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Adolfo Bioy Casares
“A velhice é um massacre”. A frase está num dos livros recentes de Philip Roth. Crua, de uma lucidez rancorosa, não dá margem a resposta. Quarenta anos antes, Adolfo Bioy Casares colocou esse mesmo diagnóstico no papel, mas literalmente. Em Diário da guerra do porco imagina uma Buenos Aires em guerra contra seus velhos. Entregues ao “vício das lembranças”, ao truco e ao Fernet, bebida amarga, lembrete irônico de que a vida perde a doçura, homens e mulheres de cabelos brancos, “vorazes, roncadores, verdadeiros porcos” vêem-se diante de uma enorme onda de violência.
Milícias formadas por jovens saem às ruas para espancá-los, alguns até a morte. Os novos bárbaros têm nojo, desprezo profundo pela velhice. Acima de tudo, têm medo, não querem encarar o próprio futuro, a decrepitude que os espera. Isidro Vidal, personagem que o “diário” acompanha com mais interesse, ainda não chegou aos 60. Está próximo, no entanto – próximo o suficiente para ver-se ameaçado, depois de testemunhar a morte de alguns amigos.
Uns reagem com bravatas, querem mostrar que ainda não perderam a força e a valentia. Outros desesperam-se, escondem-se no sótão dos cortiços em que vivem, tremem ao menor ruído. Vidal é sereno, tenta entender a situação, busca conversar com o filho, marginalmente ligado aos fascistas que promovem a cruel limpeza “etária”.
A cidade, descrita minuciosamente pelo autor, é tomada por fogueiras, que lançam um fulgor vermelho na noite. A ameaça é permanente, não há descanso. Ao saírem em cortejo para enterrar um de seus colegas de truco, os velhos são apedrejados, têm de correr, esconder-se atrás das lápides, lançar-se no gramado que cobre os mortos.
Em meio a esse caos, Vidal filosofa: “pela primeira vez julgou entender por que diziam que a vida é sonho: se alguém vive bastante, os fatos de sua vida, como os de um sonho, tornam-se incomunicáveis, porque não interessam a ninguém.” E de fato, atravessa as cenas de batalha como se estivesse sonhando. Em alguns trechos, Bioy Casares lança mesmo essa dúvida ao leitor: tudo pode ser um sonho, afinal.
A amargura de Vidal, porém, interessa às mulheres, que o procuram; feias, malcheirosas, velhas; mas também, no meio delas, uma jovem, bela, de pele macia. O amor surge como porta de saída do pesadelo, como alternativa para a morte. Ainda assim, Vidal não sabe o que fazer. Vaga pelos escombros, procurando entender se há sentido em permitir-se novos desejos e ambições.
Escrito em 1968, quando o próprio Bioy (1914-1999) talvez começasse a se debater com a ideia de ocaso, Diário da Guerra do Porco acaba sendo menos pessimista do que poderia. O autor dizia não gostar do livro, mas de alguma forma sentiu-se impelido a escrevê-lo. Talvez quisesse afirmar – e assim convencer a si mesmo – que, se há tempestade, escura, avassaladora, que provoca desespero, pode haver também bonança.
De qualquer forma, é grande literatura, um romance à altura de sua criação mais conhecida, A Invenção de Morel, e que nada fica a dever aos brilhantes jogos literários de seu amigo mais famoso, Jorge Luis Borges. Não são poucos, aliás, os que consideram Diário da Guerra do Porco sua obra-prima, e Rubem Fonseca, autor da quarta-capa, é um deles. Como nos contos inesquecíveis de Histórias fantásticas, o livro é escrito com rara elegância, muito bem recriada pelo tradutor José Geraldo Couto. Bioy Casares parece incapaz de uma frase ou idéia vulgar, de um clichê, de uma observação inútil.
Clube de Prosa Cosac Naify
Discussão – Diário da guerra do porco, de Adolfo Bioy Casares
Mediação – Julio Pimentel Pinto
29/2, quarta-feira, às 19h30
Livraria Cultura – Loja Artes – Conjunto Nacional
Av. Paulista, 2073, São Paulo (SP)
retirada de senhas a partir das 18h30. 25 lugares
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