Um comunicado da Sinagoga Portuguesa de Amsterdã, na Holanda, emitido na semana passada (01/12), recuou de uma postura proibitiva que a instituição havia adotado no final de novembro, quando negou a um pesquisador norte-americano acesso aos arquivos do local. O documento em questão é uma carta endereçada a Yitzhak Melamed, professor de Filosofia da Johns Hopkins University que estuda o filósofo Baruch Espinosa, e contém um pedido de desculpas ao acadêmico por ele ter sido anteriormente declarado como “persona non grata” pela sinagoga holandesa.
Melamed foi classificado dessa maneira após ter um pedido negado pelo templo para que ele fosse filmado nos arquivos consultando obras de Espinosa para um documentário da TV israelense sobre a vida e as ideias do pensador.
“Nós estamos arrependidos que um pedido normal para visitar as dependências da Sinagoga Portuguesa para trabalhar no documentário da Kan Israel Broadcasting Cooperation tenha levado a um alvoroço internacional”, disse a instituição na carta ao pesquisador.
O “alvoroço internacional” ao qual a sinagoga se refere começou quando a mesma instituição, em nota assinada pelo rabino Joseph Serfaty no dia 28 de novembro, negou o pedido de visita de Melamed utilizando como justificativa o fato de o filósofo Espinosa ter sido “excomungado” no século 17 e de seu trabalho ter sido banido da comunidade judaica-portuguesa na Holanda.
Descendente de portugueses e holandeses, Espinosa foi banido pela mesma sinagoga de Amsterdã no ano de 1656, tendo recebido o chérem, o equivalente judaico para a excomunhão. A punição visava atacar as ideias do filósofo iluminista, que afirmava que o divino é um mecanismo interno da natureza e que as escrituras religiosas eram obras alegóricas.
Para Samuel Neuman, membro do Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil, o episódio evidencia que existem “pessoas autoritárias, que se julgam profundos conhecedores e interpretam as situações segundo sua visão específica de mundo”, dentro da comunidade judaica.
“Tanto na parte laica quanto na religiosa da comunidade judaica, a diversidade é um fator a ser considerado. O assunto em questão correu mundo e não faltaram publicações na mídia questionando a posição do rabino Serfaty, inclusive pela própria comunidade judaica religiosa holandesa”, disse Neuman.
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Sinagoga Portuguesa de Amsterdã, na Holanda, havia declarado pesquisador como ‘persona non grata’
De acordo com o brasileiro, que também integra o Movimento Judeus pela Democracia em São Paulo, a primeira resposta dada pela sinagoga e assinada por Serfaty foi excessiva. “Pela solução dada e pela resposta encaminhada ao professor Melamed, eu diria que houve excesso na resposta dada pelo rabino”, afirmou.
Em artigo publicado no jornal Times of Israel, o rabino Nathan Lopez Cardozo, que também é holandês e dirige um think tank que produz abordagens filosóficas sobre o judaísmo, foi uma das vozes mais críticas contra a postura da sinagoga de Amsterdã.
“Vergonhoso!”, declarou Cardozo, afirmando que a instituição e o rabino Serfaty, mesmo discordando das ideias do pesquisador, deveriam “convidá-lo para discutir suas intenções e o conteúdo do documentário e possivelmente contribuir para sua realização”.
“Sua visão de que o banimento das obras de Espinosa ainda está vigente indica que você não está familiarizado com seus escritos e é completamente incapaz de expressar uma opinião sobre sua filosofia”, disse Cardozo, argumentando que o filósofo só esteve banido enquanto estava vivo e que as restrições se encerraram após sua morte.
Na carta de desculpas publicada na quarta-feira, a Sinagoga Portuguesa de Amsterdã deixa claro que seus rabinos “não têm autoridade exclusiva para declarar ninguém como persona non grata” e que os arquivos da instituição estão abertos a Melamed e ao público em geral.
“Nós realmente esperamos que você decida seguir com seus planos de vir a Amsterdã e realizar seu trabalho como foi solicitado”, conclui a carta.