A alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, condenou a decisão da Suprema Corte do Uruguai de declarar inconstitucional parte da Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado, dispositivo legal que permite julgar crimes cometidos durante a ditadura militar do país sul-americano(1973-1985). Pillay se disse preocupada com o que chamou de “falha” da Suprema Corte.
“Estou surpreendida e preocupada com essa falha do Supremo Tribunal, que declara inconstitucional alguns artigos da lei que permitiu levar à Justiça violações aos direitos humanos cometidas durante o regime militar”, disse a dirigente indiana.
A decisão, de acordo com a alta comissária, abre caminho para encerrar as investigações em curso sobre as violações dos direitos humanos. Segundo Navi Pillay, na prática é um atentado ao direito das vítimas que buscam a verdade, a justiça e a reparação. O Alto Comissariado para os Direitos Humanos é vinculado à ONU (Organização das Nações Unidas).
Decisão polêmica
A Suprema Corte de Justiça uruguaia declarou inconstitucional a lei aprovada em 2011, que impede a prescrição dos delitos cometidos por militares durante a ditadura no país sul-americano (1973-1985). No entanto, segundo o tribunal, isso não significa o arquivamento automático das causas abertas pelos crimes do período.
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Segundo a decisão da corte, uma interpretação da Lei de Caducidade aprovada pelo Parlamento uruguaio há dois anos e que buscava evitar justamente a prescrição violaria a Constituição em dois de seus três artigos, pois não pode ser aplicada de forma retroativa.
O tribunal considerou que a normativa, ao “estabelecer que não se computarão prazos de prescrição já transcorridos” e ao “dispor de forma retroativa” que os crimes do período fossem considerados “contra a humanidade” vulnerava “ostensivamente o princípio de irretroatividade da lei penal” estabelecido na Constituição.
Logo após a decisão, Mónica Xavier, presidente da governista Frente Ampla, que impulsionou a norma no Parlamento e que a considerava um dos maiores êxitos de sua gestão, expressou através do Twitter sua “dor” e se uniu publicamente a uma manifestação convocada para a próxima segunda-feira por seu partido em repúdio à medida.
Outro dirigente do partido, Juan Castillo, disse em entrevista à imprensa local que a decisão “é uma barbaridade”. “É incrível que sigam existindo artifícios que permitam aos violadores de direitos humanos permanecerem impunes. A mensagem que se está dando para as vítimas e parentes é aterrorizante”, acrescentou.
O porta-voz do Suprema Corte, Raúl Oxandabarat, no entanto, negou que a decisão significará o arquivamento dos casos. “Isso é um disparate”, afirmou, acrescentando que o tribunal “somente se pronuncia sobre um caso concreto”.
Oxandabarat disse ainda que “os juízes têm independência para aplicar o que quiserem” nos processos que levarem adiante. “Como o juiz resolve a situação isso é problema do juiz”, reiterou.
O porta-voz do Supremo explicou também que a sentença anunciada nesta sexta-feira (22) se refere a um recurso de inconstitucionalidade apresentado por dois coronéis, Rudyard Scioscia e Mario Cola, mas não deu detalhes sobre o processo movido contra os militares.
A interpretação da Lei de Caducidade foi aprovada em outubro de 2011, a poucos dias que se completar o prazo legal para a prescrição dos delitos cometidos por policiais e militares durante a ditadura, que em uma resolução anterior do Supremo foram considerados crimes comuns.
A norma tinha como objetivo transformar estes delitos automaticamente em crimes contra a humanidade, e portanto imprescritíveis.
A Lei de Caducidade, aprovada em 1986, no fim da ditadura e referendada em duas ocasiões pelos cidadãos, em 1989 e 2009, estabelecia que para julgar delitos cometidos por militares a justiça deveria ter autorização do Executivo.
Até a chegada ao poder da Frente Ampla, em 2005, todos os pedidos de julgamento tinham sido rechaçados. Defensores dos direitos humanos, vítimas da ditadura e movimentos sociais sempre consideraram que a lei que garantia a impunidade.