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Em 7 de fevereiro de 1497, na véspera da Quaresma, o pregador Jerônimo Savonarola organiza em Florença, na praça de la Signoria, uma grande ‘‘fogueira das vaidades’’ em que burgueses e senhoras da sociedade atiravam na fogueira seus atributos de luxo: jogos, instrumentos de música, obras de arte e até livros de Boccaccio e Petrarca em plena “terça-feira gorda” do carnaval.
Certos artistas, convertidos por Girolamo Savonarola, participaram da festa ao lado do chefe, caso do ilustre Sandro Botticelli, antigo protegido de Lourenço o Magnífico, que atira no braseiro algumas de suas telas de inspiração mitológica.
Em 23 de maio de 1498, Savonarola é enforcado e queimado em Florença, na mesma praça de la Signoria. Essa macabra fogueira marca o o início da decadência da prestigiosa cidade toscana.
O monge Savonarola tornou-se em 1491 prior do convento dominicano de São Marcos, em Florença. Seu talento de pregador logo ultrapassa os limites do convento o que lhe vale vir a ser o confidente de certos humanistas como o erudito Pico della Mirandola e de Lourenço o Magnífico, chefe todo-poderoso da riquíssima cidade.
No entanto, as prédicas inflamadas de Savonarola se fazem cada vez mais violentas. Denuncia os modos deletérios da Renascença Italiana e a depravação do clero. Liga-se à Florença dos Medicis, amantes da riqueza e das artes, e mais ainda do papado. Contra o humanismo da Renascença propõe o retorno ao ascetismo cristão.
Savonarola exercia grande atração sobre o povo de Florença e mesmo sobre a burguesia, convencendo uns e outros a assumir mais austeridade com suas profecias lúgubres. Milhares de ouvintes se apresentavam em seus sermões. E acreditavam piamente em suas profecias.
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Em 1492, frei Jerônimo prevê com precisão a morte de Lourenço o Magnífico e a do papa Inocêncio VIII, bem como a eleição de um papa inclinado à simonia – venda ilícita de coisas espirituais como indulgências e sacramentos. Ele seria Alexandre VI Bórgia.
Wikimedia Commons – Pintura retrata execução de Savonarola
Pouco depois, prevê uma invasão estrangeira e eis que se anuncia, em 1494, a travessia dos Alpes pelo rei da França Charles VIII à frente de um poderoso exército.
Em Florença, cada qual tenta conquistar os favores do poderoso monarca. Savonarola o encontra em Pisa e lhe suplica, não sem uma certa presciência, organizar um concílio que restabeleceria a ordem dentro da Igreja. O rei da França recebe bem o pedido.
Por seu lado, Pedro II de Médicis, filho e sucessor de Lourencço o Magnífico, busca aliança com a França para reconquistar sua autoridade sobre a cidade. Fracassa e afinal é derrubado pelo povo.
Os negócios da rica cidade foram então confiados a um Grande Conselho graças ao qual Savonarola iria exercer uma severa ditadura moral. Não hesita, para tanto, em se apoiar numa vasta rede de espiões e policiais, envolvendo até crianças.
A população se dividia até na implantação da delação e da violência entre ‘‘arrabiati’’ (raivosos), hostis a Savonarola, e piagnoni (chorões), seus partidários. Entrementes, os franceses se encontravam enredados em sua conquista de Nápoles, devendo fazer face a uma coalizão conduzida pelo papa. Em 6 de julho de 1495 forçam a passagem para Fornovo e se retiram incontinente da península, deixando seu alioado Savonarola livre e solto.
A despeito de seu debilitamento diplomático sobre a cena italiana, o pregador acentua sua ditadura.
Era demais para o papa Alexandre VI Bórgia, que excomunga o intolerante prior em 12 de maio de 1497. Ameaçado de interdito, ou seja de qualquer possibilidade de praticar o culto, Florença se separa de seu guia espiritual.
Instado por seus rivais da ordem franciscana a se submeter ao ‘julgamento de Deus’, quer dizer ao suplício do fogo, Savonarola recusa-se. A população, por sua vez, retira definitivamente seu apoio. É entregue à Inquisição, jogado na prisão, torturado, condenado e executado ao lado de outros dois monges. Tinha 46 anos.
Os florentinos continuaram, após sua morte, a viver em República e foi somente em 1512 que o papa Júlio II reinstalaria os Médicis no comando da cidade.
Cerca de vinte anos depois do desaparecimento de Savonarola, do outro lado dos Alpes e ao abrigo da vingança papal, um outro reformador lançaria com muito mais sucesso seus anátemas contra Roma. Seu nome era Martinho Lutero. Vozes se elevam hoje ainda para exigir a reabilitação de Savonarola e, porque não, sua beatificação.
Também nessa data:
1990 – Partido Comunista da URSS abre mão da exclusividade do poder político
1991 – Aristide jura como primeiro presidente do Haiti eleito democraticamente
1992 – Tratado de Maastrich oficializa união monetária na Europa