“Um Molière imaginário”. Foto por Guto Muniz via Germina Literatura
Lá se vão 30 anos de uma jornada que deixou muitos rastros no teatro brasileiro, principalmente no teatro feito cara-a-cara com o público. O grupo Galpão comemora nesse 2012 essa jornada de arregaça as mangas, passa-chapéu e vai à luta com uma série de apresentações que começaram em Londres, na Inglaterra, e chega ao Rio de Janeiro nesse fim de outubro e novembro, com várias apresentações e oficinas, inclusive as últimas de um dos maiores sucessos do grupo, “Romeu e Julieta”.
Embora produza espetáculos de palco, o Galpão renovou e deu novo impulso ao teatro de rua, pelo qual é mais conhecido, com o esmero de suas pesquisas, influências e parcerias, como as feitas com Gabriel Villela, um dos nomes que marcaram a trajetória do grupo – embora não seja o único. “O Gabriel, sem dúvida, foi uma marca importante”, diz Eduardo Moreira, ator, diretor e sócio-fundador do grupo mineiro, que conversou com Caros Amigos sobre os 30 anos de estrada.
O Galpão renovou o teatro de rua. É este o grande legado do grupo?
Acho que sim. O Galpão, com alguns outros grupos, como o Tá na Rua (do Rio de Janeiro), o Imbuaça (de Aracaju, Sergipe), o pessoal do Terreiras da Tribo (Terreiras da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz), lá de Porto Alegre (RS), criaram um movimento que de certa maneira na década de 80 deu um realce muito grande no teatro de rua no Brasil, criou um movimento muito importante.
Então, acho que a renovação do teatro de rua é um dos principais legados. É um grupo que desenvolveu um trabalho de teatro popular, ligado à rua, e mais amplo, porque o Galpão tem o trabalho de palco também. Mas eu acho que rua é um legado muito importante. Acho que o Galpão deu um certo destaque ao teatro de rua através de seus espetáculos, da elaboração dos espetáculos, porque até então a imagem do teatro de rua era como algo feito de qualquer maneira.
Grupos como Galpão e outros abriram um caminho e serviram como modelo; criaram a possibilidade de um caminho para outros grupos.
Entre o palco e a rua, onde o Galpão se dá melhor?
Vou dizer uma visão de dentro do grupo. Acho que se dá bem nos dois polos. Claro que o trabalho de rua é o mais conhecido, mas não posso dizer que o grupo se dê melhor nessa ceara. O teatro de rua é a faceta mais conhecida.
Vocês já trabalharam com vários diretores. Sem querer fazer injustiça a outros, há um nome que você acha que influenciou mais o grupo, deixou mais sua marca?
Acho que o Gabriel Villela é um marco importante, criou dois espetáculos do grupo que são muito conhecidos, o “Romeu e Julieta” e “Rua da Amargura”. Mas acho que há outros que foram muito importantes, como o Paulo José, que influenciou grandemente o teatro que é feito pelo Galpão; o próprio Cacá Carvalho e alguns pensadores do teatro, como Ulisses Cruz, que nem montaram espetáculos com o grupo, mas que, na nossa trajetória influenciaram muito nossa maneira de ver o teatro.
Existem planos para novos espetáculos com Gabriel Villela?
Nosso próximo projeto, que começa agora em novembro, é a montagem do “Gigante da Montanha”, do Pirandello, com direção do Gabriel Villela. Quer dizer, essa retomada do “Romeu e Julieta” foi também uma retomada dessa parceria que vai redundar no próximo espetáculo, que vai ser um espetáculo de rua.
Hoje o Galpão é uma marca, uma empresa. Dá pra dizer que vocês conquistaram uma situação mais confortável para viver de teatro?
Nossa situação é mais confortável do que 20 anos atrás. Hoje, temos um patrocínio com a Petrobras, que é renovado anualmente, mas muitas vezes ele balança. Existe essa marca forte do Galpão, mas as inseguranças da profissão permanecem. Realmente, é mais confortável, fruto de todo um trabalho, do reconhecimento, enfim. Mas a situação continua instável e sujeita a tempestades e trovoadas.
Vocês se beneficiam de leis de incentivo à cultura? Como vocês vêem essas leis?
A gente utiliza essas leis, temos uma parceria de 11 anos com a Petrobras, que é feita através da Lei Rouanet. Acho que essas leis deram um avanço grande, um investimento grande em cultura, acho que foi um passo importante. Agora, ela precisa ser repensada, de fato, porque de certa maneira criou uma distorção que é que o teatro não pode se afastar do público; essa relação direta com o público que paga para ir ao teatro, essa é uma relação importante que o teatro não pode perder.
O que tem de mais empolgante no teatro de rua?
Acho que o teatro de rua tem uma coisa que é muito bonita que é a iminência da catástrofe. Teatro de rua coloca essa possibilidade de maneira mais intensa para o ator porque o teatro já é uma atividade essencialmente do momento, do aqui e do agora e, nesse sentido, muito arriscada porque não tem segurança, não é videoteipe que você repete se não der certo; então, acho que no teatro de rua isso se potencializa e isso é muito bonito. Tudo é possível, você não tem a proteção de uma casa de espetáculo e faz também com que esse encontro com o público seja uma coisa muito viva, muito bonita. Apesar de ser muito mais impuro num certo sentido, muito mais sujo, ele se torna um ato muito puro, de uma coisa muito viva.
Do que você conhece de teatro de rua, você destacaria alguma região ou grupo onde se faz um bom teatro de rua?
Acho que uma região onde o teatro popular, as manifestações populares de rua, é mais intenso no Brasil é o Nordeste. O Nordeste é um laboratório vivo da cultura popular, é muito mais forte que o Sudeste, que o Sul, é muito intenso.
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Publicado originalmente no site da revista Caros Amigos
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