Na Argentina, Avós da Praça de Maio encontram neto 133, sequestrado pela ditadura
Organização encontrou filho de Cristina Navajas e Julio Santucho, então militantes de esquerda durante ditadura argentina (1976 - 1983)
A organização argentina Avós da Praça de Maio anunciou nesta sexta-feira (28/07) a identificação de mais um neto, o 133º, em evento realizado na sede da entidade, em Buenos Aires.
A organização foi fundada em 1977 por mães de presos e presas políticas que se reuniam na praça em frente à Casa Rosada para reclamar pelo paradeiro dos seus filhos e netos. Desde então, a principal missão da entidade é tentar encontrar essas crianças desaparecidas, através de campanhas de conscientização sobre a restauração da identidade.
O neto 133 se trata do filho de Cristina Navajas e Julio Santucho, ambos militantes do Partido Revolucionário dos Trabalhadores da Argentina. Cristina estava grávida quando foi sequestrada por agentes da ditadura do país, em julho de 1976.
A última ditadura argentina, entre 1976 e 1983, teve como uma de suas características um esquema de apropriação de filhos de presas políticas. Se estima que foram roubadas mais 500 crianças de militantes opositores, algumas delas nascidas enquanto suas mães estavam na prisão, outras sequestradas quando ainda eram bebês. Algumas dessas crianças foram adotadas ilegalmente por chefes militares argentinos ou pessoas poderosas no país, mas também há registros de menores que foram vendidos a casais no interior do país e até no exterior.
O neto 133
Como costuma acontecer em suas coletivas, as Avós mantiveram a identidade do neto descoberto em sigilo. Ele não poderá conhecer sua verdadeira avó, que faleceu em 2012, mas se sabe que já conheceu seu irmão, Miguel Santucho. “Ele é muito parecido ao meu pai, os mesmos traços, o mesmo sorriso e o mesmo gosto futebolístico, ele é ‘bostero’, como eu”, brincou Miguel durante a coletiva, indicando que o irmão, assim como ele, é torcedor do Boca Juniors.
Também se sabe que o neto descoberto tem dois filhos, razão pela qual Miguel contou que “hoje eu ganhei um irmão e dois sobrinhos”.

Abuelas de Plaza de Mayo
Identificação do neto 133 foi anunciada pelas Abuelas na sede da entidade, em Buenos Aires
“Desde o primeiro minuto ele expressou o desejo de nos conhecer. Estava nos procurando e obviamente está feliz, mas surpreso com a magnitude do que encontrou. Ele vai demorar um pouco para elaborar tanta informação, como costuma acontecer, mas eu tenho a sensação de ter encontrado um ser luminoso, verdadeiramente especial, e não tenho dúvidas que estaremos juntos para o resto das nossas vidas”, acrescentou o irmão do neto encontrado.
Nélida e Cristina
Miguel Santucho também recordou sua avó, Nélida Navajas, falecida há 11 anos, e disse que ela o fez jurar que continuaria a luta para encontrar o neto desaparecido. Nélida, mãe de Cristina, foi uma das fundadores da organização.
“Minha avó foi um exemplo para mim, uma referência, como todas as Abuelas, que foram tratadas como loucas, atacadas pelo regime, algumas sem ter certeza do nascimento dos seus netos. Minha avó sequer sabia se procurava um neto ou uma neta, mas nunca desistiu de lutar”, comentou.
O pai do neto recuperado, Julio Santucho, também falou durante a coletiva, mas dedicou mais palavras à sua ex-companheira, Cristina Navajas, desaparecida durante a ditadura. “Sei da provação que ela teve que passar. Cristina precisou de muita força de vontade para parir esse filho, o que é maravilhoso, é uma demonstração do caráter forte dela”, disse Julio, emocionado.
A presidente das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, afirmou que o trabalho e a busca que "nós fazemos é tão sério e tão tremendamente difícil, mas não nos machucam, nos encorajam. Aqueles que têm dúvidas vêm nos contar suas dúvidas. Eles podem estar em qualquer lugar do mundo”.
O testemunho de Miguel Santucho, sobre a promessa feita à sua avó, fez Carlotto recordar que muitos netos recuperados trabalham atualmente na organização. “Há poucas avós vivas atualmente para poder conhecer os seus netos, mas o trabalho vai continuar, porque nossos netos permanecerão. O futuro é deles. A renovação já está acontecendo dentro da instituição”, assegurou Carlotto.