Já responsável por mais da metade do comércio exterior da Sérvia, a UE (União Europeia) propõe um estreitamento definitivo de relações ao país que já foi o coração da antiga Iugoslávia. Em troca, os sérvios teriam de abdicar da reivindicação de Kosovo – um território que, para parte deles, ainda os pertence.
Na próxima sexta-feira (09/12), Bruxelas decide se dá a Belgrado o estatuto de candidata a Estado-membro. Entretanto, a chanceler alemã Angela Merkel já adiantou no fim da semana passada (02/12) o país não satisfaz as condições exigidas. Três meses antes, Merkel condicionou o “sim” da UE ao desmantelamento das estruturas “paralelas”, (segundo ela) da Sérvia no Kosovo, que se declarou independente de forma unilateral em 2008.
“Caso a Sérvia queira atingir o estatuto de candidata, deve restabelecer os diálogos [com o autoproclamado governo do Kosovo], autorizar a Eulex [força da UE que atua no território] a trabalhar em todas as regiões e abolir as estruturas paralelas sem criar novas”, disse Merkel em sua primeira visita a Belgrado, em agosto. Na última quarta-feira, e sem o avanço nesse sentido a uma semana da decisão, ela foi taxativa: “Nesse momento a Sérvia não atinge as condições para o processo de acesso à UE”.
Vítor Sorano
“Kosovo é Sérvia”, diz a pichação no muro do antigo Ministério da Defesa
Durante a visita de Merkel, os negociadores de Pristina e Belgrado não conseguem entrar em acordo sobre a gestão das fronteiras administrativas do Kosovo ou a participação kosovar nos fóruns regionais. Segundo o negociador do governo sérvio, Borislav Stefanović, o Kosovo quer fronteiras territoriais completas, mas a Sérvia exige um tratamento diferente.
Na seqüência da reunião, Merkel divulgou o comunicado. “Boas relações com os vizinhos e cooperação regional são parte da política de expansão da UE. No longo prazo, não queremos apenas a Sérvia, mas também o Kosovo no bloco e a manutenção do funcionamento da UE. Por conta disso, o caminho da Sérvia na UE passa pela normalização das relações com o Kosovo.” O resultado é que o fim de semana será de mais discussão.
O condicionamento por parte do bloco faz com que a chance de entrada na UE perca popularidade no país. Segundo uma pesquisa de opinião da publicação New Serbian Political Thought, apenas 47% dos sérvios fora do Kosovo querem que o país entre para o bloco, uma percentagem que em 2007, antes da independência, esteve acima de 70%. Por outro lado, 75% não trocam o controle da região Kosovo pela entrada no bloco continental.
Em Belgrado, manifestantes instalam barricadas falsas chamando a atenção para a população sérvia do norte do Kosovo, que tem construído barreiras reais para impedir que o governo kosovar estabeleça controle fronteiriço entre o território e a Sérvia. “Os sérvios do Kosovo estão defendendo sua terra com seus corpos e nós os apoiamos. Não queremos UE nem OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) porque eles pretendem cortar nosso país. As pessoas do topo do governo é que os desejam”, disse a presidenta da Associação Mulheres do Kosovo e Metojia, Zorica Saric, durante um protesto no início do mês.
Controvérsia
“Eu sou contra a União Europeia, com ou sem Kosovo. A Bulgária e a Romênia entraram e estão bem pior do que a gente. A única coisa positiva é que podemos viajar livremente. Caso a gente entrasse na UE, amanhã todo mundo ia ter trabalho?”, questiona Milos Bjelobra, engenheiro mecânico, de 27 anos, declaradamente de direita. “Mas a Sérvia não vai parar o processo de integração”, resigna-se.
Enquanto é fácil de encontrar pichações como “Kosovo é Sérvia”, a capital Belgrado tem sido pontilhada com painéis do movimento “Reversão”. Lançado por dois partidos de oposição, que têm 18 dos 250 deputados no Parlamento sérvio, o grupo prega explicitamente o abandono do Kosovo em favor da integração na UE.
Vitor Sorano
Painel do Reversão, defendendo a adesão à UE
“Os países europeus não têm fronteiras e nosso governo, que afirma estar levando a Sérvia para a Europa, arrisca a fechar-nos a porta europeia por causa de quatro alfândegas e dois cruzamentos de fronteira”, diz a declaração do movimento, em referência à relutância da Sérvia em aceitar que o governo do Kosovo estabeleça estruturas fronteiriças com o território sérvio.
Desacordo público
Uma nova onda de tensão teve início no meio do ano na região norte do Kosovo, onde se concentra a população sérvia do território, que tem maioria albanesa. Nela, Belgrado ainda mantém estruturas governamentais como escolas.
Há pelo menos quatro meses, os sérvios dessa região construíram barricadas que a KFOR (Força de Kosovo, frente pacificadora da OTAN) já tentou por várias vezes retirar, sem sucesso. Na última quinta-feira (24/12), em Dundi Krs, houve novo confronto, quando a KFOR diz que 21 membros da força foram feridos.
A forma de abrandar a tensão entre Sérvia e Kosovo na região continua indefinida. Poderia ir desde um improvável reconhecimento da independência da província – algo que não encontra unanimidade no seio da UE – até uma retirada das estruturas sérvias da região norte e o estabelecimento de uma fronteira de controle conjunto. Mas há pouco consenso mesmo para os pequenos passos.
A dificuldade de consenso fica patente até nas discussões apenas entre os sérvios. Na última sessão do Parlamento voltada a definir um consenso sobre o Kosovo, em 18 de novembro, os partidos só concordaram na ocorrência de total discordância nas soluções propostas. Criticaram os acordos já estabelecidos pela Sérvia com as autoridades do Kosovo nas reuniões intermediadas pela UE e com observação dos EUA, em Bruxelas. Nelas, o governo sérvio chegou a aceitar que autoridades kosovares tenham carimbos alfandegários, mas sem que neles conste qualquer referência a um governo próprio.
Vitor Sorano
Manifestação em apoio aos sérvios residentes no norte do Kosovo, que montam barricadas para evitar invasões
Nem dentro do governo, formado por uma coalizão, enxerga-se unidade. O primeiro-ministro adjunto e ministro do Interior, Ivica Dacic, do Partido Socialista da Sérvia, disse ao jornal Press no dia 23, que os sérvios deveriam ir à guerra, “se fosse necessário”. “(Hashim) Thaci (o primeiro-ministro do Kosovo) precisa saber que atacar sérvios no Kosovo é atacar Belgrado. A Sérvia não pode assistir a isso pacificamente.
Deputada do Partido Democrático, o mesmo do presidente sérvio Boris Tadic, Jelena Trivan afasta totalmente a possibilidade de um novo conflito. “A Sérvia não pode suportar o luxo de perder outra geração em guerras porque daí não haveria mais Sérvia. Então devemos lutar todas as novas batalhas com inteligência e diplomacia”, afirmou.
Flexibilização
Eleito com a bênção da UE, Tadic vê-se agora forçado a flexibilizar sua posição em relação ao Kosovo como forma de cumprir, em parte, a promessa de campanha de colocar a Sérvia no grupo. A aceitação da candidatura foi promessa de campanha do atual presidente e seria dos poucos pontos positivos para mostrar nas eleições parlamentares de 2012 e nas presidenciais de 2013, já que a economia do país afundou. Entre 2008, quando foi reeleito, até 2010, a Sérvia perdeu 400 mil empregos.
Se, por um lado, tanto Sérvia quanto UE estão interessados na candidatura do país, por outro há muitas incompatibilidades em relação ao que cada um deve ceder. Para Kosta Josifidis, professor de economia e integração europeia da Universidade de Novi Sad, “devemos negociar muito e selar alguns compromissos com a UE, já que é dessa forma a verdadeira política”. No entanto, ele lembra que nenhum país até hoje teve de abrir mão de parte do território para entrar na UE.
Para a pesquisadora em estudos russos e do leste europeu pela Universidade de Birmingham e associada ao EUISS (European Union Institute for Security Studies), Jelena Obradovic, a integração na UE é importante para o governo da Sérvia, tanto que está entre as políticas estruturais. No entanto, ela não acredita que alguma das partes irá ceder. “Acho que Sérvia e UE irão trabalhar em prol de um compromisso, mas não acredito que um vai se curvar à vontade do outro”.
A entrada no bloco é vista pelos analistas como forma de atenuar problemas econômicos do país e um caminho automático em termos geográficos e culturais. Josifidis assinala a integração como um bom negócio por conta do volume comercial que a UE representa no comércio externo da Sérvia, a proximidade geográfica e a ligação histórica com a região. O bloco é o maior parceiro comercial do país, representando mais de 56% das importações e exportações até outubro deste ano, segundo o Escritório de Estatística da República da Sérvia.
Para o deputado Slobodan Samardzic, ex-ministro e coordenador do time de negociação de Belgrado para o futuro do Kosovo no governo Vojislav Koštunica (entre 2004 e 2008), a Sérvia precisa se fortalecer economicamente para entrar na UE com um maior poder de negociação. A estratégia, na visão dele, seria diversificar o comércio – principalmente agrícola do país – com outros mercados, nomeadamente a Rússia e o Oriente.
Estatuto amargo
Samardzic acredita que há uma distancia grande entre a aceitação da candidatura da Sérvia e a efetiva entrada na UE, e seria um mau negócio para o país.“Caso a Sérvia concordasse com a separação, isso não iria contribuir para o acesso à UE. A UE não é capaz de se alargar mais. Por outro lado, reconheceria algo que foi feito por violência e por quebra das lei internacionais e da própria Sérvia”, diz.
Josifidis vê possibilidade semelhante. “Atualmente a UE está em busca de si mesma, cansada, saturada; com grandes e sérios problemas internos relacionados à zona do euro. Por isso, uma entrada célere não é realista.”
Obradovic concorda que a perspectiva de espera é plausível devido à crise econômica. “Um longo período como candidata é bem provável, ainda mais levando em consideração as turbulências internas na UE.” Diante dessa possibilidade e das condições exigidas, mesmo conseguir o estatuto de candidato poderia resultar em uma derrota para Tadic.
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