“Eles sempre diziam que teríamos que esperar, que os problemas que atingiam os negros seriam resolvidos com o tempo, mas nós éramos jovens e impacientes, por isso criamos o Pantera Negra, queríamos conseguir as coisas logo, sem ter que pedir para políticos”, lembra Ericka Huggins, ex-militante do histórico movimento negro dos Estados Unidos da América, durante palestra na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
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Ericka contou, na noite da última quarta-feira (19/9), que o Partido Pantera Negra para Autodefesa tinha como objetivo defender a população negra da violência e dos abusos cometidos pela policia e também atender as necessidades sociais de cada comunidade. Para ela, um dos grandes méritos da organização estava em definir sua atuação a partir das necessidades e das demandas da “base”, ao invés de dizer para pessoas o que elas precisavam ou o que deveria ser feito.
Durante sua fala, Ericka deixou claro que o preconceito racial continua sendo uma realidade nos EUA. Ela argumentou, por exemplo, que a maioria das pessoas que entram na prisão são mulheres negras ou latinas. Além disso, ironizou o mito de uma sociedade pós-racial. “Quando elegemos um presidente negro, alguns disseram que vivíamos uma sociedade pós-racial. Onde? Como assim?”
Um recente estudo da Universidade de Ohio aponta que atualmente, nos Estados Unidos, há mais negros na prisão que escravos em 1850. Uma das causas para essa realidade pode ser encontrada na fala de Ericka: “As prisões não são criadas só por concreto e aço, mas também por falta de condições e oportunidades”.
Pamela Gabrielle/Opera Mundi
Para Ericka Huggins, o racismo ainda é uma realidade nos Estados Unidos
Quem matou Ricardo?
Quase na metade da palestra, um grupo estendeu uma faixa pedindo liberdade para ativistas presos, entre eles Mumia Abu-Jamal, ex-pantera negra. Ela agradeceu, mas foi enfática ao perguntar: “Quem matou Ricardo? O que vocês estão fazendo pela família dele?”.
A pergunta diz respeito a Ricardo Ferreira Gama, funcionário terceirizado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na Baixada Santista. Ele foi assassinado no dia 2 de agosto, na porta de casa. Familiares e outras pessoas que o conheciam afirmam que ele foi morto por ter, dias antes, se envolvido em uma discussão e, por isso, acabou sendo agredido por policias militares.
Boa parte das perguntas e intervenções do público poderia ser resumida em pedidos de conselhos ou das possíveis formas de como realizar a luta contra o racismo e o preconceito no Brasil. “Eu não vivo aqui, não posso dar a solução para os problemas que vocês enfrentam. Mas, posso dar uma certeza: a luta contra essa opressão depende da organização de quem quer lutar por mudanças”, disse.
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E complementou lembrando a atuação das Mães de Maio. “Essas mães, que tiveram filhos mortos, se uniram, umas consolaram as outras. Elas lutam para mudar a realidade que provocou a morte dos filhos dela. Não sei como parar a brutalidade policial, mas a Mães de Maio são um exemplo a ser seguido”, declara.
“Todo poder para o povo”
Ericka salienta que a máxima dos Panteras (“todo poder para o povo”) não pedia poder só para os negros, mas para todas as minorias como latinos, indígenas, homossexuais, queríamos que todos tivessem poder de dizer como queriam viver. E foi essa ideia, de criar espaços e mecanismos para as pessoas exercerem poder sobre sua vida e sua comunidade, que fez com “nós fossemos amados pelo povo e tão odiados pelos políticos”.
Pamela Gabrielle/Opera Mundi
Ela usa um exemplo simples para explicar o porquê do uso de armas pelos membros do partido. “Se alguém entrar nessa sala para lhe atacar, você tem direito de parar esse ataque”, sentencia.
Além da autodefesa, os panteras negras, conta, tinham uma série de programas sociais como distribuição de café da manhã para crianças, a criação de consultórios médicos, atividades educacionais e até um sistema de caronas para familiares visitarem parentes presos.
[Ericka Huggins durante palestra na PUC-SP]
As atividades eram financiadas através da venda de jornais, de apoiadores e com “bastante criatividade”, lembra. As nossas iniciativas surgiam como respostas aos problemas que as pessoas enfrentavam.
A maioria dos membros era bastante jovem, com média de idade de 19 anos, diz Ericka. Ela, que ficou 14 anos na organização, diz a formação política e a discussão interna eram atividades importantes. “Queríamos criar outra sociedade e precisávamos começar por nós”, observa.
A repressão do governo
Sobre o fim das Panteras Negras, por volta de 1980, Ericka também é direta: “O FBI quebrou os Panteras Negras. Acabar conosco se tornou uma questão de honra e, nisso, eles foram bastante competentes”. Em um só ano, afirmou, 28 membros foram assassinados, além de vários terem sido presos.
“Três meses após enterrar meu companheiro (membro dos Panteras), eu fui presa e separada da minha filha, me acusaram de conspiração, fiquei dois anos detida, antes de ser libertada”. Vários membros da organização, que, no auge chegou a mais de 2 mil integrantes, tiveram destinos semelhantes.
Ela comenta que uma vez por ano, ex-militantes dos Panteras Negras se encontram. “É um milagre que consigamos falar sobre isso, nos vivemos a guerra”, afirma. Ela fala que parte deles viaja o mundo dando palestras ou realiza trabalhos comunitários e ativistas de causas sociais.
“Víamos que tínhamos um mundo novo para ser criado e achávamos que veríamos isso, mas as coisas não acontecem tão rápido. Felizmente, deixamos algumas mudinhas para esse novo mundo.”