O Ministério Público do Paraguai apresentou denúncias neste domingo (16/12) contra 14 camponeses, acusados de serem os responsáveis pelo massacre de Curuguaty que deixou 11 sem terras e 7 policiais mortos em junho deste ano. A tragédia na zona rural teve início quando forças policiais tentaram desalojar o grupo e foi responsável por desencadear o processo de destituição do então presidente Fernando Lugo.
As acusações vão desde associação criminosa, invasão de propriedade até homicídio doloso e as sentenças podem chegar a até 25 anos de prisão em regime fechado. De acordo com a investigação criminalística do governo, os camponeses organizaram uma emboscada no local antes da chegada dos oficiais que foi responsável pelo início do tiroteio.
“O Ministério Público está em condições de demonstrar que essas pessoas iniciaram o fogo”, afirmou o promotor do caso, Jalid Rachid, em entrevista coletiva neste domingo (16/12). O oficial paraguaio não apresentou as provas, mas indicou a presença de “provas periciais” e testemunhos.
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Rachid ainda reiterou que os policiais “estavam em desvantagem” frente aos agricultores presentes, repetindo uma das afirmações mais recorrentes das autoridades sobre o massacre.
A versão oficial é contestada por organizações e autoridades que não conseguem compreender como que a força especial da polícia foi atacada por camponeses sem-terra acampados. Desde o acontecimento da matança, movimentos sociais do país apontam para a presença de “infiltrados” que atiraram nas forças policiais e contestam a versão oficial.
Parcialidade do governo
No dia 20 de junho, ainda como presidente, Lugo criou uma comissão independente do governo composta por paraguaios “notáveis”, incluindo jornalistas, e anunciou que pediria a constituição de um grupo especial junto a OEA (Organização dos Estados Americanos) para descobrir o que de fato se sucedeu no campo.
Atualmente, com o governo de Franco, apenas a polícia paraguaia que conduz as investigações. “A primeira medida deste governo golpista, que está instalado agora no Palácio de López, foi suprimir essa comissão e isso cria grande suspeita”, afirmou Lugo no aniversário de um mês do massacre.
O atual presidente do Paraguai, Federico Franco, foi denunciado em outubro por tentar interferir a investigação do massacre pela organização PEICC (Plataforma de Estudo e Investigação de Conflitos Camponeses). A argumentação é a de que Franco tem buscado influenciar as investigações do caso ao refutar a hipótese de que os camponeses não foram responsáveis pelo início do conflito.
Investigação independente
Uma investigação independente da Missão Internacional de Solidariedade e Direitos Humanos aponta conclusões totalmente diferentes da apresentada pela polícia paraguaia. A partir de entrevistas com testemunhas, familiares e vítimas, o grupo concluiu que os trabalhadores sem-terra foram cercados pela polícia em duas frentes e que muitos foram executados. Segundo sua investigação autônoma, o dirigente sem-terra Avelino Espínola foi atingido pelo primeiro disparo.
“Numerosos depoimentos coincidem que houve execuções, perseguições, ameaças de morte, torturas físicas e psicológicas e desatenção médica aos campesinos durante o operativo, imediatamente depois e nos dias seguintes do 15 de junho”, acrescenta. O texto relata diversos casos de detentos que possuem ferimentos decorrentes do massacre, mas que o acesso ao hospital lhes foi negado por juízes.
Massacre
Em Curuguaty, uma localidade rural no nordeste do Paraguai, forças policiais tentaram desalojar um grupo de camponeses sem-terra que ocupavam uma propriedade de 2 mil hectares, apropriada irregularmente por um empresário e político da ditadura, Blas Riquelme. A polícia interviu e se iniciou um batalha que acabou com 17 mortos (11 camponeses e 6 policiais) e mais de 20 feridos.
Foi a mais grave tragédia desde o fim da ditadura no Paraguai, que tocou um dos temas mais sensíveis no país: a alta concentração das terras e a grande pobreza no campo. No Paraguai, 80% de terras férteis estão nas mãos de 2% da população, concentrando-se no agronegócio de alta produtividade, que gerou um crescimento econômico de 14,5% em 2010, mas ao custo de uma taxa de 39% da população vivendo abaixo dos níveis de pobreza e 19% em situação de pobreza extrema, segundo dados do censo nacional.
A reforma agrária, para acabar com essa dívida antiga com os setores mais humildes camponeses do Paraguai, foi uma das principais promessas eleitorais de Fernando Lugo.
O massacre de Curuguaty foi explorado pelos líderes do Partido Colorado para vender a ideia de que Lugo foi o principal responsável pela morte de 11 camponeses e seis polícias. “Hoje temos um país sem lei, e o presidente Lugo é o principal responsável”, disse Lilian Samaniego, presidente do Partido Colorado, ao anunciar na noite de segunda-feira (18/06) que seu partido havia decidido pedir o impeachment do chefe de Estado no Parlamento.