“Em termos de direitos humanos, nada mudou. As coisas estão iguais. Acho que não avançamos a nenhuma direção, já que aqui há uma situação em que tantos abusos ainda acontecem e de formas tão diversas”, afirmou a Opera Mundi o indonésio Haris Azhar, coordenador da ONG KontraS, que esteve em São Paulo recentemente para participar do XIV Colóquio Internacional de Direitos Humanos.
Patrícia Dichtchekenian/OM
Haris: ativista de direitos humanos acredita que sua missão é “manter a chama acesa” em meio a abusos que ocorrem na Indonésia
Em 17 de janeiro de 2015, seis pessoas de diferentes nacionalidades — entre elas, o brasileiro Marco Archer — foram executadas por tráfico de drogas sob ordem do governo indonésio, gerando um conflito diplomático entre Brasília e Jacarta, além de uma série de campanhas e pressões internacionais contra a pena de morte.
Mas o esforço foi em vão: pouco mais de três meses depois, o brasileiro Rodrigo Gularte teve pedidos de clemência negados pela justiça da Indonésia e foi submetido à pena capital em 28 de abril, junto a outros sete condenados por crimes relacionados às drogas.
“Para mim, a morte de Rodrigo Gularte não foi mera aplicação de uma lei, mas uma verdadeira execução, porque foi comprovada a doença mental dele. Está claramente posta, na nossa legislação criminal, que qualquer pessoa com doença mental não pode ser punida”, afirmou Azhar, que participou de perto do processo do brasileiro.
Para o ativista, a presença do Estado indonésio é muito fraca no sentido de proteger e de garantir os direitos das pessoas e, aos seus olhos, o atual presidente, Joko Widodo, usa a pena de morte como mecanismo para influir em sua popularidade.
“Quando um líder põe a pena de morte como ferramenta política, as pessoas ficam contentes e pensam: ‘ah ele está fazendo uso da lei, este é um homem forte!’ Mas olhe bem as vítimas que foram executadas: é verdade que a maioria está vinculada a crimes relacionados a drogas, mas observe um por um: a mídia local e o governo colocam como se eles fossem os reis dos traficantes de drogas”.
“Mas como? Os verdadeiros patrões estão em casa, tranquilos, pagando as pessoas pra que elas enviem as drogas. Aqueles que foram pegos pela polícia e sentenciados à morte não têm dinheiro nem para ter direitos básicos: Rodrigo não teve tradutor, nem bons advogados”, acrescenta o coordenador da ONG de direitos humanos sediada em Jacarta.
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Na Indonésia, as duas ondas de execuções — amplamente apoiadas pela população — acompanham fenômenos de ebulição política interna pouco conhecidos pela imprensa internacional. Em novembro de 2014, o governo indonésio libertou Pollycarpus Priyanto, um ex-piloto de avião responsável pelo assassinato do ativista de direitos humanos Munir Said Thalib, em 2004.
Após ficar poucos meses em cárcere, Priyanto foi solto por insuficiência de evidências. Somente em 2008, quando a Suprema Corte reabriu o caso, ele foi condenado a 20 anos de prisão. A libertação após apenas cinco anos gerou uma série de críticas de cidadãos de todas as partes da nação, colocando em xeque a popularidade de Widodo.
Poucas semanas após as críticas, o governo iniciou um grande debate sobre a pena de morte, alavancando a popularidade do presidente com as execuções. Dias após o furor de fim de janeiro, a imagem de Widodo passou a ser afetada, novamente, com um escândalo que envolveu o apoio da legenda governista — o Partido Democrata Indonésio — a um candidato acusado de corrupção que tentava o cargo de chefia na polícia nacional. E então, mais uma vez, o ciclo se repetiu, culminando no episódio de 28 de abril.
Papel dos direitos humanos
“É difícil buscar popularidade, com tantos escândalos que aparecem”, pondera Haris Azhar. “Politicamente, nós do KontraS procuramos dar o nossos melhor: nós revelamos esses abusos e abrimos ao público esses casos, dando os nomes de membros da polícia, do Exército e do governo que estejam envolvidos. Construímos uma política de abertura e exigimos justiça. Se algo acontece, a justiça deve ser feita”, argumenta.
EFE/arquivo
As execuções são parte da política de Widodo (camisa marrom), eleito em 2014, que decretou tolerância zero com o tráfico de drogas
Embora assuma as dificuldades de desenvolver uma política de direitos humanos no país em meio às ameaças vindas de órgãos governamentais, o coordenador rebate que essa tarefa não pode se deixar levar pelas intimidações.
“Nós somos consultados pelas pessoas, mas também somos alvos. Mas ok. Isso é um desafio para nós e é também uma oportunidade”, opina. “Se você não quer apoiar direitos humanos, tudo bem, mas precisamos discutir isso e as pessoas precisam ouvir nosso posicionamento também, pois nós trazemos diferentes interpretações sobre os fatos e isso alimenta o debate”, completa.
Diante de aplicações de penas de morte, criminalização de ativistas, casos de corrupção, de intolerância religiosa, de perseguições a jornalistas e de cerceamento de liberdades, o ativista de direitos humanos acredita que sua missão é “manter a chama acesa”.
“Nós temos que revelar esses abusos ao público… precisamos mostrar às pessoas que ainda há gente que se preocupa e que trabalha pelos direitos humanos no país, para que os indonésios mantenham a esperança e que tenham um futuro. Se nós perdemos essa fé, perderemos o nosso senso de construir nossas vidas juntos”, reflete.