Na última década, a inserção da arte latino-americana em um contexto global foi fundamental para redefinir a importância de alguns artistas brasileiros no cenário internacional. Hélio Oitica (1937-1980) e Lygia Clark (1920-1988) são os maiores exemplos. Se o criador do termo Tropicália e dos Parangolés não teve muita atenção na exposição que fez na Whitechapel Gallery, em Londres, em 1969, sua retrospectiva na Tate Modern, em 2007, contribuiu para colocar o artista entre os principais nomes da arte moderna latino-americana.
Ricardo Ruikauska
“Mandala”, trabalho de 1974 de Mira Schendel, do acervo de Jones Bergamin, © mira schendel estate
Ligia Clark, que na década de 1960 tinha dificuldades até para pagar o aluguel, hoje tem suas esculturas vendidas por cifras milionárias e sua obra está presente em alguns dos mais importantes museus do mundo.
Seis anos depois da histórica exposição de Oiticica na Tate Modern, a prestigiada galeria britânica dedica 14 salas à primeira retrospectiva já organizada sobre a suíço-brasileira Mira Schendel (1919-1988), inaugurada em setembro e visitada por cerca de 50 mil pessoas até o início de janeiro. E, se depender da repercussão positiva que a mostra alcançou entre a crítica local, em breve a artista terá o mesmo prestígio que seus contemporâneos.
© Clay Perry, England & Co Gallery
Fotografia da artista plástica suíça radicada no Brasil Mira Schendel tirada em Londres, em 1966
“Seu reconhecimento fora do Brasil pode ter demorado a acontecer, mas ela vem ganhando muito interesse nos últimos anos. As pessoas estão cada vez mais familiarizadas com a obra de Mira. Tenho visto diversos museus interessados em adquirir seu trabalho”, conta a curadora Tanya Barson, especialista em arte latino-americana, que também assinou a curadoria da mostra sobre Oiticica.
Em cartaz até o dia 19 de janeiro, a retrospectiva reúne cerca de 270 trabalhos da artista, entre pinturas, esculturas e boa parte de sua famosa série de Monotipias, com delicados desenhos que misturam letras e palavras sobre pedaços de papel de arroz, além das esculturas Droguinhas. Como a maior parte da obra pertence a coleções particulares, a grande dificuldade foi localizar trabalhos fundamentais que nunca tinham sido exibidas – entre eles os chamados “cadernos”, espécie de livros-objetos com desenhos feitos sobre páginas semi-transparentes que se misturam às ilustrações das páginas anteriores, pertencentes ao acervo da família da artista.
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© mira schendel estate
Organizada também pela Pinacoteca do Estado, em São Paulo – para onde a exposição segue em meados de julho – este é o primeiro projeto resultado de uma parceria firmada entre as duas instituições, em 2012. Além de exposições, A Tate Modern e a Pinacoteca pretendem desenvolver projetos em outras áreas, como preservação e arte-educação.
[“Still Waves of Probability”, instalação de 1969 de Schendel, apresentada desde o ano passado na Tate Modern]
Artista transnacional
Um dos aspectos explorados na retrospectiva em Londres é a ideia de transitoriedade, fundamental na trajetória da artista nascida em uma família judaica em Zurique, na Suíça; criada em um ambiente católico em Roma, na Itália; e radicada em São Paulo, depois de chegar ao Brasil fugindo da perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra.
O caráter transnacional de sua obra aparece em temas como o interesse pela língua – ou, no caso, pelas referências aos seus três idiomas: alemão, italiano e português. Seja pelo jogo de frases que ganham forma sem perder o sentido, ou em caracteres dispostos aleatoriamente, a palavra está sempre presente em sua produção artística.
A complexidade de seu trabalho também é apontada por Tanya como um dos motivos para o reconhecimento tardio de Schendel: “Apesar de sua obra ter algumas similaridades com a de outros artistas brasileiros da mesma época, ela seguiu um caminho independente, não integrou nenhum movimento”, constata.