no centro da Cidade do México. Ansiosas, esperam o início do leilão organizado pelo SAE (Serviço de Administração e Alienação de Bens da Secretaria da Fazenda) e protagonizado por exemplares de carros luxuosos, anéis forrados de diamantes e outras pedras preciosas e até aviões. O único detalhe é que os antigos donos dos objetos são bastante conhecidos – e temidos – pela população: são os chefes do tráfico de drogas mexicano.
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Relógios luxuosos, cravados de pedras preciosas,foram alguns dos itens oferecidos no leilão
O SAE decidiu leiloar lotes de bens confiscados pelas forças policiais mexicanas nos últimos meses. No entanto, o evento realizado no dia 19 de novembro também leiloou itens “comuns”, além dos adquiridos em apreensões realizadas pela Polícia Federal em casas e famílias do narcotráfico. “Os bens confiscados do narcotráfico são principalmente as joias, relógios e carros “, explicou Victor Sánchez, responsável pela comunicação do SAE. “Ficamos surpresos com o número de pessoas que participaram do leilão. Não esperávamos tanta gente”, confessou.
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Muitos dos presentes são comerciantes ou frequentadores habituais de leilões públicos, porém, grande parte, segundo a organização do evento, era formada por curiosos que foram admirar os tesouros dos traficantes. “Quero ver o que aquelas casas escondem, as casas dos mafiosos de que falam os jornais e a televisão, que têm vidas tão luxuosas e diferentes das nossas”, contou Patricia Pereña, que levou os filhos adolescentes para admirar os pertences dos criminosos.
“Quero comprar um lote de Rolex com pedras preciosas, porque possuir esses objetos me emociona”, afirmou um homem bem vestido, pedindo para não ser identificado. “Sou um colecionador, mas é diferente pôr as mãos em algo que pertenceu a alguém que pode ter matado dezenas de pessoas.”
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Pulseiras e anéis avaliados em milhares de dólares puderam ser adquiridos a preços mais baixos
Caça ao tesouro
Além dos interesses bizarros de alguns compradores ou curiosos, o leilão tem o objetivo de levantar verba para os cofres do Estado. Por isso, o SAE apostou no fascínio perverso do narcotráfico. “Na verdade, apenas uma pequena parte dos lotes à venda é formada por apreensões de capos do narcotráfico”, revelou um dos funcionários do SAE.
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“Investimos na capacidade de atração deste fenômeno para dar publicidade ao evento. Além disso, nenhum comprador pode saber com certeza quais são os bens do narcotráfico, pois no bracelete de ouro Cartier não está escrito 'pertence à família do Chapo Guzmán'”, brincou o funcionário, ao se referir a Joaquín “El Chapo” Guzmán, chefe do cartel de Sinaloa e o traficante mais procurado do México. “Assim, todos ficam sempre em dúvida. É preciso dizer que alguns objetos especialmente elaborados, como por exemplo algumas caminhonetes enfeitadas e modificadas de modo excessivo e às vezes brega, podem ajudar a revelar o estilo do antigo proprietário, embora o mau gosto não conheça fronteiras.”
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Relógio em forma de ouro branco, cravejado com 76 diamantes e ilustração da morte
Fascínio mórbido
Predomina entre as centenas de compradores e milhares de curiosos uma sensação que, silenciosamente, é cada vez mais difundida no país: uma curiosidade mórbida em relação aos membros das famílias do narcotráfico. Além do terror e da insegurança, graças aos 30 mil mortos nas guerras entre cartéis, o clima de violência difundiu também uma admiração mórbida pelas figuras importantes dos cartéis.
Os acontecimentos que envolvem os chefões provocam cada vez mais curiosidade ou até mesmo paixão, a mesma que seria dedicada a um personagem da televisão ou um cantor famoso. Os narcotraficantes são “gente famosa”, de quem se deseja ter em casa um relógio, uma joia ou um automóvel, para exibir aos amigos.
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As instituições e as empresas percebem este novo sentimento e o utilizam para vender mais. “No fundo, o que há de mal nisso?”, diz o funcionário, que esconde o crachá para não revelar o nome. “O dinheiro do leilão vai também para os cofres da Polícia Federal, que serve para nos proteger do narcotráfico. Então é um pequeno artifício por uma causa justa.”
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