Sentado atrás da sua enorme mesa de trabalho, ladeado por um vaso com uma falsa-seringueira e por uma bandeira do Estado, o homem eleito pelos nova-iorquinos como o novo xerife de Wall Street parece ser bem menor do que se espera para um homem em um cargo tão desproporcional. Atrás dele, a gigantesca casca de ferro preto da Torre da Liberdade – a resposta rude e inacabada do setor imobiliário de Manhattan aos terroristas – domina o céu e bloqueia a visão do pôr do sol.
Discreto, com aparência jovial apesar dos 55 anos, o procurador-geral de Nova York, Eric Schneiderman, é a melhor e talvez última esperança do movimento progressista americano para que haja algum tipo de retaliação pública contra os “banksters” [neologismo que funde banqueiros com gangsters]. Mas ele é o anti-Spitzer em termos de estilo, ainda que não de substância. Ele não tem nada do caráter físico dominante de Eliot, nada do vigor de olho de águia do homem que campeava pela cidade carregando nos ombros as grandes esperanças de todos, até cair, quase literalmente, pela sua própria espada simbólica. Este personagem razoável não poderia – e é o que se espera – ser o Cliente 10.
Schneiderman, como Obama, vem de uma escola de representação política que evita o drama. Ele não fi ca vermelho de raiva. Ele não seduz. Ele é sério, apagado e pedagógico. Mas, ao contrário do presidente, ele apresenta uma obstinada recusa em ceder, e uma pronta disposição para lutar. É o anti-herói que os progressistas, fervendo de raiva, esperam que seja capaz de algemar e expôr os responsáveis pela crise fi nanceira.
O procurador não pode decepcionar. Em entrevista no seu gabinete, ele não quis entrar em detalhes sobre se os processos devem ser civis ou criminais, ou sobre multas e penas de prisão. Mas deixou claro que está dedicando tempo e funcionários a uma investigação com objetivos que vão bem além de obter US$ 20 bilhões em troca de imunidade judicial, um acordo que seus colegas procuradores-gerais atiraram sobre a mesa lá em Washington, e que o governo Obama gostaria de vê-lo assinar.
“As pessoas que causaram esta quebra precisam ser responsabilizadas, e não detecto nenhuma diminuição no desejo do povo de Nova York para que essa forma básica de justiça seja feita”, disse ele. “Parte dessa investigaçãoserve para iluminar e expor as coisas, para assegurarmos que nunca mais se repita.”
Boxe tailandês
O que todos querem saber, naturalmente, é se ele será capaz de jogar para ganhar nesse esporte de contato que é o litígio judicial com Wall Street. Se, como ele diz, seu período na Assembleia de Nova York lhe ensinou que a política é “um esporte de contato”, então seria o futebol americano. Já o jogo em Wall Street é mais radical, o boxe tailandês, talvez. Perguntei-lhe se ele considerava ter o que é necessário – a fi rmeza, o espírito de luta e as calças limpas para entrar na batalha. Perguntei-lhe (ou melhor, disse-lhe) até que ponto sua luta seria “perigosa”.
“Bom, vamos descobrir, não é?”, afi rmou, dando de ombros.
Como que reagindo a essa provocação, o New York Post noticiou dois dias depois que uma promotora da equipe de Schneiderman fazia bico como dominatrix de aluguel sob o pseudônimo de Alisha Sparks. Durante o dia, ela negociava acordos com banqueiros transgressores; à noite, supostamente recebia dinheiro para, à base de chicotadas, levar homens submissos até estados de êxtase. Schneiderman prontamente a colocou em licença não-remunerada, devido à acusação de ter violado a proibição deacumular outros empregos. Seu assessor de imprensa me garantiu que Sparks não havia chegado nem perto da investigação fi nanceira em curso. Mas blogueiros fi nanceirosimediatamente farejaram algo de errado, e sugeriram que a revelação seria apenas o começo de uma guerra suja coordenada contra o órgão que Schneiderman chefi a, num momento em que ele eleva o tom nas intimações judiciaisaos bancos.
“Eu acho que os bancos estão com muito medo”, disse Tom Adams, ex-agente de seguros fi nanceiros que atualmente escreve sobre o setor bancário para o nakedcapitalism.com. Adams diz acreditar que não faltam ex-atores de Wall Street, machucados e enraivecidos, dispostos a contar a Schneiderman o que aconteceu.
“Apurar responsabilidades parece ser um tema dominante para ele, buscando isso de uma forma que a SEC [Comissão de Títulos e Câmbio] não buscou”, prosseguiu Adams. “Uma crise aconteceu e houve pessoas responsáveis. Acho que ele tem um território fértil nas MBSs [títulos garantidos por hipotecas] e CDOs [obrigações creditícias colateralizadas], e, se ele realmente citar indivíduos nominalmente e usar um tempo razoável, isso seria signifi cativo, mais do que confi scar os jatos e as casas dos Hamptons.”
Apesar de toda a sua suavidade, Schneiderman desdenha do discurso corrente em Washington. “Uma das coisas que me preocupam atualmente é esse esforço para reescrever a história, para nos afastar do fato de que medidas desreguladoras ruins e uma conduta gananciosa e arriscada fizeram isto acontecer, e que não foi culpa dos professores, policiais e bombeiros que agora parecem ser os alvos desse esforço para cortar gastos. Os mercados não quebraram por estarmos pagando demais aos professores.”
Belas palavras vindas de alguém com poder para intimar os executivos de Wall Street. Mas, em junho, o procurador-geral de Iowa, Tom Miller, retirou Schneiderman da comissão de procuradores-gerais dos 50 Estados que tentava selar seu próprio acordo com os bancos a respeito dos serviços hipotecários. O porta-voz de Miller em Des Moines disse que o desejo de Schneiderman de ir atrás dos peixes grandes – investidores e bancos – prejudicaria os consumidores.
“Estamos tentando focarnos mutuários, não nos investidores”, disse Geoff Greenwood, da procuradoria- geral de Iowa. “Estamos focados nos despejos, nosserviços hipotecários. Não estamos tentando tratar de tudo sob o sol relacionado à nossa crise financeira, e achamos que ao incluir a securitização estaríamos definitivamente paralisando o caso, ampliando além dos mutuários, e potencialmente contrapondo os mutuários aos investidores.”
Pressão do governo
Schneiderman responde que prefere não “entrar em um bate-boca” sobre o que aconteceu com o procurador- geral de Iowa, mas insistiu que as estratégias dos seus colegas são estreitas demais. Por isso, ele mantém a investigação de Nova York, que pode ou não levar a um acordo melhor em separado, reforçado por depoimentos e documentos revelando fatos sobre questões do serviço hipotecário que afetam os consumidores, e também sobre as chamadas questões de securitização – os MBSs e CDOs, investimentos que na verdade levaram ao colapso econômico que continua se desenrolando nas ruas pobres e nas casas desocupadas judicialmente da América habitada por pessoas comuns.
“A confiança do público foi desgastada demais”, diz ele. “As pessoas ainda não se restabeleceram do crash e do resgate financeiro, e não vão ficar satisfeitas enquanto não tiverem a sensação de que os responsáveis foram responsabilizados. Foi uma catástrofe com causas humanas.”
Schneiderman disse que sua procuradoria vem “escavando” as fases anteriores da era dos títulos financeiros garantidos por hipotecas. “A origem, a junção dos empréstimos pelos bancos, a securitização, a venda”, citou ele, e também atividades posteriores a 2004, quando a bolha imobiliária começou a se encher de are o número de hipotecas despencou. “Foi aí que as coisas começaram a mudar, e dá para ver que todo esse processo de que ganhar dinheiro com essas securitizações era tão lucrativo que a coisa não parou quando deveria ter parado.”
Ao manter a sua própria investigação, Schneiderman irritou o governo e os banqueiros, mas não fraquejou. Ele diz que seria equivocado acreditar que exista alguma outra forma possível de resolver as coisas. Admite sofrer pressão do governo Obama para aderir: “Houve, digamos, ligações feitas a amigos”, revelou, sem citar nomes. “Mas minha interpretação é de que as pessoas preocupadas com isso – os devedores, os sindicatos cujos fundos de pensão dos seus fi liados fi caram com alguns dos papéis podres – estão todas dando muito apoio.” Schneiderman, no entanto, não partilha do descontentamento progressista com Obama. “Eu acho que ele está fazendo o melhor que pode, tendo do outro lado um partido [o Republicano] que faz coisas realmente ruins para o país só para derrotá-lo. Desde que me entendo por gente não vemos esse tipo de política. É o tipo de coisa que você espera em países menos desenvolvidos.”
Tradução Rodrigo Leite
Texto publicado originalmente no site Salon
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