Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos apresenta em seu artigo inicial a máxima: “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Contudo, mesmo 65 anos após ser adotado, o documento apresenta diversas lacunas em relação à igualdade de direitos para a população LGBT (lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros).
Em entrevista a Opera Mundi, Humberto Henderson, representante para a América do Sul do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, justifica que esta discussão é extremamente nova. “Quando a maior parte dessas normas foi escrita, a temática LGBT não estava presente no debate internacional. Porém, tanto a declaração universal quanto os principais tratados internacionais são taxativos: não pode existir nenhuma discriminação contra nenhuma pessoa”, argumenta.
Felipe Siston/ UNIC Rio
Para Humberto Henderson, em termos gerais, não há um retrocesso nos países do continente latino-americano
Na verdade, a discussão é tão recente que foi apenas em dezembro de 2011 que o Conselho dos Direitos Humanos em Genebra aprovou a primeira resolução na história da Organização das Nações Unidas sobre orientação sexual e identidade de gênero, expressando grave preocupação de atos de violência e discriminação à comunidade LGBT. No relatório, a ONU aponta que atualmente 76 países ainda criminalizam relações homossexuais consensuais e que agressões, manifestações de ódio e assassinatos motivados por homofobia são registrados ao redor do mundo inteiro. Além disso, em 5 dos 76 países, bem como em algumas regiões de pelo menos outros dois países, a pena de morte pode ser aplicada para a homossexualidade.
Por outro lado, Henderson celebra que há muitos países no continente latino-americano que apresentam importantes avanços no reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais para pessoas com distintas orientações sexuais e identidades de gênero. “No Uruguai e na Argentina há a lei do casamento igualitário. Na Cidade do México, há uma norma vinculada a um acordo para pessoas do mesmo sexo. Ao mesmo tempo, no Chile está se debatendo com a nova administração o que se chama de ‘acordo de vida em casal’, um matrimônio civil para pessoas de mesmo sexo. Há também uma discussão semelhante no Peru”, enumera o representante da ONU.
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Esses exemplos mostram que a América Latina está dando passos positivos. “Em termos gerais, não há um retrocesso nos países do continente. Todos estão discutindo como poder abordar uma temática que é importante para combater a discriminação”, explica Henderson. “Enquanto isso há outros continentes que caminham justamente para o lado contrário: as leis tendem a ser mais restritivas face à liberdade sexual, especialmente em países africanos”, completa.
Já para Leandro Ramos, representante da AllOut, organização internacional que desenvolve campanhas de mobilização em defesa dos direitos LGBT, há avanços significativos na América Latina, mas ainda há muitos direitos a serem conquistados. “A gente costuma dizer que metade do planeta está indo na direção certa e outra metade, na errada”, brinca. “Temos casos como Argentina, Uruguai, outros países que aprovam o casamento igualitário e criam leis específicas para pessoas trans. De outro, há lugares como Rússia e Uganda, que estão se encaminhando para uma direção mais obscura”, acrescenta.
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Na América Latina, a AllOut age atualmente no Peru , na luta pela aprovação da união civil de pessoas LGBT. Recentemente, esteve ligada também a uma campanha na Colômbia para protestar contra as atitudes da procuradoria-geral do país, que tentou anular casamentos legais de pessoas do mesmo sexo. “Generalizando, eu sinto que a América Latina está em um ponto de pressão entre esses dois eixos”, sintetiza o representante. “O Brasil é um caso bem simbólico deste ponto de tensão. Temos avanços bem importantes, mas ao mesmo tempo, como uma reação, temos um conservadorismo gritante”, compara.
A Campanha “livres e iguais”
Às vésperas da 18ª Parada do Orgulho LGBT em São Paulo – tida como a maior do gênero no mundo – a ONU lançou nesta segunda-feira na Prefeitura de São Paulo um projeto para incentivar a igualdade e os direitos dos homossexuais. Intitulada “Livres & Iguais”, a campanha global tem o intuito de promover a conscientização e a igualdade de direitos humanos para a comunidade LGBT, além de reformar o combate à homofobia.
A iniciativa de educação pública foi inaugurada na África do Sul em julho de 2013. Depois do Brasil, o projeto será divulgado no dia 26 de maio no Chile e, em seguida, no Peru. “Cada país tem suas idiossincrasias. A campanha que lançamos é muito flexível e permite adaptá-la para realidades locais. É preciso combinar o projeto e a realidade social de cada região”, explica Henderson.
César Ogata/ Secom
A cantora Daniela Mercury e campeã de igualdade da ONU participa da mesa de debate ao lado de drag queens
Para isso, as Nações Unidas disponibilizaram também um manual baseado no princípio dos direitos humanos e conforme tratados internacionais. “No livreto, fornecemos informações sobre as obrigações básicas dos governos na hora de proteger as pessoas LGBT, isto é, exemplos de medidas que Estados podem adotar pra desenvolver leis, projetos, políticas e práticas conforme as leis internacionais”, diz.
Na mesa, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, ressaltou que para combater a discriminação “não basta apenas educação, é preciso também muita militância”. Representando o sistema da ONU no Brasil, Giancarlo Summa acrescentou que “não é apenas uma campanha de conscientização, mas de políticas públicas concretas”.
Inserção no mercado de trabalho: uma das frentes da ONU
Uma das iniciativas de destaque da campanha global das Nações Unidas é o combate à homo-lesbo-transfobia no mundo de trabalho. Sobre isso, Thaís Faria, oficial do programa da OIT (Organização internacional do Trabalho), ressaltou que a promoção do trabalho decente em condições de equidade e dignidade para a comunidade LGBT é particularmente complicada. “Acreditamos que tamanho de preconceito acontece principalmente com os transgêneros”, diz.
Patrícia Dichtchekenian/ Opera Mundi
“O que a gente percebe é que ainda existe uma discriminação imensa no local de trabalho onde as pessoas conseguem até ser inseridas neste local, mas não conseguem ser quem elas são, precisando esconder sua identidade de gênero e sua orientação sexual – o que causa grande sofrimento . Há outras outros casos em que essas pessoas têm negado seu acesso ao local de trabalho – o que é extremamente grave”, explica Thaís.
[Placa na manifestação pela igualdade em Paris, 2013: humanos e cidadãos]
Um dos principais projetos da OIT é a construção de um manual local para treinar as empresas, sobretudo o setor de recursos humanos para que se possa fazer a inserção para a comunidade LGBT, com o intuito de assegurar os mesmos direitos, promover respeito e também evitar a discriminação no local de trabalho.
“Teve uma iniciativa muito interessante na Argentina com os transgêneros. Foi feito um documentário local e um estudo preparando empresas para a inserção deste grupo no ambiente de trabalho – projeto que tem sido inspirador para o Brasil”, afirmou a oficial da OIT. “Hoje, há uma legislação mais avançada na Argentina, mas acredito que o Brasil tenha lutado e avançado, talvez mais do que outros países do que a América do Sul”, acrescenta.